sexta-feira, 4 de julho de 2014

Ministério da Educação quer “escolas municipalizadas” em vários concelhos já no ano letivo 2014/2015

O Ministério da Educação e Ciência (MEC) está por estes dias em reuniões consecutivas com mais de uma dezena de municípios nos quais quer avançar com a descentralização de competências na área da educação, ao nível do ensino básico e secundário.


O MEC queria que a chamada “municipalização das escolas” (com os municípios a assumir responsabilidades na definição da oferta curricular e, eventualmente, na gestão dos próprios docentes) arrancasse já no ano letivo de 2014/2015. Porém, embora haja concelhos interessados, o processo está atrasado relativamente ao calendário inicial.

Águeda, Famalicão, Matosinhos, Maia, Óbidos, Oliveira de Azeméis, Águeda, Oliveira do Bairro, Cascais, Constância e Abrantes são alguns dos 16 concelhos que já foram contactados no âmbito deste processo que, além do ministério de Nuno Crato, está a ser negociado no terreno pela secretaria de Estado da Administração Local e pelo ministro-adjunto e do Desenvolvimento Regional, Poiares Maduro. A ideia era aglomerar um mínimo de 10 municipios na fase-piloto do projeto que deverá durar quatro anos, findos os quais, e dependendo da avaliação que vier a ser feita, a delegação de competências passará a ser definitiva.

As negociações têm, porém, seguido a ritmos diferentes nos diferentes municípios. Enquanto alguns, como Constância se terão posto de fora, outros, como Matosinhos, Óbidos e Águeda mostram-se entusiasmados com a ideia. “A proposta do MEC pareceu-nos muito bem formulada, embora as negociações não tenham sido ainda fechadas. O anterior processo de transferência de competências [nas escolas do básico] correu bem, trata-se agora de aprofundar isto e de alargar o processo ao secundário”, adiantou o presidente da Câmara de Matosinhos, Guilherme Pinto. O vereador da Educação da autarquia, Correia Pinto, precisou que o que está sobre a mesa é “uma descentralização e repartição de competências entre os municípios e as escolas, ficando o Ministério da Educação com as questões de avaliação do próprio sistema e a definição de orientações que se pretende que sejam nacionais para garantir a equidade do sistema educativo”.

Em Óbidos, o presidente da câmara, Humberto Marques, também se mostra impaciente para pôr no terreno a sua “escola municipal”. De tal forma que já por diversas vezes avisou que com ou sem Governo colocará em setembro a sua marca no único agrupamento do concelho. Faz notar que, ali, o projeto “nasceu muito antes deste Governo ter pensado em tal coisa”; e, apesar de “acreditar que as negociações chegarão a bom termo”, desta vez prefere "prevenir a remediar". Do pré-escolar ao secundário, os alunos terão direito a uma oferta diversificada de atividades cujos custos podem ter de vir a ser suportados integralmente pela autarquia, admite Humberto Marques. “Um risco” que o presidente da câmara assume, publicitando desde já a oferta de Filosofia para crianças no 1.º ciclo, de ioga para as do pré-escolar, e de golfe e de oficinas de ecodesign para os alnos mais velhos, só para dar alguns exemplos.

Sem custos para o MEC

Mais paciente e sereno, o presidente da Câmara de Águeda, Gil Nadais, prefere sublinhar que tudo está ainda numa fase muito prematura e que, “ainda que entretanto se proceda às alterações legislativas necessárias”, os reflexos nos quatro agrupamentos de escolas “não se vão fazer sentir antes de 2015/2016”. “Estamos a dois meses do arranque do novo ano letivo, mas nada impede que o contrato seja assinado em setembro e que a transição de competências se faça de forma gradual”, admite Correia Pinto.

Desde 2008 que 113 municípios aceitaram assumir responsabilidades acrescidas relativamente às escolas do ensino básico e da rede pré-escolar, nomeadamente quanto à contratação e gestão do pessoal não docente, à ação social escolar, incluíndo as refeições, e às atividades de enriquecimento escolar, as chamadas AEC, e à construção, manutenção e apetrechamento dos edifícios.

Doravante, e entre outros aspetos, os municípios que assinarem os chamados contratos de educação e formação municipal assumem também poder na definição de currículos escolares próprios - dentro das balizas estabelecidas pelo MEC - não só no básico mas também no secundário. Tudo isto tendo em vista objetivos como a prevenção do risco de abandono e insucesso escolar mas também, por exemplo, a ligação ao mundo do trabalho.

“A câmara de Matosinhos tem 46 escolas que gere em termos de manutenção e conservação, e cujas despesas assumiu, e já tem 700 funcionários não docentes sob sua responsabilidade. Tratar-se-ia aqui de somar mais seis escolas do secundário e mais cerca de 200 funcionários”, concretiza o vereador Correia Pinto, para acrescentar que o mais importante, porém, será a possibilidade de, em conjugação com as escolas, intervir na oferta educativa do concelho, adequando-a à realidade local. “Vamos poder dizer se teremos cursos vocacionados para a área do turismo ou da restauração, que são fundamentais para o concelho, e isso fará toda a diferença.”
Estes contratos que o Governo pretende firmar com os municípios só deverão fazer-se mediante “forte vontade” dos autarcas mas também da direção das escolas ou dos agrupamentos escolares. Nos casos em que avançar, câmaras e MEC deverão, até 180 dias antes do final do último ano letivo da experiência, avaliar o projeto-piloto e decidir sobre a sua continuidade em regime definitivo. Mas esta delegação de competências surge desde logo balizada por alguns aspetos. Em primeiro lugar, surge a regra do não aumento da despesa para o MEC. E isto significa, entre outras coisas, que não poderá aumentar o custo médio por aluno no contexto da escola.

Professores prometem polémica

A gestão dos recursos humanos, sobretudo dos professores, é uma das questões que se adivinha mais polémica.Embora apontando como positiva a experiência de recrutamento de docentes pelos municípios no âmbito das AEC, o próprio MEC reconhece tratar-se de matéria de grande complexidade, “designadamente jurídica”. É assim a questão que obriga a “maior ponderação e concertação”. De forma um tanto dúbia, o contrato proposto limita-se, e recordando as permissões da lei n.º 75/2013, de 12 de setembro, quanto à afetação temporária de recursos humanos nas delegações de competências do Estado nos municípios, a reconhecer aos municípios a competência de recrutamento de pessoal docente para projetos específicos de base local.

Em casos como o de Matosinhos, o presidente Guilherme Pinto garante que a câmara “não tem nenhum óbice” a assumir a gestão do pessoal docente, desde que assegurado o reforço da transferência financeira para a autarquia, mas ressalva que tal implica que haja entendimento entre Governo e professores. “Não aceitaremos fazer isto contra as pessoas”, precisa Correia Pinto, que vai para a semana reunir com Fenprof e Federação Nacional da Educação para que o processo seja “partilhado e assumido”.

Sobre a tutela dos professores, tanto Humberto Marques, de Óbidos, como Gil Nadais, de Águeda, asseguram que a possibilidade de aquela passar para as autarquias está posta de parte. O último acrescenta, no entanto, “para já”. “Pelo menos numa primeira fase isso está fora de causa, o processo já é suficientemente complexo sem isso”, avalia o autarca de Águeda. Humberto Marques diz que seria “contraproducente indispor os professores quando o que mais importa é que eles estejam motivados para se envolverem no projeto”.

Será uma batalha difícil de ganhar. Mário Nogueira, da Fenprof, começa por apontar o “mau exemplo” das atividades extracurriculares. “Há registo de atraso no pagamento dos salários aos professores contratados pelas autarquias, com alguns destes docentes a terem de trabalhar até três meses sem receber. Noutros casos, assistimos ao recurso a empresas privadas para colocação de docentes. E como seria quanto ao exercício da ação disciplinar? As pessoas têm medo que surjam, aqui e ali, critérios de discricionariedade, sobretudo nos concelhos pequenos em que a relação das pessoas é muito próxima”, opõe-se aquele líder sindical, apontando ainda o “número significativo de câmaras que estão em falência técnica”. (...)


Comentário breve
Trata-se, por parte do Ministério da Educação e Ciência (MEC), de querer lavar as mãos sobre as matérias da sua responsabilidade.
Senão, vejamos a situação do encerramento das escolas. Contra a vontade dos municípios e das próprias cartas educativas municipais, o MEC resolve impor unilateralmente a sua decisão de encerrar as escolas.
Parte das câmaras municipais está em situação de falência técnica. Inclusive, algumas manifestaram intenção de renunciar às atuais competências educativas delegadas por insuficiência de verbas. 
Por fim, e não menos importante, esta situação vai aumentar as desigualdades e as assimetrias com prejuízo para os alunos. 
Questiono, em conclusão, porque motivo o MEC não transfere essas competências para as escolas!?

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