quinta-feira, 10 de julho de 2014

Um país sem pais nem mães

Se nada for feito entretanto, Portugal será um dos países mais envelhecidos do mundo. As políticas de natalidade não são urgentes, já há muito que são uma emergência

Fecham escolas primárias e básicas. Um dia serão as secundárias e as universidades. O resultado é que continuaremos a ter alunos de menos e professores cada vez mais em excesso.
Já os lares para idosos, centros de dia e cuidados continuados não chegam para as solicitações. Portugal é uma nação de cabelos brancos mas não tem sequer quem se ocupe em tratar da sua população mais idosa. E também não parece que tenha os recursos financeiros necessários para fazer tudo aquilo que é preciso fazer para adaptar uma sociedade às exigências naturais da terceira idade. Os estudos dizem que hoje temos 26,6% da população acima dos 65 anos. Em 2050, 40% da população estará acima dessa fasquia. Se nada for feito entretanto, Portugal será um dos países mais envelhecidos do mundo. As políticas de natalidade não são urgentes, já há muito que são uma emergência. Não é um problema ideológico, nem religioso. É de sobrevivência civilizacional. Temos cada vez menos população activa a trabalhar para cada vez mais população reformada. Porque as pessoas não podem trabalhar para sempre, porque os impostos não podem subir de forma perpétua, o resultado é que a cada ano que passa o Estado encontrará menos recursos disponíveis para as suas funções vitais.

Portugal arrisca-se a ser um país sem pais nem mães e onde ser avó ou avô é um privilégio. Mas não foge à regra de uma Europa com cada vez menos europeus, que faz parte de um espaço maior, o Ocidente, em acelerado declínio demográfico. Hans Rosling, médico e um extraordinário estatístico que esteve connosco nas Conferencias do Estoril o ano passado, mostra-nos como será a população no mundo no futuro próximo. Em 2100, o Ocidente (Europa e EUA) representará apenas 10% da população mundial. África e Ásia terão a seu cargo 80% da população do planeta, restarão 10% na América do Sul. A rotação demográfica implica que o próximo centro do mundo seja o Índico - e, como ironiza Rosling, se alguém quer fazer um bom negócio no futuro trate de comprar hoje umas propriedades na Somália.

A novidade é que, pela primeira vez em muitos séculos, estamos a falar de um mundo pós-ocidental, com um novo domínio global na forja e implicações que somos a esta distância incapazes de prever.

A recessão demográfica é a bomba-relógio capaz de implodir as sociedades ocidentais. Porque a base dos estados-providência são as pessoas (e as suas capacidades, qualificações e talentos), o Inverno demográfico fará que as crises da dívida e dos défices se comportem como um ioiô: vão e voltam, até que um dia voltam e não vão. Talvez por isso tantos países tenham feito do aumento da natalidade uma prioridade política. Por iniciativa do governo, Portugal irá entrar agora nesta questão. Vamos certamente discutir o apoio à maternidade e à paternidade, as questões ligadas às redes de apoio e até a forma como pensamos a organização do trabalho. Parece-me evidente, porém, que alguma descriminação positiva, por exemplo ao nível da fiscalidade, terá de ser considerada para as famílias que garantam a travagem deste Inverno demográfico. Se as pessoas são o principal recurso de um país, o tratamento de uma família sem filhos não pode ser fiscalmente equivalente ao de uma família com três ou mais filhos. Mas a discussão não poderá apenas ficar por aqui. Estudos sugerem que por cada 25% de aumento da despesa pública na natalidade, a sociedade só consegue um aumento marginal de nascimentos (0,6%) no curto prazo e de 4% no longo prazo. Isto mostra-nos que o problema da natalidade não é essencialmente monetário. Ter ou não ter filhos é uma questão de dinheiro mas é muito mais do que isso: é uma questão de opções perante a vida. Todas essas opções são válidas e legítimas. Mas isso não significa que as políticas públicas devam ser neutras relativamente a elas. Se o país corre um risco sério por culpa da recessão demográfica, então tudo o que estiver ao alcance dos responsáveis políticos deve ser feito para inverter o nosso sentido de declínio colectivo. Quando tanto se fala de consenso, julgo que não será difícil encontrar um aqui. Porque o problema demográfico não é para um, nem para dois nem para três governos: é para décadas. Agora já é mais do que tempo para nos preocuparmos com políticas efectivas de natalidade. 

Carlos Carreiras
Presidente da Câmara de Cascais

In: Jornal I online por indicação de Livresco

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