sábado, 12 de julho de 2014

Será ou não sensato fechar 311 escolas no país?

Trezentas e onze escolas do 1.º Ciclo do Ensino Básico não reabrem no próximo ano letivo em 129 concelhos do país. O Ministério da Educação e Ciência (MEC) garante que o processo foi conduzido com “bom senso e um olhar particular relativamente às características de contexto”. O ministro Nuno Crato garante que 68 escolas encerram por sugestão das câmaras municipais. Em 74 casos, o fecho foi decidido sem conhecer a posição das autarquias, que não se pronunciaram sobre o assunto. “Nós queremos uma escola moderna para todas as crianças”, afirma o governante. “Será melhor se essas crianças tiverem a oportunidade de ter instalações desportivas, se tiverem um professor que lhes possa dar apoio musical, um professor que possa ajudar em algumas matérias”, acrescenta. 

Maria Assunção Flores, presidente da Associação Internacional de Estudo dos Professores e do Ensino e investigadora do Centro de Investigação em Estudos da Criança (CIEC) da Universidade do Minho, compreende a necessidade de redução dos gastos no Estado, mas há outras questões que se levantam. “É difícil de aceitar que se encerrem escolas sem ter em consideração os contextos em que se inserem e sobretudo as implicações dessa medida ao nível da melhoria da aprendizagem e dos resultados dos alunos”, refere (...). “Trata-se de um critério administrativo que não atende às especificidades de cada contexto nem às características de professores, alunos e comunidade local”, acrescenta.

O critério de encerrar escolas com menos de 21 alunos, na sua opinião, “não tem em consideração os contextos locais nem os efeitos colaterais”. Apesar de a medida ser apresentada como uma forma de dar melhores condições físicas e pedagógicas a alunos e professores, Maria Assunção Flores pergunta como se pretende combater a desertificação com o fecho de escolas - sobretudo as que têm todas as condições físicas e materiais necessárias ao ensino e à aprendizagem. “Questionam-se ainda os argumentos da igualdade de oportunidades, da criação de melhores condições físicas e do combate ao insucesso escolar que surgem associados ao encerramento das escolas”, refere. 

“A evidência empírica sugere que a existência de recursos adequados é importante, mas que há outros fatores que têm maior impacto na aprendizagem e resultados escolares dos alunos, como, por exemplo, professores motivados, empenhados e valorizados, assim como uma ligação estreita e colaborativa entre a escola, a família e a comunidade local enquanto agentes de socialização e educação das crianças. Esta ligação ficará comprometida se não tiver em consideração as características e as especificidades do contexto, assim como a dimensão humana e afetiva, que é essencial no processo de socialização das crianças mais jovens se forem deslocadas para um centro escolar diferente e de maior dimensão”, observa. 

A decisão de fechar escolas, em seu entender, exige argumentos mais fundamentados, uma análise mais pormenorizada, uma avaliação caso a caso para perceber se a deslocação de alunos é, de facto, uma mais-valia para a aprendizagem, socialização e desenvolvimento das crianças ou, se pelo contrário, acarreta mais aspetos negativos. Defende, por isso, a participação de todos os atores locais e que se tenha em atenção as especificidades e necessidades de cada contexto. 

Para Fernando Ilídio Ferreira, também do CIEC da Universidade do Minho, o encerramento de escolas tem motivos economicistas. Compreende a necessidade de poupar, mas não concorda que o critério seja o número de alunos. “Este é um critério cego, meramente administrativo, que não tem em conta as características de cada contexto local e de cada escola, nem os resultados escolares dos alunos”, diz, lembrando que há experiências e estudos que demonstram que não há uma correlação entre a dimensão das escolas e os resultados dos alunos e que, até ao momento, não há evidências empíricas que os centros escolares, que têm melhores condições físicas, contribuam para a melhoria da aprendizagem das crianças. 

“Embora esteja difundida no senso comum a ideia de que uma turma heterogénea, com alunos de diferentes anos de escolaridade, é um obstáculo à aprendizagem, uma grande parte das escolas de outros países, e também algumas em Portugal - como é o caso da Escola da Ponte –, optam por constituir turmas com alunos de diferentes idades (grupos heterogéneos), justamente porque consideram que as crianças aprendem melhor de forma cooperativa e através do trabalho autónomo e da pedagogia diferenciada”, afirma. 

Na sua perspetiva, há prós e contras nestas mudanças e haveria soluções alternativas em muitos casos, até para evitar situações em que o dia escolar das crianças chega a atingir as 12 horas. “Não é sensato – nem científica e pedagogicamente sustentado – reorganizar a rede escolar a régua e esquadro”, comenta. “O encerramento de escolas corresponde frequentemente a um novo-riquismo que se baseia na ideia de que as melhores condições pedagógicas passam pelo investimento em betão”. Fernando Ilídio Ferreira não defende a manutenção de escolas degradadas, sem as mínimas condições, mas verifica que o MEC tem fechado escolas com excelentes condições físicas e pedagógicas. E não percebe o argumento que os centros escolares são um fator para combater o abandono e o insucesso escolares. “A promoção do sucesso escolar passa pela conjugação de vários fatores, entre os quais a possibilidade de os alunos frequentarem uma escola com uma dimensão humana, com lugar para o domínio cognitivo do desenvolvimento, mas também para os afetos e as emoções, o que nem sempre acontece em megaescolas, onde as relações se tornam impessoais.” 

Encerramentos a régua e esquadro 
A Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) avisa que o processo de encerramento exige “um profundo diálogo” entre o MEC e as câmaras municipais. “O encerramento de escolas e a concentração de alunos noutras instalações escolares devem fazer-se apenas quando a mudança proporcionar melhores condições de aprendizagem, sucesso educativo e uma vivência saudável e plural dos alunos”, sublinha em comunicado. A ANMP defende que a deslocação das crianças não pode significar viagens demasiado prolongadas e que se deve ter atenção ao risco de abandono escolar. “Para a contagem dos 21 alunos – número mínimo apresentado pelo MEC para a manutenção em funcionamento de uma escola do 1.º Ciclo do Ensino Básico – devem contar as crianças que frequentam o ensino pré-escolar em jardins de infância associados, bem como os alunos com necessidades educativas especiais, cuja inclusão tem de ser promovida”, realça. 

A Federação Nacional dos Professores (FENPROF) acusou o Governo de encerrar escolas sem negociar com as autarquias, contrariando o que o MEC garantiu. “O MEC não chegou a qualquer entendimento com muitas câmaras municipais e não assumiu os compromissos a que chegou”, sustentou em comunicado. Pombal, por exemplo, acusa o MEC de fechar a Escola de Matos de Ranha sem avisar. O presidente da câmara, Diogo Mateus, critica o Governo de ter “escolhido as regras da má educação”. “Eu acho que no bom trato institucional não fazia mal nenhum que, da mesma maneira que se discutiu as primeiras escolas que iriam encerrar, se discutisse outras”, diz o autarca à Lusa. 

O encerramento de escolas do 1.º ciclo nunca é um processo pacífico e tranquilo. Há quem concorde, há quem discorde. Há quem entenda que escolas com poucos alunos não têm condições para funcionar. Há quem conteste esse fecho por todas as implicações que acarreta. E há providências cautelares para tentar impedir que a decisão do MEC siga em frente. É o caso da Comissão de Pais da EB1 de Samel, Anadia, que vai interpor uma providência cautelar com o argumento que as 12 crianças não têm opções. “Não nos deram qualquer tipo de alternativa e, neste momento, não sabemos onde vamos colocar os nossos filhos. Estivemos no agrupamento e não fomos informados para onde é que as crianças vão e estamos neste impasse”, refere à Lusa Sandra Henriques, da comissão de pais. 

Outra providência cautelar poderá avançar em Guimarães, caso a EB1 de Gonça feche mesmo as portas. A câmara alega que não há argumentos que justifiquem o fecho dessa escola, que pelos seus cálculos, terá 26 alunos, que não foi informada dessa decisão, que a carta educativa está em curso, e critica os encerramentos “feitos a régua e esquadro, a partir de Lisboa”. “Penso que fará todo o sentido esperar mais um ano pelos resultados da revisão da carta, para então se decidir o que fazer, em função dos dados atualizados e das novas realidades”, afirma a vereadora da Educação Adelina Paula. Aguiar da Beira pondera avançar com uma providência cautelar se não houver recuo. Segundo o presidente da câmara, Joaquim Bonifácio, “esqueceram-se de um pormenor importantíssimo, não há centro escolar e, se houver mudança, tem de ser entre escolas”. 

A Junta de Gondar, em Amarante, escreveu a Nuno Crato para informar que avançará para os tribunais se o MEC mantiver a decisão de encerrar a Escola de Vila Seca. Na carta, refere-se que 37 alunos estão matriculados nessa escola e, por isso, cumpre-se com “todas as regras e pressupostos pelo MEC para continuar em funcionamento”. “Não podemos apregoar continuamente contra o despovoamento do interior e apostar em políticas de fragmentação territorial, geracionais e económicas”, lê-se na carta.

O Movimento de Utentes de Serviços Públicos entregou um abaixo-assinado nos serviços regionais do MEC em Évora. Um grupo de habitantes e autarcas de Montemor-o-Novo, Arraiolos e Mora contesta o fecho de 12 escolas. No Alentejo, serão encerradas 35 escolas: 12 no distrito de Évora, 12 no de Portalegre, nove no de Beja e duas nos concelhos do litoral alentejano que pertencem ao distrito de Setúbal.

O distrito de Viseu é o mais afetado do país, com 57 escolas para encerrar. No concelho de Viseu fecharão seis. A câmara não aceita o encerramento da Escola de Travanca e admite mantê-la aberta com meios próprios. “A de Travanca não estava acordada com o MEC. Eu sou um homem de uma só palavra e a palavra que dei às populações é aquela que irei cumprir estritamente”, adianta Almeida Henriques, presidente da câmara, em declarações à Lusa. “Se a autarquia tiver de manter a escola aberta a expensas próprias, não hesitará.” 

“A saga continua”

As câmaras de Alcobaça, Caldas da Rainha e Peniche também discordam do fecho de escolas nos seus territórios. Em Alcobaça, sugeriu-se manter quatro escolas abertas durante mais um ano letivo. Em vão. Peniche ficou surpreendido porque esperava que as escolas encerrassem apenas quando o novo centro escolar de Atouguia da Baleia estivesse construído, e as obras nem sequer começaram. A União dos Sindicatos de Castelo Branco já criticou as opções do MEC e promete que a luta não vai parar. “Muitas das escolas que foram excluídas das listas de encerramento foram aquelas onde a pressão foi mais forte e onde os autarcas mais se mobilizaram.” Em Tondela, bate-se o pé ao fecho de escolas com mais de 21 alunos. “Uma coisa é ter de deslocar oito, 10 ou 12 miúdos de uma escola que ficou com reduzida frequência, outra coisa é ter mais de 30, que é o caso de algumas destas escolas”, assegura o presidente da câmara, José António Jesus, à Lusa. Em Góis contesta-se o fecho da Escola de Ponte do Sótão, com 23 alunos. A autarquia refere mesmo que a decisão da tutela “viola claramente” a legislação relacionada com os direitos das pessoas com deficiência e da constituição das turmas para o 1.º ciclo. 

Em Vila Real, no Norte do país, a decisão do MEC é analisada por dois pontos de vista. Nove escolas estão na lista dos encerramentos e o novo centro escolar ainda não está concluído. Segundo contas da autarquia, desde 2000 já encerraram 381 escolas no distrito. “E a saga continua”, comenta o presidente da Câmara de Vila Real, Rui Santos. “Nós temos uma posição equilibrada. Entendemos que não é justificável ter dois alunos ou três numa sala de aula, ter os primeiros quatro anos de escolaridade a serem ministrados de forma simultânea, mas entendemos também que ao encerrarem-se escolas devemos dar melhores alternativas aos estudantes.” O autarca classifica a medida de “economicista”. “O Estado central poupa porque passa a contratar menos professores, mas as autarquias locais passam a pagar ainda mais os transportes das crianças e a sua alimentação”, refere o autarca em declarações à Lusa. Em Vila Real, o custo dos transportes escolares ronda os 800 mil euros por ano, 200 mil são comparticipados pelo MEC e os restantes 600 mil ficam a cargo do município. 

A falta de capacidade financeira das autarquias para assegurar o transporte das crianças que serão deslocadas tem sido um argumento utilizado pelas câmaras municipais. Entretanto, o MEC anunciou a disponibilidade para assegurar às autarquias as verbas necessárias para suportar o transporte desses alunos. A Câmara de Estarreja, por exemplo, tinha colocado esse problema, ou seja, a “impossibilidade de a autarquia garantir o transporte escolar dos alunos das escolas a encerrar para as de acolhimento, bem como a falta de equipamentos necessários para as novas salas”. Em Penamacor, a câmara levantou a mesma questão, depois de referir que a decisão de encerrar a escola e o jardim de infância de Aldeia do Bispo, com 36 crianças no total, era “escandalosa” e “lamentável”. “Não temos meios, nem estamos em condições de fazer o transporte destas crianças, pelo que o encerramento trará graves prejuízos financeiros para a autarquia”, referiu o presidente da Câmara de Penamacor, António Luís Beites.

Arouca fez contas. Discorda do fecho da Escola de Bacelo, que tem 40 alunos e garante que o encerramento não compensa a despesa que se terá com o transporte de alunos. A câmara alega que a escola “tem mais de 40 alunos e, considerando que não há transportes públicos para cobrir os cerca de 10 quilómetros entre a freguesia de Tropeço e a de Rossas, isso implicaria uma despesa com serviços de transportes especiais que não é comportável nesta altura”. 

“Reordenamento incoerente” 

Coimbra está contra o fecho de quatro das cinco escolas do 1.º ciclo – Paço, Botão, Vil de Matos e Cidreira. A carta educativa do território está em revisão. A câmara refere que “não tem disponível, em orçamento, a dotação correspondente às novas necessidades com cantinas e transportes, no ano económico em curso”. Mais a norte, na Póvoa de Lanhoso, não se aceita o encerramento de quatro escolas. “Este reordenamento não serve ninguém e naturalmente que as populações não aceitarão, bem como a autarquia que os representa”, lê-se no ofício assinado pela câmara ao delegado regional do norte da Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares. “Não nos revemos num reordenamento sem critérios, incoerente, que encerra escolas com menos de 21 alunos mas deixa abertas escolas nas mesmas condições e no mesmo agrupamento. Mais grave ainda é propor o encerramento de uma escola com 30 alunos, como é o caso da escola da freguesia de Redufinho”, acrescenta. 

Na região do Tâmega e Sousa encerram 40 escolas. A emigração e a baixa da natalidade ajudam a enquadrar a decisão. “Está a sair muita população ativa, muitos jovens, o que diminuiu a natalidade e o número de crianças em vários concelhos”, afirma Gonçalo Rocha, presidente da Comunidade Intermunicipal do Tâmega e Sousa. Segundo o responsável, o processo tem sido articulado entre os governos e os municípios e a construção de centros escolares tem sido um “salto qualitativo em termos de infraestruturas de educação na região”. 

Espinho recebeu com tranquilidade o anúncio do encerramento de 10 escolas no seu concelho. “As mudanças anunciadas pelo MEC são tranquilas porque representam a concretização da nossa carta educativa e a reorganização da nossa rede escolar do Ensino Básico, tal como estava previsto há muito tempo”, assegurou, à Lusa, o presidente da câmara Pinto Moreira. Os alunos serão transferidos para novos centros escolares. “Estamos a falar de um concelho com 21 quilómetros quadrados, com distâncias efetivamente muito curtas entre as diferentes freguesias”, diz o autarca. 

No concelho vizinho de Santa Maria da Feira, a decisão do MEC foi igualmente aceite. Em Setembro, fecham seis escolas e a câmara não foi apanhada de surpresa. “Quando o Ministério nos apresentou essa proposta não tivemos nada a contra-argumentar, porque, à exceção de Vilares e Mosteirô, onde as crianças passam para o novo Centro Escolar de Canedo, nas outras escolas, o número de alunos é muito reduzido”, refere Cristina Tenreiro, vereadora da Educação, à Lusa, acrescentando que “manter uma escola com dois ou cinco alunos é quase criminoso em termos pedagógicos”.

Em Cinfães fecham nove escolas e não há contestação em termos autárquicos. O presidente da câmara, Armando Mourisco, acredita que os alunos transferidos terão melhores condições de aprendizagem nos centros escolares. O autarca destaca, no entanto, duas desvantagens. Ou seja, a distância que algumas crianças terão de percorrer e a sua ausência das aldeias onde aprendiam. “Muitas das escolas que fecham são da parte mais serrana do concelho e ainda há uma grande distância a percorrer para o complexo de Oliveira do Douro”, afirma o autarca. Em Vagos, fecham cinco escolas e a câmara local aceita os encerramentos que já estavam programados. 

Ovar ficará com menos duas escolas. A autarquia compreende que se trata de “um ato de gestão”, embora não esconda a surpresa do encerramento da Escola de Válega, que tem mais de 100 alunos que serão transferidos para o Centro Escolar da Regedoura, que fica na mesma freguesia. “Houve um grande investimento no Centro Escolar da Regedoura, que é um grande equipamento da mesma freguesia, novo, com todas as condições, que pode acolher todos os alunos de Válega e ainda tem capacidade para mais”, referiu o presidente da câmara Salvador Malheiro. 

O assunto também é político. O PS acusa o Governo de ter “um preconceito contra a escola pública”. “É mais um inaceitável ataque à escola pública no ano em que comemoramos 40 anos de democracia. Ao querer encerrar estas escolas, o Governo de Passos Coelho, à moda de outros tempos, dá 311 reguadas na escola pública”, acusou António Galamba, do Secretariado Nacional do PS. “Ao longo dos anos, foram elaboradas e aprovadas cartas educativas a nível concelhio e não pode vir agora o ministério fazer tábua rasa desses instrumentos de planeamento. Na política como na vida não vale tudo”, acrescentou.

Sara R. Oliveira
In: Educare por indicação de Livresco

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