domingo, 13 de julho de 2014

Respostas na área da saúde mental são insuficientes, sobretudo para os jovens

As assimetrias entre Lisboa, Porto e Coimbra e o resto do país, a inexistência de qualquer serviço de urgência específico no Alentejo e Algarve e a falta de camas para internamento são as principais dificuldades detectadas pelo Relatório de Primavera do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS) no que respeita à Saúde Mental da Infância e Adolescência.

Isto num quadro de aumento da procura, como revela um estudo publicado na revista científica internacional The Lancet, segundo o qual, entre 2008 e 2013, o número de jovens a frequentar consultas de psiquiatria nos hospitais do Serviço Nacional de Saúde aumentou 23% e o número de novas consultas disparou em 30%.

No estudo da The Lancet, em que são citados dados não publicados do Ministério da Saúde, o investigador português do Instituto de Higiene e Medicina Tropical da Universidade Nova de Lisboa, Gonçalo Figueiredo Augusto, relaciona o aumento do número de consultas e de internamentos com os três anos de austeridade e, concretamente, com as “atuais dificuldades sociais e financeiras que as famílias portuguesas enfrentam e que passaram a ser um peso psicológico sobre as crianças”.

Também a psicóloga clínica Conceição Tavares de Almeida, assessora do Plano Nacional de Saúde Mental para a Infância e Adolescência, reforça (...) que com a crise tem vindo a ganhar peso uma postura de “cultura do sucesso que causa uma pressão enorme nos jovens, sendo preciso recuperar uma certa tolerância em relação ao insucesso e ao erro”. Sobretudo nas alturas a que chama “áreas cinzentas”, como é o caso da passagem do ensino secundário para a universidade.

Camas e enfermeiros em falta

Sobre as lacunas de recursos, elas estão bem identificadas, assegura o diretor do Programa Nacional para a Saúde Mental. Álvaro de Carvalho explica que só existem 20 camas no país (dez em Lisboa e dez no Porto) para internar crianças e adolescentes com problemas mentais. “Precisaríamos pelo menos de 40 para dar resposta no imediato, até porque tem havido um aumento dos casos que chegam através das urgências”, afirma o psiquiatra, dizendo que falta também uma rede de cuidados continuados. E garante que o problema não está nos espaços, que já existem, mas sim na “carência de enfermeiros que precisariam de ser contratados”, já que é um “trabalho de equipa”. Os últimos dados oficiais indicam que em 2011 se realizaram 295 internamentos por perturbações mentais da infância, sendo a média de quase nove dias de permanência.

O diretor do Serviço de Pedopsiquiatria do Hospital Psiquiátrico de Coimbra, por seu lado, destaca que as crianças e adolescentes acabam por ser “atendidos por médicos de outras especialidades que não têm experiência ou conhecimentos de Pedopsiquiatra suficientes”. Além disso, José Garrido admite que a falta de capacidade de internamento leva a que os doentes sejam “incorretamente seguidos em consultas externas”, tendo os médicos que usar, por vezes, “doses de medicação mais elevadas com o objetivo de conter eventuais comportamentos desadequados de forma puramente química”.

A própria Carta da Criança Hospitalizada reforça que “as crianças não devem ser admitidas em serviços de adultos”, sendo que a idade pediátrica foi alargada dos 16 para os 18 anos. Álvaro de Carvalho destaca precisamente a importância de dar respostas adequadas: “A adolescência é por excelência uma fase de crise do desenvolvimento e em que os doentes querem satisfações imediatas, pelo que faz sentido um internamento adaptado também em termos de ambiente.”

Já Conceição Tavares de Almeida adverte que com a perda de valências das autarquias e escolas houve muitas áreas que ficaram de fora, sublinhando que o papel dos médicos de família é agora ainda mais fundamental para evitar fases de internamento, normalmente motivados por crises de ansiedade, tentativas de suicídio e consumo excessivo de substâncias lícitas ou ilícitas.

Mas também aqui há problemas de recursos. O vice-presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar, Rui Nogueira, lembra que “cerca de um milhão e meio de pessoas estão sem médico de família” e reitera a importância destes profissionais, não apenas pela acessibilidade mas também pela relação de confiança que desenvolvem com o utente e a família.

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