quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Recusa em falar

O Pedro foi encaminhado para o Serviço de Psicologia e Orientação, porque estava permanentemente agitado, não se concentrando na sala de aula. A mãe dissera-me que o pai abandonara a família e que, desde que fora trabalhar para o estrangeiro, nunca enviara dinheiro para o sustento dos filhos. Segundo a perceção da mãe do Pedro, este agia com indiferença à ausência do pai. Ao longo dos atendimentos, percebi que o Pedro sofria bastante com a distância da figura paterna e chorava sempre que falava nele. A perceção do Pedro de que a mãe sofria com o abandono do pai levava-o a ocultar a sua própria dor, para que a mãe não sofresse ainda mais.

A Catarina era uma aluna muito fechada, que causava preocupação aos professores, devido ao seu ar sempre muito triste. Vivia desde muito pequena com uma tia paterna, porque a mãe a abandonara. Ao longo de um ano, tentou que eu acreditasse que se sentia feliz na companhia desta tia. O hálito a álcool e a frieza com que a tia falava da sobrinha levaram-me a montar um cenário completamente diferente daquele que a Catarina sempre me procurou transmitir. Foi preciso um ano para que esta criança ganhasse confiança em mim e me revelasse o que eu já há muito tempo lera nas entrelinhas: álcool e maus tratos. O medo de represálias remeteu-a para o silêncio.

A recusa em falar pode ter subjacentes causas diferentes. O Pedro e a Catarina são apenas exemplos verídicos disso. Na maioria das vezes tenho constatado que é mais fácil para as crianças e até para os adultos falarem sobre os seus problemas com desconhecidos ou com pessoas que não estejam a viver tão de perto um determinado problema. O silêncio é, muitas vezes, a estratégia escolhida para tentar minimizar o sofrimento de todos aqueles que, visivelmente, já estão a sofrer bastante com uma dada situação. Se a mãe e o pai estão sempre a chorar pelos cantos, os mais novos evitam que as suas próprias lágrimas tornem tudo ainda mais penoso.

Se a criança tem uma relação muito positiva com um determinado amigo da família ou com um familiar, por exemplo um tio, os pais podem pedir o apoio, no sentido de estes tentarem ajudar a quebrar o silêncio, que na verdade pode ser fonte de grande sofrimento. Sempre que uma criança apresenta perturbações comportamentais na sequência de uma situação problemática, ela poderá estar a transmitir silenciosamente um pedido de socorro. Note-se que, até que falem, algumas crianças precisam de muito tempo, paciência e de uma relação bem construída. A Catarina é um bom exemplo disso.

Como pôr a falar um adulto que se recusa? É sem dúvida uma missão difícil! Como não há nenhuma referência aos motivos de tal recusa, ainda mais. Porque é que este adulto não quer falar?

O Pedro admitiu que só chorava na minha presença. A Catarina confessou que só me revelara os seus problemas familiares, porque encontrara um adulto em quem podia confiar. Sem querer dar receitas, um ouvinte que esteja suficientemente distante do problema e que inspire confiança pode ser a chave para transformar o silêncio em palavras.

Adriana Campos
In: Educare

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