Era fácil adivinhar o sucesso desta greve dos professores. Mais difícil é conjecturar os efeitos desta greve. De uma greve que, neste momento, já não é contra o processo de avaliação proposto pelo Ministério, já não é contra o Ministério ou contra a própria ministra, contra o Governo. E, em última análise, já nem é contra o sistema de ensino. É contra o sistema de governo.
Era fácil de adivinhar o sucesso da greve, pois os agentes dominadores do sistema de ensino, os professores, já haviam demonstrado por inequívocas formas, muito especialmente pelas grandiosas manifestações de rua, que estavam envolvidos numa luta sem cedências.
No estado geral das características desta luta, o móbil vital já nem é o modelo de avaliação. É tudo o que este modelo traz por arrasto. Não conheço nenhum modelo de avaliação de actividade profissional em ordem a concluir resultados sobre a sua produtividade que não tenha discordâncias daqueles sujeitos a esse processo. E isto nas repartições de Estado ou nas empresas privadas. Conheço grande parte da contestação que o sistema de avaliação para os funcionários públicos recebeu. Medir resultados da produtividade de trabalho intelectual torna ainda qualquer modelo de avaliação mais difícil. Avaliar comporta classificar, estabelecer hierarquias, definir valorações com correspondentes méritos e gratificações motivacionais e materiais.
Em relação à avaliação dos professores, o modelo confronta-se com outras situações específicas. Primeiro, a consistência geral em conhecimentos e formação profissional que confere aos professores especial capacidade argumentativa, na defesa dos seus direitos, sejam eles devidos ou adquiridos, e lhes aumenta uma qualidade de resistência superior à de outros grupos socioprofissionais. Depois, os professores são no esquema do sistema de ensino uma parte principal e sem a qual o sistema não funciona. Têm na mão «a faca e o queijo».
Por outro lado, o sistema geral de ensino tem sofrido reformas sobre reformas, mas os professores não têm sido intrometidos como «parte principal» dessas reformas e não têm merecido a atenção prioritária que deveriam ter. Os professores sentem-se como uma «classe» não tida na devida conta, socialmente desvalorizada. Basta ouvir os seus discursos e verificar como a sua grande maioria se sente «magoada». É visível a emotividade que domina as suas declarações numa luta que já perdeu alguma racionalidade e gera-se já por sentimentos muito misturados de várias razões.
O modelo de avaliação intrínseco ao desempenho de cada um, e não apenas às condições externas de trabalho, espoletou o «grande motivo» e a ocasião não perdida para desencadear a luta há anos silenciada pelos professores. Uma liderança forte de revolta por oposição política aglutinou este descontentamento que ultrapassa a cor dos próprios sindicatos ou forças partidárias.
Numa visão puramente política, é difícil admitir que o Governo recue na totalidade das condições requeridas, ainda que tenha de desfigurar todo o modelo proposto. Por isso, pôr como condição para conversações de possível entendimento a retirada do modelo é desafiar o próprio sistema da governabilidade democrática. Fica aberto um caminho sem retorno. O modelo agora em jogo é o da avaliação do sistema.
Paquete de Oliveira
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