sexta-feira, 28 de março de 2025

Mostrar ou dizer? Melhorar a ortografia de palavras baseadas em regras através de prática explícita ou implícita

Introdução

Aprender a escrever exige mais do que converter sons em letras. A ortografia é complexa e propensa a erros. Na maioria das línguas alfabéticas, as relações fonema-grafema são bastante menos consistentes do que as relações grafema-fonema (Bosman & Van Orden, 1997) e, por isso, na escrita as regras morfológicas podem ser difíceis de adquirir.

Por outro lado, a ortografia desempenha um papel crucial na aprendizagem em geral, e na comunicação escrita em particular, afectando tanto a clareza quanto a credibilidade do conteúdo. Embora seja possível adquirir habilidades ortográficas implicitamente, através da exposição à escrita, a instrução explícita é frequentemente mais eficaz, em especial para regras complexas como as morfológicas. A investigação sugere que combinar práticas explícitas (ensinar regras directamente) com implícitas (exposição frequente e passiva a formas correctas de palavras) pode melhorar a aprendizagem da escrita (e.g. Savolainen et al., 2008; Tops et al., 2013).

Desde o momento em que são expostas à escrita, as crianças adquirem conhecimentos ortográficos de forma implícita, procurando, no que lêem, frequências de letras, combinações, morfemas e palavras (Treiman & Kessler, 2014). Aprendem sobre a estrutura da escrita e as combinações possíveis entre letras sem perceber que o estão a fazer, aplicando esse conhecimento nas tentativas iniciais de escrita antes mesmo de dominarem as relações fonema-grafema (Treiman, 2017). Essa sensibilidade face às regras ortográficas implícitas tende a aumentar com a idade, influenciada pelo maior vocabulário e exposição à leitura (e.g. Georgiou et al., 2020; van der Ven & de Bree, 2019). Mesmo quando recebem instruções explícitas sobre ortografia, as crianças recorrem frequentemente ao conhecimento adquirido de forma implícita para soletrar palavras (Steffler, 2004).

Embora o conhecimento implícito possa auxiliar na ortografia, pode também levar à formação de padrões incorrectos (e.g. de Bree & van den Boer, 2021). Por outro lado, meta-análises recentes mostram que a abordagem mais eficaz para aprender ortografia é o ensino directo e sistemático (Galuschka et al., 2020; Graham & Santangelo, 2014). Ou seja, explicar regras e estratégias para soletrar palavras desconhecidas, em conjugação com actividades práticas guiadas e sistemáticas, melhora significativamente o desempenho ortográfico (Graham & Santangelo, 2014). Actividades como ensinar relações fonema-grafema ou padrões morfológicos e ortográficos favorecem a aprendizagem ao ajudar os alunos a entender o sistema de linguagem falada e escrita, incluindo as excepções às regras regulares fonema-grafema (Galuschka et al., 2020). Trata-se de uma instrução directa e explícita, que envolve diferentes fases (como ensino e prática guiada) e técnicas de ensino (como participação, modelagem, prática e retorno centrado no processo) para facilitar a aprendizagem (Chamalaun et al., 2022; Harris et al., 2017).

Três estudos de referência compararam os efeitos de abordagens implícitas e explícitas na grafia de palavras-alvo (treinadas) e de transferência (palavras baseadas na mesma regra morfológica, mas não treinadas), para uma amostra de crianças holandesas. Hilte e Reitsma (2011) verificaram que tanto a prática implícita quanto a explícita melhoraram a grafia de palavras-alvo e de transferência, em comparação com nenhuma prática adicional, para alunos do segundo ano. Kemper et al. (2012) observaram que, em crianças do primeiro ano, a prática explícita teve um maior impacto do que a prática implícita. Cordewener et al. (2015) também constataram que a prática explícita foi mais eficaz do que a prática implícita para melhorar a grafia de palavras-alvo e de transferência, embora ambos os métodos fossem eficazes em comparação com o grupo de controlo, que não teve nenhuma prática adicional.
Estudo de van den Boer e de Bree

O estudo de van den Boer e de Bree (2024) investigou se a prática adicional à instrução em sala de aula, implícita ou explícita, pode melhorar a grafia de palavras baseadas em regras.

Esta investigação comparou duas abordagens de ensino de ortografia: uma que fornece aos alunos a grafia correcta de palavras específicas, sem abordar as regras subjacentes, e outra focada na prática explícita ou implícita das regras ortográficas. A eficácia da prática foi analisada não apenas nas palavras treinadas, mas também em palavras novas e não treinadas. Para isso, incluíram-se palavras-alvo (substantivos treinados), palavras de transferência (substantivos não treinados, semelhantes à palavra-alvo e baseados na mesma regra morfológica — transferência proximal de aprendizagem) e palavras de generalização (substantivos não treinados, cujas regras morfológicas são inferidas e aplicadas a palavras que não são semelhantes à palavra-alvo — transferência distal). Incluíram-se ainda palavras de preenchimento, que consistiam em cinco pares de palavras com diferentes dificuldades de ortografia e/ou regras que são ensinadas no segundo ano.

O estudo investigou se o treino de palavras terminadas em -t/-d resultaria em transferência para palavras com outras terminações que seguem a mesma regra. Se a prática explícita ou implícita gerasse conhecimento específico da palavra, os efeitos seriam vistos apenas nas palavras-alvo. Porém, se a regra morfológica for compreendida, espera-se que os efeitos se estendam também às palavras de transferência e generalização.

O objectivo do estudo não era o ensino da escrita, mas sim as maneiras de praticar e melhorar o desempenho da escrita após a instrução em sala de aula. Como a regra em estudo é ensinada no primeiro período do 2.º ano, o estudo foi conduzido no segundo período do 2.º ano.

Participaram neste estudo 140 alunos do 2.º ano de escolaridade, que se distribuíram em três grupos: 44 crianças receberam prática explícita, 45 receberam prática implícita e 51 não receberam nenhuma prática adicional.

Após um ditado inicial (pré-teste), as crianças foram seleccionadas para condições de prática explícita, implícita ou sem prática adicional. No final na intervenção, avaliaram-se os resultados de ortografia em palavras-alvo, palavras de transferência e palavras de generalização.
Prática adicional

As crianças que receberam prática explícita ou implícita frequentaram cinco sessões de prática adicional de ortografia, em pequenos grupos de quatro ou cinco crianças, distribuídas ao longo de três semanas. Cada sessão tinha uma duração de 20 a 30 minutos. As sessões foram realizadas na escola durante qualquer aula, excepto nas aulas de ortografia, para garantir que a prática fosse realmente adicional. Essas sessões eram da responsabilidade de alunos de pós-graduação em Psicologia Infantil e Educação com Formação de Professores.
Prática explícita

Durante a prática explícita, as crianças eram apresentadas repetidamente à regra de ortografia. Antes de cada exercício, o instrutor apresentava a regra de ortografia oral e visualmente às crianças. Estas eram encorajadas a dizer a palavra-alvo e a regra antes de completar os exercícios, o que exigia a classificação ou a escrita da palavra. Posteriormente, o instrutor fornecia informação, indicando a resposta correcta e modelando, assim, a aplicação correcta da regra de ortografia.

Tabela 1. Exercícios das sessões da prática explícita

Prática implícita

Durante a prática implícita, as crianças contactaram com as palavras-alvo em exercícios apresentados como «jogos com palavras». As crianças não foram informadas de que os exercícios tinham como objectivo melhorar o seu desempenho ortográfico.

Tabela 2. Exercícios das sessões da prática implícita

Principais resultados

  • Prática explícita comparada a nenhuma prática adicional
A prática explícita melhorou significativamente a ortografia das palavras-alvo e de transferência, com melhorias maiores ao longo do tempo. No entanto, para palavras de generalização, observou-se melhoria ao longo do tempo em ambos os grupos, indicando que outros factores além do tipo de prática também podem contribuir para melhorias ortográficas gerais.
  • Prática implícita comparada a nenhuma prática adicional
A prática implícita levou a melhorias significativamente maiores nas palavras-alvo e de transferência ao longo do tempo, em comparação com nenhuma prática adicional, mas não se observaram efeitos significativos para as palavras de generalização.
  • Prática explícita comparada à prática implícita
Embora se tenham observado melhorias ao longo do tempo, não se verificaram diferenças significativas entre as práticas explícitas e implícitas.


Célia Oliveira
Marta Pereira

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