quinta-feira, 13 de março de 2025

Alertas mostram que algo vai mal na educação inclusiva

“Não é suportável.” Foi a expressão usada há dias por um dos professores do Agrupamento de Escolas do Monte de Caparica, em Almada, que assinaram um documento onde dizem não ter condições para o complexo trabalho de acompanhar alunos com “necessidades específicas” — no caso, alunos com perturbações do espectro do autismo.

Rui Foles é o nome do professor que falou ao PÚBLICO. "Não é suportável ter colegas que tomam medicamentos para dormir, que choram quando vêm para a escola, ver alunos constantemente marcados com nódoas negras, arranhões, dentadas... não conseguimos suportar mais."

Doze dos 14 docentes do Monte de Caparica (os que não assinaram o documento estão de baixa) pedem “escusa de responsabilidade”. Acham que está em causa a segurança deles e a das crianças. Sentem-se incapazes de fazer um bom trabalho com alunos que precisam particularmente de acompanhamento próximo.

Há quem defenda, como disse numa outra peça do PÚBLICO  o director escolar Filinto Lima, que a educação das crianças com "necessidades específicas" se tornou uma espécie de “parente pobre” da educação. (...)

Há em Portugal mais de 88 mil crianças e jovens (estamos a falar de quase 8% dos alunos) com "necessidades específicas". Falamos de “necessidades específicas” porque com o regime da educação inclusiva aprovado em 2018 a velha expressão “alunos com necessidades especiais de educação” foi banida, por se considerar que categorizar alunos é prejudicial.

O novo diploma prefere falar de “medidas de suporte à aprendizagem e à inclusão” e de “recursos específicos a mobilizar para responder às necessidades educativas de todas e de cada uma das crianças”.

Resumindo, os alunos não são categorizados, ou rotulados, de acordo com suas características pessoais, mas de acordo com o tipo de medidas de apoio educacional de que precisam. Há, diz a lei, medidas universais, medidas selectivas e, em casos mais complexos, adicionais. O tema é alvo de debate em vários países. Há quem defenda que não categorizar os alunos dificulta a intervenção, há quem entenda o contrário. Mas o caminho traçado por Portugal tem merecido o reconhecimento de instituições como a OCDE.

Alunos com deficiências, mas também problemas do espectro do autismo, de dislexia, de hiperactividade, só para dar exemplos, podem precisar de medidas adicionais, como apoio psicopedagógico reforçado ou adaptações curriculares. E tudo isso está previsto.

O que várias entidades nos têm dito nos últimos meses é que algo não está bem. No início do ano, um relatório da Inspecção-Geral da Educação mostrava que em 2691 turmas analisadas, todas com alunos com necessidades específicas, quase metade (1228)não cumpria a dimensão prevista na lei. Ou seja, tinham mais estudantes do que o suposto.

Os inspectores eram claros: o que encontraram (turmas excessivas, falta de recursos e de apoios) punha em causa o direito “a uma educação inclusiva”.

O Movimento por Uma Inclusão Efectiva, que representa um grupo de pais de crianças e jovens com deficiência, neurodivergência e surdez, entregou no Parlamento, no final de Novembro, uma petição com milhares de assinaturas. Afirmam que as leis que enquadram os apoios não estão a ser cumpridas e denunciam uma “forte pressão para as crianças se adaptarem ao currículo escolar, contrariamente ao legislado, em que a escola deve adoptar e adaptar medidas que permitam que a criança tenha a mesma oportunidade de acesso ao currículo”.

Em Janeiro, a Federação Nacional dos Professores revelou os resultados de um inquérito que fez em 132agrupamentos: 80% consideraram não ter os recursos necessários para garantir uma educação verdadeiramente inclusiva.

“A realidade tende a sobrepor-se ao que é descrito na legislação, criando um cenário de exclusão disfarçada”, lia-se num artigo de opinião no PÚBLICO há dias, assinado pela educadora Rita Simas Bonança e pela advogada Beatriz Rodrigues. Que deu origem a uma réplica de David Rodrigues, membro do Conselho Nacional de Educação: “Pensar que a categorização levaria a um melhor apoio educacional é um retrocesso e uma triste revisitação do modelo clínico que entendia que a educação precisa de receitas e de tratamentos.”

Independentemente da visão que temos sobre o que deve ser e o que deve mudar no apoio a estes alunos, é importante ter noção deque há demasiadas chamadas de atenção para as falhas que estas crianças, especialmente vulneráveis a situações de recursos escassos, enfrentam. Seja qual for o paradigma há algo que parece evidente: quem trabalha com elas diz que os recursos não chegam e estão a comprometer a sua educação. Matéria para o próximo Governo.

Andreia Sanches

Fonte: Newsletter Público

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