Desde setembro que a vida dos pais de A. se resume a uma busca permanente por alternativas e soluções. O filho, diagnosticado com autismo, iniciou em setembro o 1.º ano, no agrupamento de escolas Gil Vicente, em Lisboa. A criança de 6 anos precisa de atenção permanente, mas a escola não está a conseguir dar a resposta necessária e o próprio professor já pediu ajuda aos pais. “O professor está num estado de desgaste, o nosso filho está a ficar para trás e a turma está atrasada”, relatam os pais de A., que optaram por acompanhar presencialmente as aulas do filho e por contratar uma terapeuta.
Na Escola Básica de Santa Clara há uma “preocupação” com o estado do ensino das crianças com necessidades de saúde especiais (NSE) — a terminologia adotada em 2018 —, motivo pelo qual os pais apresentaram um abaixo-assinado. “Falamos de crianças que têm crises graves, momentos em que se magoam a elas próprias, tentam fugir da sala, saltam mesas e cadeiras, gritam durante períodos que podem durar poucos minutos ou uma hora”, explicam os pais no comunicado enviado às redações. Só fazem uma exigência: querem “mais apoio em sala, sejam auxiliares, técnicos ou professores”, explica ao Observador a representante do grupo que teve esta iniciativa.
Marta Silva detalha que a escola em questão “tem três turmas de 1.º ano”: na turma A, “há três crianças com pedido de diagnóstico para necessidades de saúde especiais feito pela professora e mais uma já com diagnóstico recente”; na turma B, “há três crianças com NSE” e, na turma C, há duas. No total, seis crianças necessitam de uma educação devidamente adaptada, podendo chegar a nove quando forem realizados os diagnósticos que estão em falta.
Foi criado, na escola, “um Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA) para onde vão casos mais graves, de meninos com paralisia ou que não falam, mas ainda assim é suposto [os professores deste centro] darem apoio em sala de aula” a crianças com situações menos graves, explica Marta Silva. Segundo esta encarregada de educação, os alunos de 1.º ano diagnosticados com autismo são acompanhados por um professor na sala durante duas horas por semana e passam outras duas horas por semana no CAA. Simplificando: numa semana de aulas, estes alunos apenas são acompanhados por um especialista durante quatro horas.
“Não queremos expulsar estes alunos [da sala], até porque passarem o dia no CAA com outras crianças com diagnósticos mais complexos não é bom. Mas os professores precisam de apoio em sala de aula. Isto não é incluir, é excluir, é atirar os alunos para uma sala de aula”, alerta.
Pais contratam terapeuta por 300 euros mensais
Na turma B do 1.º ano, as três crianças com NSE estão todas no espetro do autismo. No início, em setembro, era apenas A. e outra criança. Mas “entretanto juntou-se uma terceira aluna, filha de emigrantes do Bangladesh, e essa nem consegue estar na sala de aula parada”, conta o pai de A.. Perante estes três casos, a turma foi reduzida: de 24 alunos passou para 21. Mas, ainda assim, o professor tem “uma vida quase impossível”.
“Não há auxiliares educativas nem professores que possam estar na aula. O professor acabou por pedir-nos ajuda”, dizendo que “qualquer tempo” que os pais “consigam dispensar vai ajudar os filhos a melhorar”, lembra o pai de A.. E acrescenta: “Falamos de crianças que têm uma aprendizagem zero se não tiverem alguém ao lado a orientar.”
“O A. passa os dias a desenhar se não tiver alguém ao seu lado a dizer ‘olha; ouve; está atento ao que o professor está a dizer’”, conta o pai. E admite que “houve regressões na vida” do filho desde o início do ano. Além de estar a começar a adotar o “padrão de agressividade” que já se era manifestado por um dos seus colegas de sala, está “cada vez mais isolado e com menos tolerância”. “Antes, conseguia estar sentado, mesmo se não percebesse os conteúdos. Mas agora está fora de tudo, levanta-se e tem comportamentos disruptivos, como gritar”.
O pai de A. garante que o filho “tem capacidade cognitiva e não precisa de estar afastado [no CAA]”, argumentando que isso apenas o prejudica. Mas o “problema é que é 8 ou 80: ou está sem apoio ou está no Centro, afastado. Não há meio termo”, remata.
Perante a impossibilidade de arranjar apoio para o filho, os pais de A. decidiram tratar do assunto com os próprios meios: “A minha mulher, que não é portuguesa, vai dar uma ajuda nas aulas e temos também uma terapeuta, que contratámos do nosso bolso”. Desde o início do ano letivo que a mãe de A., que é freelancer, se senta ao lado do filho diagnosticado com autismo. Já a terapeuta — que o casal só conseguiu contratar ao fim de um mês — representa um investimento de 300 euros mensais, sendo que só acompanha A. durante três horas por semana.
“O 1.º ano é um ano de grande violência para os miúdos e é um ano crítico, onde a falta de recursos é grave. A turma está muito atrasada e as outras turmas também têm problemas semelhantes”, remata o pai de A.. Marta Silva acrescenta que “os professores assumem que é preciso mais apoio”, lembrando que o professor da turma de A. “expôs a situação [aos pais], dizendo que era muito complicado ensinar uma turma nestas circunstâncias, num ano em que tem de estar de forma individualizada com os alunos para os ajudar a fazer as letrinhas… Mostrou-se impotente.”
No dia em que o professor convocou os pais para expor a situação, em novembro, revelou ainda que “já teve de estar de mão dada com um aluno a tarde toda para conseguir ensinar”, uma vez que a criança teve um momento de “crise, algo que pode acontecer uma vez por dia ou mais”. “É a falência do ensino público. Esta integração é muito boa, mas é quando é bem feita”, aponta Marta Silva.
Fonte: Observador por indicação de Livresco
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