As intervenções de tutoria estão entre as ferramentas educativas mais difundidas, versáteis e com maior potencial transformador, sendo que à medida que os sistemas escolares se expandem e consequentemente abrangem grupos de alunos cada vez mais diversificados, a importância das tutorias cresce também. Dada a sua ampla utilização e o conjunto robusto de evidências disponíveis, afigura-se útil uma síntese da literatura neste âmbito.
Estudo de Nickow e colaboradores (2023)
A partir de um quadro conceptual desenhado para o efeito, Nickow e colaboradores (2023) realizaram uma revisão sistemática da literatura e uma meta-análise para dar resposta a duas questões centrais:
- Qual o impacto das intervenções de tutoria (em literacia e em matemática) na aprendizagem dos alunos do pré-escolar ao 12.º ano de escolaridade?
- Como é que o impacto das intervenções varia consoante diferentes características dos programas de tutoria?
Quadro conceptual
Com base na definição de Dietrichson e colaboradores (2017), que descrevem os programas de tutoria como apoio pedagógico suplementar fornecido individualmente ou em pequenos grupos por um tutor, os autores deste estudo procuraram inicialmente compreender quais os mecanismos através dos quais a tutoria exerce impacto (isto é, melhora a aprendizagem). Foram identificados quatro potenciais mecanismos:
- O tempo adicional de instrução que a tutoria permite;
- A personalização da aprendizagem («ensinar no nível certo»), isto é, a adaptação do ensino ao nível de desempenho do aluno (algo que nem sempre é possível em sala de aula) (Banerjee et al., 2016);
- A tutoria constituir um momento pedagógico distinto da instrução em sala de aula, com menos distracções e em que os alunos podem dedicar mais tempo à tarefa e abordar o conteúdo de forma mais focada (Gest & Gest, 2005);
- E a conexão humana da relação tutor-aluno (Juel, 1996; Neitzel et al., 2022).
Compreendidos os potenciais mecanismos pelos quais a tutoria tem impacto, os autores procuraram identificar os factores, isto é, os elementos dos programas de tutoria, que apresentam maior probabilidade de influenciar este impacto.
Um factor provável prende-se com o tipo de tutor, na medida em que é esperado que os mais qualificados e experientes tenham competências mais robustas. Da revisão realizada surgiram quatro tipos de tutores:
a) professores certificados que assumem o papel de tutor,b) paraprofissionais, que englobam, por exemplo, funcionários da escola ou estudantes de Educação,c) não profissionais, indivíduos não profissionalmente envolvidos na área da educação, como é o caso da comunidade em geral, ed) pais, em que a tutoria é fornecida pelos pais/cuidadores dos alunos.
Outro factor de que pode depender a eficácia dos programas de tutoria relaciona-se com o currículo de cada programa, dado que diferentes programas abrangem diversas disciplinas, níveis de escolaridade, abordagens pedagógicas e conteúdos. Existem, por exemplo, alguns programas de literacia que se centram em questões relacionadas com a fonética e outros que, por sua vez, se focam na compreensão. Por outro lado, os programas variam também ao nível da estrutura que o tutor deve seguir, existindo alguns com sessões estruturadas e outros em que a liberdade de decisão dos tutores é significativamente maior.
Um outro conjunto de factores prende-se com o modo de entrega dos programas. Uma questão central diz respeito ao rácio tutor-aluno, isto é, ao número de alunos apoiado por cada tutor. Se por um lado as intervenções com mais alunos por tutor podem, por exemplo, ter associados custos mais baixos e um menor estigma, por outro, um maior número de alunos por grupo pode reduzir o impacto do apoio devido à partilha da atenção do tutor.
Também o local onde a tutoria decorre e o facto de esta ocorrer durante ou fora do horário escolar poderão moldar o seu impacto, dado que, por exemplo, o ambiente doméstico pode ser, por um lado, mais descontraído, mas também potencialmente mais distrativo (Villiger et al., 2019).
Por fim, também a frequência, a duração das sessões e a duração total dos programas poderão influenciar o impacto dos mesmos, estando a «dose ideal» de tutoria dependente do contexto, dado o potencial contrapeso entre mais tempo de instrução e possíveis desvantagens associadas (e.g., custo de oportunidade ou a possível estigmatização) (Marston, 1996).
Principais resultados
Da revisão e meta-análise da investigação sobre tutorias, os autores concluíram que:
- Genericamente, as intervenções de tutoria tiveram efeitos significativos positivos na aprendizagem, corroborando os resultados de estudos anteriores (Dietrichson et al., 2017; Ritter et al., 2009) e reforçando a ideia de que o apoio tutorial constitui uma das estratégias educativas mais eficazes para promover melhorias no desempenho académico dos alunos;
- Os programas de tutoria fornecidos por professores tiveram um maior impacto, seguidos pelos programas em que os tutores eram paraprofissionais (com resultados quase idênticos), algo também observado em estudos anteriores (e.g., Dietrichson et al., 2017; Neitzel et al., 2022; Pellegrini et al., 2021). Estes resultados são consistentes com a ideia de que as competências de tutoria diferem das competências necessárias para um ensino eficaz em sala de aula (Guryan et al., 2023). Já os programas de tutoria ministrados por não profissionais e por pais apresentaram um impacto mais baixo;
- O impacto dos programas de tutoria diminuiu com o aumento do nível de escolaridade, sendo este declínio mais evidente em programas de literacia. Tais resultados são consistentes com a literatura científica, que aponta para a existência de um período crítico para o desenvolvimento da linguagem que ocorre no início da vida (Fryer, 2017);
- A tutoria fornecida num rácio de 1:1 (isto é, a tutoria individual) foi a que apresentou maior impacto, seguida da tutoria num rácio de 1:2 alunos (um tutor para dois alunos). Os resultados apontam, assim, para a existência de um declínio do impacto com o aumento do número de alunos por tutor, algo também já reportado anteriormente (e.g., Baye et al., 2019; Niezel et al., 2022);
- O impacto dos programas de tutoria fornecidos durante o horário escolar foi significativamente superior aos da tutoria pós-escolar. Importa mencionar que todos os programas ministrados por professores ocorreram durante o horário lectivo, enquanto todos os programas de tutoria ministrados por pais tiveram lugar após a escola. De acordo com Nickow e colaboradores (2023), os resultados inferiores encontrados na tutoria pós-escolar e parental podem resultar de dificuldades em garantir que esta decorre conforme planeado;
- Mais sessões de tutoria por semana associaram-se a um maior impacto da intervenção, sendo que os programas que apresentaram maiores efeitos foram aqueles cujas sessões decorreram três ou mais vezes por semana. O mesmo não foi, porém, observado no que concerne à duração das sessões e à duração total das intervenções. Verificou-se que os programas com maior impacto tiveram uma duração média por sessão inferior a 30 minutos e uma duração total inferior a 20 semanas. Estes resultados corroboram revisões anteriores, que apontam no sentido de que uma maior duração pode estar associada a um impacto mais fraco (Dietrichson et al., 2017; Wanzek et al., 2006; 2013), não sendo, por isso, programas mais longos necessariamente mais eficazes.
Os resultados de Nickow e colaboradores (2023) mostram que a tutoria é efectivamente uma estratégia educativa eficaz, produzindo impactos positivos significativos na aprendizagem. Além disso, os resultados indicam que os programas com maior impacto na aprendizagem dos alunos a) são fornecidos por professores ou paraprofissionais (sendo estes últimos uma possível alternativa eficaz), b) acontecem durante o horário escolar, c) três ou mais vezes por semana e d) ocorrem o mais precocemente possível, isto é, nos anos de escolaridade iniciais.
Célia Oliveira e Sara Guedes
Fonte: Iniciativa Educação
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