sábado, 4 de janeiro de 2025

BE quer criminalizar a esterilização forçada de pessoas com deficiência

O BE avançou com um projeto de lei com o objetivo de criminalizar a prática de “esterilização forçada de pessoas com deficiência”, tendo em conta que configura “uma decisão absolutamente irreversível para o resto da vida”, que incide principalmente sobre menores do sexo feminino, explicou ao DN o deputado bloquista José Soeiro.

A ideia do partido é, “seguindo práticas de vários países europeus, como França, Itália, Alemanha ou Espanha”, impedir “a esterilização forçada de pessoas com deficiência, sem garantir que existe uma forma de aferir a sua vontade”. O que, de acordo com José Soeiro, passa por garantir que há “um processo clínico acompanhado por uma equipa multidisciplinar que é capaz de assegurar o envolvimento da pessoa maior na tomada da decisão”.

Questionado sobre se há registo desta prática em Portugal, o deputado remete para os dados contidos na carta aberta da associação Voz do Autista, subscrita por 20 entidades, como o movimento SOS Racismo, a ILGA Portugal ou o Núcleo Feminista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, que, por sua vez, remete para o relatório do Fórum Europeu da Deficiência sobre este tema.

Também o projeto de lei do BE refere o relatório europeu, como argumento para esta alteração legislativa.

De acordo com o documento da Voz do Autista, “os dados relativos à esterilização forçada são inexistentes, desatualizados ou não estão desagregados”, pelo que é necessário haver “investigação para avaliar o número de pessoas que foram submetidas a esterilização forçada em Portugal, e o contexto onde esta prática acontece”.

Por este motivo, a associação apela “à execução do estudo nacional sobre violência contra raparigas e mulheres com deficiência, que inclui o estudo sobre as práticas de esterilização forçada, aprovado no Orçamento de Estado para 2023”.

“Nós queremos proibir completamente a esterilização irreversível em pessoas menores”, continua o deputado, vincado que Portugal é um dos três Estado-membros da União Europeia (UE), onde a prática é permitida, ressalvando, porém, que esta vontade do partido não inclui “situações em que esteja em causa risco de vida”.

No que diz respeito a esterilização voluntária, o BE entende “que se deve garantir que há equipas multidisciplinares que acompanham as pessoas com deficiência na tomada de uma decisão que seja pessoal, que seja livre e que seja informada e que, sempre que isso for impossível, não se devem utilizar métodos de esterilização irreversíveis, deve-se utilizar outro tipo de método terapêutico”, acrescenta.

José Soeiro assume que, com esta proposta de alteração à lei, a bancada bloquista pretende que Portugal acompanhe a “evolução ao nível da Europa e das recomendações da convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiência”, para valorizar a “autonomia das pessoas com deficiência, na sua igualdade perante a lei, no respeito pelos seus direitos sexuais e reprodutivos”, excluindo, porém, “situações de risco de vida, nomeadamente dos menores, e no caso em que haja situações em que não é possível apurar a vontade da pessoa”, recorrendo sempre a outros métodos.

O parlamentar explicou ainda ao DN que “este problema, de uma forma muito diferente, colocou-se também a nível internacional e a nível português na questão das pessoas intersexo, que foi evoluindo no sentido de considerar até uma mutilação”.

Sobre esta variação do tema, o deputado explicou que, nestes casos em concreto, que não se referem a pessoas com deficiência, “os médicos nas crianças intersexo, logo em bebés, tomavam decisões”.

“Como a criança nascia com uma suposta ambiguidade do ponto de vista genital, tomavam decisões e depois, mais tarde, as pessoas ficavam sem capacidade de escolha”, conclui.

A discussão em torno deste projeto de lei será ainda agendada e concretizada.

Fonte: DN

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Alunos mais pobres têm menos acesso ao pré-escolar

São as crianças pobres ou em risco de pobreza que menos frequentam o pré-escolar. Em 2023, eram 13, 4%, no caso de todas as outras crianças nos jardins de infância, o número dispara para 89,1%.

Quando se trata de frequência a tempo inteiro, 25 horas por semana ou mais, a percentagem de crianças pobres caiu 20% em relação ao ano anterior. A situação é ainda mais grave quando se sabe que no ano passado se contavam 40 mil crianças pobres.

Os dados avançados pelo Jornal de Notícias são do Gabinete de Estatísticas Europeu e mostram que a tendência em Portugal é semelhante à da União Europeia.

No ano letivo 2022/23 frequentavam o pré-escolar cerca de 265 mil crianças. Mais de metade na rede pública onde a oferta ainda é insuficiente para a procura que tem crescido, sobretudo, com a entrada no sistema de ensino de crianças estrangeiras.

De acordo com dados da OCDE, o número de alunos imigrantes no país cresceu 160% e segundo a organização apesar do pré-escolar ser gratuito, as famílias ainda contribuem com um terço das despesas, a percentagem mais elevada da OCDE.

Fonte: SIC Notícias, com reportagem de vídeo, por indicação de Livresco

quinta-feira, 2 de janeiro de 2025

Por falta de apoio da escola, pais assistem às aulas do filho com autismo e contratam terapeuta

Desde setembro que a vida dos pais de A. se resume a uma busca permanente por alternativas e soluções. O filho, diagnosticado com autismo, iniciou em setembro o 1.º ano, no agrupamento de escolas Gil Vicente, em Lisboa. A criança de 6 anos precisa de atenção permanente, mas a escola não está a conseguir dar a resposta necessária e o próprio professor já pediu ajuda aos pais. “O professor está num estado de desgaste, o nosso filho está a ficar para trás e a turma está atrasada”, relatam os pais de A., que optaram por acompanhar presencialmente as aulas do filho e por contratar uma terapeuta.

Na Escola Básica de Santa Clara há uma “preocupação” com o estado do ensino das crianças com necessidades de saúde especiais (NSE) — a terminologia adotada em 2018 —, motivo pelo qual os pais apresentaram um abaixo-assinado. “Falamos de crianças que têm crises graves, momentos em que se magoam a elas próprias, tentam fugir da sala, saltam mesas e cadeiras, gritam durante períodos que podem durar poucos minutos ou uma hora”, explicam os pais no comunicado enviado às redações. Só fazem uma exigência: querem “mais apoio em sala, sejam auxiliares, técnicos ou professores”, explica ao Observador a representante do grupo que teve esta iniciativa.

Marta Silva detalha que a escola em questão “tem três turmas de 1.º ano”: na turma A, “há três crianças com pedido de diagnóstico para necessidades de saúde especiais feito pela professora e mais uma já com diagnóstico recente”; na turma B, “há três crianças com NSE” e, na turma C, há duas. No total, seis crianças necessitam de uma educação devidamente adaptada, podendo chegar a nove quando forem realizados os diagnósticos que estão em falta.

Foi criado, na escola, “um Centro de Apoio à Aprendizagem (CAA) para onde vão casos mais graves, de meninos com paralisia ou que não falam, mas ainda assim é suposto [os professores deste centro] darem apoio em sala de aula” a crianças com situações menos graves, explica Marta Silva. Segundo esta encarregada de educação, os alunos de 1.º ano diagnosticados com autismo são acompanhados por um professor na sala durante duas horas por semana e passam outras duas horas por semana no CAA. Simplificando: numa semana de aulas, estes alunos apenas são acompanhados por um especialista durante quatro horas.

“Não queremos expulsar estes alunos [da sala], até porque passarem o dia no CAA com outras crianças com diagnósticos mais complexos não é bom. Mas os professores precisam de apoio em sala de aula. Isto não é incluir, é excluir, é atirar os alunos para uma sala de aula”, alerta.

Pais contratam terapeuta por 300 euros mensais

Na turma B do 1.º ano, as três crianças com NSE estão todas no espetro do autismo. No início, em setembro, era apenas A. e outra criança. Mas “entretanto juntou-se uma terceira aluna, filha de emigrantes do Bangladesh, e essa nem consegue estar na sala de aula parada”, conta o pai de A.. Perante estes três casos, a turma foi reduzida: de 24 alunos passou para 21. Mas, ainda assim, o professor tem “uma vida quase impossível”.

“Não há auxiliares educativas nem professores que possam estar na aula. O professor acabou por pedir-nos ajuda”, dizendo que “qualquer tempo” que os pais “consigam dispensar vai ajudar os filhos a melhorar”, lembra o pai de A.. E acrescenta: “Falamos de crianças que têm uma aprendizagem zero se não tiverem alguém ao lado a orientar.”

“O A. passa os dias a desenhar se não tiver alguém ao seu lado a dizer ‘olha; ouve; está atento ao que o professor está a dizer’”, conta o pai. E admite que “houve regressões na vida” do filho desde o início do ano. Além de estar a começar a adotar o “padrão de agressividade” que já se era manifestado por um dos seus colegas de sala, está “cada vez mais isolado e com menos tolerância”. “Antes, conseguia estar sentado, mesmo se não percebesse os conteúdos. Mas agora está fora de tudo, levanta-se e tem comportamentos disruptivos, como gritar”.

O pai de A. garante que o filho “tem capacidade cognitiva e não precisa de estar afastado [no CAA]”, argumentando que isso apenas o prejudica. Mas o “problema é que é 8 ou 80: ou está sem apoio ou está no Centro, afastado. Não há meio termo”, remata.

Perante a impossibilidade de arranjar apoio para o filho, os pais de A. decidiram tratar do assunto com os próprios meios: “A minha mulher, que não é portuguesa, vai dar uma ajuda nas aulas e temos também uma terapeuta, que contratámos do nosso bolso”. Desde o início do ano letivo que a mãe de A., que é freelancer, se senta ao lado do filho diagnosticado com autismo. Já a terapeuta — que o casal só conseguiu contratar ao fim de um mês — representa um investimento de 300 euros mensais, sendo que só acompanha A. durante três horas por semana.

“O 1.º ano é um ano de grande violência para os miúdos e é um ano crítico, onde a falta de recursos é grave. A turma está muito atrasada e as outras turmas também têm problemas semelhantes”, remata o pai de A.. Marta Silva acrescenta que “os professores assumem que é preciso mais apoio”, lembrando que o professor da turma de A. “expôs a situação [aos pais], dizendo que era muito complicado ensinar uma turma nestas circunstâncias, num ano em que tem de estar de forma individualizada com os alunos para os ajudar a fazer as letrinhas… Mostrou-se impotente.”

No dia em que o professor convocou os pais para expor a situação, em novembro, revelou ainda que “já teve de estar de mão dada com um aluno a tarde toda para conseguir ensinar”, uma vez que a criança teve um momento de “crise, algo que pode acontecer uma vez por dia ou mais”. “É a falência do ensino público. Esta integração é muito boa, mas é quando é bem feita”, aponta Marta Silva.

Fonte: Observador por indicação de Livresco