O racismo existe e persiste. O Conselho Nacional de Educação (CNE) tem refletido sobre o assunto e acaba de lançar várias recomendações para uma educação antirracista. Para o CNE, os problemas do racismo e da educação antirracista devem ser vistos no contexto da educação para a cidadania, uma vez que envolve ameaças à qualidade da vida democrática em valores fundamentais como a liberdade, o pluralismo, a igualdade. E a Educação tem um papel fundamental para a construção de sociedades pacíficas e sustentáveis.
O CNE considera que as questões da cidadania, nomeadamente as que dizem respeito à diversidade étnico-cultural e ao antirracismo, “ainda têm um tímido papel na ampla estratégia de promoção da igualdade na escola”. Escutou direções de escolas, educadores e professores, associações com intervenção nestas temáticas, leu documentos e contributos nacionais e internacionais, e apresentou várias propostas para uma educação antirracista.
O reforço de políticas públicas de combate à exclusão e à pobreza, para condenar de forma clara e sistemática a discriminação e o racismo, e a recolha de dados sobre a etnia dos alunos, para uma efetiva monitorização do impacto de variáveis associadas, são duas recomendações. No último caso, e como são dados sensíveis, esse levantamento deve sempre basear-se na auto declaração, de acesso reservado, e seguir as orientações da Comissão Nacional de Proteção de Dados.
O CNE sugere a promoção de um programa nacional de educação antirracista e para os direitos humanos que envolva atividades curriculares, extracurriculares e de educação não-formal. Além disso, é importante existir um clima democrático nas escolas e um esforço sistemático, sublinha, “na concretização quotidiana dos valores de liberdade, pluralismo e igualdade, o que implica políticas de tolerância zero face a manifestações de racismo e xenofobia, combatendo-se preconceitos, a desinformação e o discurso de ódio”.
A autonomia das escolas é fundamental para contratar equipas educativas que melhor se adequem aos projetos traçados em nome de uma efetiva educação antirracista. “Só se podem desenvolver projetos consistentes, que visem um real impacto a médio e longo prazo ao nível da educação antirracista, com equipas estáveis, que não se alteram por imposições contratuais de ordem diversa, de modo a assegurar a viabilidade dos projetos já iniciados, garantindo a continuidade de quem neles quer trabalhar”. Contratar profissionais especializados, para apoiar estratégias de inclusão e educação antirracista, é mais uma indicação do CNE.
Os currículos devem evitar uma visão etnocêntrica dos fenómenos, o que implica uma forte aposta na formação dos professores e estar atento , especialmente nos manuais escolares, “às formas de representação de pessoas não-brancas, às referências à escravatura e ao comércio de pessoas escravizadas, ao destaque de figuras históricas (…) de diferentes etnias/raças, às narrativas que reconheçam a diversidade da população portuguesa, incluindo referências à história das comunidades ciganas”.
Melhorar o acolhimento de alunos estrangeiros
A expansão portuguesa e o colonialismo devem ser discutidos nas escolas para permitir pensamentos autónomos e críticos dos alunos. “Esta discussão deve reconhecer e integrar pontos de vista complexos e diversos, contextualizados temporalmente, que visibilizem diferentes histórias e atores, incluindo o sofrimento e a resistência e as sistemáticas violações de direitos humanos nos territórios ocupados”, aconselha.
“O momento que se vive a nível mundial exige uma priorização da educação antirracista que assente numa formação de qualidade de todos os que trabalham com crianças e jovens na escola”. Por isso, o CNE propõe um programa nacional de formação contínua de educadores, professores e funcionários não docentes para a inclusão e a educação antirracista e a sua valorização para efeitos de progressão nas respetivas carreiras.
A comunidade, as redes, as parcerias, a articulação entre diversos intervenientes e atores, constroem relações de confiança e o CNE aconselha que as intervenções perante situações discriminatórias sejam reforçadas e que permitam a denúncia de forma segura. A redução dos riscos de encaminhamento de crianças e jovens para dispositivos que limitam o acesso à progressão escolar é outra recomendação.
O CNE quer, desta forma, “garantir que as crianças e jovens de todas as origens tenham acesso igual à educação e sejam totalmente integradas no sistema escolar, não existindo segregação de crianças pertencentes a minorias nas escolas, impedindo-as de serem colocadas em turmas separadas e ajudando as crianças pertencentes a minorias a aprender o idioma de ensino”. “Os processos de encaminhamento e orientação de crianças e jovens devem reconhecer os riscos de seleção social e combater eventuais desigualdades no acesso aos diferentes cursos no Ensino Básico, Secundário e Superior”, acrescenta.
Favorecer estratégias para melhorar o acolhimento de alunos estrangeiros, migrantes, refugiados, deve constar nas orientações dos estabelecimentos de ensino. Para isso, as escolas devem fomentar procedimentos específicos, nomeadamente nos regulamentos internos, para uma interação positiva e combater situações de discriminação ético-racial.
Evitar estereótipos, promover a equidade
Vários estudos e a realidade dão conta de um racismo quotidiano, explícito e sistemático, inclusive em contextos educacionais. O CNE recorda o relatório da Comissão Europeia Contra o Racismo e a Intolerância de 2018, relativo a Portugal, que reconhece importantes avanços no reconhecimento de direitos e no combate à discriminação, mas que, por outro lado, destaca “a intensidade de desigualdades e discriminação educacionais com ampla tradução em fenómenos de abandono, insucesso e dificuldades na progressão escolar de crianças e jovens afrodescendentes e de origem cigana, mas também a manutenção de uma visão heroica e unilateral de acontecimentos históricos relacionados com a expansão marítima, a colonização e a escravatura”.
Há fatores a montante da escola que ajudam a enquadrar a discriminação e o racismo, nomeadamente as dinâmicas segregativas e de exclusão socio territorial, bem como as políticas de habitação e planeamento urbano para diferentes grupos sociais. Há ainda a gestão da diversidade social e uma “visão relativamente unilateral e acrítica dos manuais escolares, em particular no que remete para as narrativas em torno da história nacional, da escravatura e do colonialismo”.
A sociedade portuguesa é cada vez mais multicultural e, segundo o CNE, é preciso pensar nesta questão e no papel da escola como fator de promoção social, que valoriza a diversidade e está aberta a um mundo global e plural. Na sua opinião, já emitida num parecer, “as desigualdades e exclusões são evitadas ou atenuadas quando é contrariada a função de reprodução social e cultural da escola e se promove o acesso e sucesso (emancipatório) de todas e todos ao conhecimento e à aprendizagem”.
Os materiais didáticos e a formação e supervisão de professores, para a promoção dos direitos humanos, de forma a evitar a reprodução de estereótipos e promover a equidade e a não discriminação, não podem ser colocados de parte. “A Educação é cada vez mais uma ferramenta de defesa contra o aumento da violência, racismo, extremismo, xenofobia, discriminação e intolerância”, sustenta o CNE.
O Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória deixa bem claro que a escola deve habilitar “os jovens com saberes e valores para a construção de uma sociedade mais justa, centrada na pessoa, na dignidade humana e na ação sobre o mundo enquanto bem comum a preservar”. E a Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, que integra a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, sustenta que a educação para uma conduta cívica tem de assentar na igualdade das “relações interpessoais, na integração da diferença, no respeito pelos Direitos Humanos e na valorização de conceitos e valores de cidadania democrática”.
Fonte: Educare
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