Já era previsível, mas com o arranque das aulas confirmou-se: o facto de o terceiro período do ano letivo passado ter decorrido à distância, devido ao encerramento das escolas, forçado pela pandemia de covid-19, causou um “atraso no desenvolvimento dos que ainda estão a aprender a ler”. A informação foi avançada por João Costa, secretário de Estado Adjunto e da Educação, na abertura da conferência online do Plano Nacional de Leitura (PNL) 2027, subordinada ao tema “Presente-Futuro: A Omnipresença da Leitura”. “Temos muitos alunos do 2.º ano que não atingiram as competências de leitura esperadas no final do 1.º ano. Mesmo para muitos dos mais velhos, para muitos, o afastamento da escola foi também o afastamento dos livros”, lamentou João Costa, na sua intervenção.
O problema da relação dos alunos com a leitura não se extingue, no entanto, no atraso das aprendizagens dos mais novos em tempos de pandemia. É mais profundo e, aparentemente, tem-se vindo a aprofundar, ao longo dos anos, desde logo com a preferência pelas plataformas digitais. João Costa confirmou que “temos ainda muitos não leitores nas escolas”. E outro dos aspetos que preocupa o governante é o facto de “muitos alunos não distinguirem factos de opiniões”. “Há um dado muito inquietante do último PISA - Programa de Avaliação Internacional de Alunos, que mostra que nove em cada dez alunos não distinguem factos de opiniões. Também mostra que, tendencialmente, desistem de ler à primeira dificuldade que encontram e que não leem os itens até ao fim, antes de começar a responder”, recordou o secretário de Estado Adjunto e da Educação.
De forma a clarificar os problemas que advêm das informações recolhidas no PISA, que avaliou a literacia de alunos de 15 anos em leitura, ciência e matemática, João Costa deu como exemplo “o mundo das redes sociais e dos jornais”. “Poderá dizer que temos jovens que, se não interviermos, vão ler apenas os títulos e também não sabem encontrar marcas linguísticas que distingam um texto de opinião de uma notícia. Portanto, tornam-se muito mais permeáveis a este mundo de fake news e de manipulação, através de um título ou de uma publicação numa rede social, nesta leitura que está em todo o lugar e não apenas no livro”, sublinhou.
Papel da escola e da família
Continuar a trabalhar o pensamento crítico nas escolas, tal como o ensino de pistas textuais que permitam a distinção entre os vários tipos de textos, e promover, desde cedo, “o prazer associado a ler um livro até ao fim” podem ser algumas das ferramentas para inverter o panorama. Mas João Costa entende que é necessário também apostar “em saber muito mais” sobre a dislexia – pois “há um crescimento todos os anos do número de disléxicos” – e “analisar a eficácia” da terapia da fala nas escolas. “Se invisto em acompanhamento de alunos quase desde o 1.º ano, não posso chegar ao 12.º e, na véspera de fazer exames, de repente explodir o número de disléxicos”, advertiu o governante.
Os professores estão na primeira linha, a par das famílias, para combater o desinteresse pela leitura e dificuldades associadas. E o Governo parece estar interessado em perceber melhor as metodologias utilizadas pelos docentes, com objetivo de aferir quais as mais eficazes. “Há professores que conseguem, efetivamente, ensinar a ler e, simultaneamente, fomentar o gosto pela leitura. Mas às vezes temos fenómenos de turma – e as provas de aferição têm-nos mostrado isso – em que, na mesma escola, turmas lado a lado, com perfis socioeconómicos idênticos, alguns alunos do 2.º ano estão a ler e outros não estão. Significa que há aqui qualquer coisa que tem a ver com métodos e práticas”, frisou João Costa.
Por último, o governante destacou o papel das famílias no sucesso da promoção da leitura. Até porque, de acordo com um estudo pedido pelo PNL ao ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, “a ausência do livro em casa, a ausência da voz sobre o livro e o não se falar sobre livros são fortes preditores de maus desempenhos e de hábitos baixos de leitura”.
Falta uma biblioteca digital
Apesar de as principais preocupações, no que aos hábitos leitura diz respeito, se dirigirem principalmente às camadas mais jovens da sociedade, ainda em processo de formação, o certo é que a leitura atravessa, segundo os especialistas ouvidos na conferência, um “processo de mudança”. “Faz tempo que a leitura atravessa um processo de mudança e a pandemia veio acelerá-lo e aprofundá-lo, por uma forma que é demais evidente. A vinculação da leitura a um tempo e a um lugar deram espaço a um acesso ubíquo aos textos, que as práticas sociais expuseram em toda a sua riqueza, diversidade e complexidade, abrindo-se a outras linguagens, a outros contextos e a outros modos de consumo da arte, da literatura e dos livros”, resumiu Elsa Conde, subcomissária do PNL 2027. “A conetividade permanente à rede consumou-se como uma necessidade e uma condição para estudar e aprender, para trabalhar e produzir, para nos recriarmos e divertirmos, alimentando a transição desta nova ecologia da leitura, da escrita e da oralidade, desafiando ainda mais as nossas capacidades de compreensão leitora e a nossa consciência crítica”, explicou, ainda.
Segundo Elsa Conde, foi ao longo desse processo que o PNL sentiu necessidade de se “aproximar mais das pessoas”, para “procurar minimizar aquilo que se afigurou como uma falha maior: a inexistência, em Portugal, de uma biblioteca digital acessível a todos, à semelhança da que existe em muitos outros países, onde esta se constituiu como um importante meio de manutenção do acesso ao livro e aos hábitos de leitura nestes tempos de pandemia”. “É uma exigência para a qual teremos de encontrar uma resposta num futuro próximo”, assumiu a subcomissária do PNL 2027.
Fonte: Educare
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