Com a alteração legislativa, deixa de haver meninos do ensino especial, só meninos da escola – todos os alunos podem ter medidas de apoio para facilitar a aprendizagem. A nova lei, diz a associação Pais em Rede, é necessária mas difícil de aplicar. O Governo acredita que até ao final de novembro, as primeiras avaliações vão estar terminadas e as respetivas medidas de apoio a ser colocadas em prática
O Governo acredita que as primeiras avaliações sobre que alunos têm necessidades de saúde especiais devem estar concluídas até ao final de novembro. Ao Expresso, o secretário de Estado da Educação, João Costa, refere que os prazos não são o mais importante nesta fase de entrada em vigor das novas regras e que este é um ano letivo sobretudo de transição, apropriação de medidas e formação.
“Pelo que tenho recebido das escolas, diria que até ao final de novembro as primeiras avaliações já vão estar a ser concluídas e as medidas a começarem a ser implementadas. Pelo relato que temos tido das escolas, diria que sim”, disse João Costa.
E isto é possível? A Pais em Rede, organização não governamental para pessoas com deficiência, diz que é difícil, mas não impossível. “Até ao Natal, acho possível, até ao fim de novembro não é fácil, mas fazível”, diz Júlia Serpa Pinto, professora do ISPA – Instituto Universitário e voluntária na associação, onde preside à mesa da assembleia geral. “Se está tudo bem? Não está. Se este ano vai estar tudo bem? Não sei. Se no próximo ano letivo vai estar tudo bem? Se as escolas quiserem…”
A nova legislação altera a lei da educação especial e as medidas especiais poderão ser aplicadas a qualquer aluno. Ou seja, permite que qualquer aluno seja avaliado por uma equipa multidisciplinar para que posteriormente seja objeto de medidas específicas. O que muda é que o critério para um maior acompanhamento seja exclusivamente médico. “O que temos é uma abordagem multinível, em que vamos adequar medidas às necessidades específicas de cada aluno: porque têm uma deficiência, porque estão a passar um momento familiar complicado ou porque são refugiados que acabam de chegar a Portugal. Afastámos-nos de um modelo estritamente clínico e médico para um modelo centrado na identificação das necessidades de cada um, que podem ser clínicas ou de outra natureza completamente diferente (background familiar, por exemplo)”, explica o secretário de Estado.
As aulas começaram há cerca de duas semanas e, devido a esta transição legislativa, há situações de fronteira – COMO O “PÚBLICO” NOTICIOU no fim de semana, referindo casos de alunos com deficiência profunda que aguardam por uma avaliação – e entretanto estão numa situação escolar incerta. “São casos pontuais”, indica o secretário de Estado aos Expresso. Desde o começo do ano letivo, chegaram à Direção Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE) nove queixas, que foram “logo resolvidas”, segundo este organismo.
Os dois casos denunciados pelo “Público” estão regularizados. “Num dos exemplos, tinha havido uma transferência de Lisboa para Viana do Castelo, era um aluno novo na escola, para o qual já estavam a ser desenhadas as medidas de apoio. E quando se falou com a mãe estava já tudo tratado. No outro caso, o diretor reportou que tinha um conjunto de assistentes operacionais de baixa e, durante uns dias, questionou os pais se podiam ficar com os filhos até a funcionária voltar. Claro, isto não deve acontecer, pois o que a direção da escola deve fazer de imediato é pedir uma substituição”, diz João Costa. “Os alunos com deficiência têm exatamente os mesmos recursos e medidas que tinham no ano passado. É dada continuidade às medidas. É uma dúvida que nunca nos chegou. Quando a escola recebe um aluno com multideficiência, obviamente não vai pô-lo na sala de aula a fazer de conta que ele não tem multideficiência”, acrescenta.
A Pais em Rede assegura que não recebeu qualquer queixa relativamente à implementação da lei e sempre que recebe pedidos de esclarecimento encaminha-os para os organismos governamentais, que acredita “estarem a fazer de tudo para que as coisas aconteçam”. E, por isso mesmo, apelam – à semelhança do Ministério da Educação – que qualquer problema, situações de impedimento ou caso de discriminação sejam denunciados à DGEstE.
“É uma lei muito bonita no papel, mas não para pôr em prática. O que sabemos, e são coisas contadas mais a título particular, é que há locais em que a única mudança foi a placa à porta da sala. Passou de Salas de Apoio à Multideficiência para Centros de Apoio à Aprendizagem”, conta Júlia Serpa Pinto.
Uma lei urgente
“Foi tudo feito com bastante tempo”, refere a voluntária da Pais em Rede, que diz ter sido ouvida pelo Ministério há mais de um ano. “A questão é que a lei caiu no fim do ano letivo e foi posta em prática logo em setembro”, considera, lembrando que havia “pressão real para que a lei de 2008 fosse alterada”. A antiga legislação previa a criação de salas para alunos com espetro de autismo e também de apoio à multideficiência, o que as Nações Unidas defenderam já não fazer sentido – e por isso recomendaram a mudança legislativa.
“É uma lei necessária e positiva, embora não a fizesse exatamente desta forma. Acho também que se estivermos à espera que todos estejam preparados, nada muda”, defende.
Quando a lei foi pensada, estava previsto um ano para a sua aplicação, para a formação de professores e para a preparação das escolas, refere Júlia Serpa Pinto. Isso não aconteceu. Segundo o Ministério da Educação, a lei esteve a ser trabalhada durante dois anos, houve reuniões com diretores por todo o país, workshops. “Cerca de 5000 professores foram abrangidos pelas ações de formação”, diz João Costa.
Para o secretário de Estado, não há dúvida que, na lógica de progressividade da legislação, os professores e as escolas estão “certamente preparados” para a mudança e todo o trabalho que esta implica. No entanto, quando questionado sobre a preparação das escolas e professores, relembra que 2018/2019 é “claramente um ano de apropriação e formação”. “Estas coisas não se fazem de uma dia para o outro”, sublinha.
A Pais em Rede lembra ainda que, tornando a escola inclusiva, em que as medidas especiais são universais e podem ser aplicadas a todos os alunos, deveria existir um reforço do pessoal. “Se não houver, corre-se o risco de os jovens que gastam mais recursos não terem os suficientes. De certeza que não vão ter os recursos que os pais desejariam, mas garantidamente não estavam melhor com a outra opção”, conclui Júlia Serpa Pinto.
(Texto atualizado às 22:23h)
Fonte: Notícia do Expresso via Arlindovsky
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