É interessante refletir sobre os motivos que levaram a Inclusão (e, neste particular, referimo-nos sobretudo à Educação Inclusiva) a reunir tão grande unanimidade. Encontrar unanimidade num objetivo social quando existem tantas visões distintas de sociedade não pode deixar de nos surpreender. Esta unanimidade é, talvez, devida ao facto de se entenderem coisas distintas abrigadas debaixo do mesmo conceito: o que é Inclusão será para uns um exagero e, para outros, uma insuficiência. Ainda recentemente esta unanimidade foi evidenciada nos discursos de todos os partidos na audição da equipa ministerial na Assembleia da República. Parece assim adquirida uma larga plataforma de “desejo” que a Educação seja inclusiva, isto é (e utilizando um conceito divulgado pela UNESCO), “um processo que ajude a vencer as barreiras que limitam a presença, participação e sucesso de todos os alunos”.
Querer um sistema educativo inclusivo é querer criar as condições para que ele seja inclusivo, dado que o nosso sistema educativo não foi concebido para ser inclusivo. Torná-lo inclusivo pressupõe um conjunto sensível de modificações em múltiplos aspetos da forma como a aprendizagem, o ensino, a organização e os objetivos da educação estão concebidos. Aqui – como em qualquer outra atividade humana – o simples desejo não é suficiente para que o que é desejado se consume. Mas o “desejo” anseia à totalidade e por isso se dá mal com etapas, com processos ainda incompletos, com esperas e balanços do que já se fez e do que falta para lá chegar. E por isso ouvimos tantas vozes desencantadas e amargas com o estado da inclusão. Ouvimos até – o que não deixa de ser espantoso – que “antes é que estava bem” (já ouvimos isto tantas vezes em Educação...), ouvimos que “qualquer mudança deveria partir das escolas” (uma frase sibilinamente incompreensível...) e que “tudo está numa enorme confusão”.
Precisamos sim de preservar o desejo, isto é, a ambição de progresso e de chegar melhor a melhores condições. Não parece é saudável desenhar este objetivo através de uma situação abstrata e idealizada, mas, pelo contrário, a partir da análise do que se já se fez e do que falta fazer. São os resultados do enfrentamento desta situação que se podem ver presentemente nas escolas: escolas que têm os mesmos recursos que no ano transato e, por isso, não deixam nenhum aluno sem apoio, nenhum aluno “de fora”, escolas que estão a consolidar (a grande maioria já tinha) as equipas multidisciplinares (encontram-se até “inovações” com um distrito em que as equipas multidisciplinares decidiram por si próprias trabalhar em rede para potenciar os seus recursos), escolas onde há dúvidas pontuais sobre qual seria a correta interpretação do normativo legal, mas que nem por isso estão “confusas” e menos ainda “omissas” em relação a responder às necessidades educativas dos seus estudantes com mais dificuldades.
Por tudo isto, parece importante migrar de um estado de “desejo” para um estado de “necessidade”. A Educação Inclusiva criou uma enorme responsabilidade e, ao assumir a responsabilidade de educar todos com todos, deve situar-se não só no desejo, mas sim na necessidade. A pergunta pertinente não deverá ser “Desejamos a Inclusão?” mas sim: “O que nos falta para prosseguir o caminho de progresso para uma Educação Inclusiva?”
Este caminho de progresso não pode ser feito sem assegurar a solidez do que foi conseguido. O que se espera das escolas é que elas não deixem nenhum aluno sem apoio usando os recursos organizacionais, materiais e humanos de que já dispõem. Mas certamente que assegurar o que se tem não é suficiente. É essencial que se progrida na qualidade da Educação que é proporcionada a todos os alunos. É essencial que cada agrupamento esteja alerta e registe todas as necessidades que considera que existem para que a sua ação seja suficiente e eficaz. É preciso que cada agrupamento diga – em função da sua experiência concreta e vivida – quais as suas necessidades e como pensa que elas podem ser respondidas. Duas destas necessidades têm sido recorrentes e certamente irão encabeçar estas listas: 1) a formação em serviço de toda a comunidade escolar e 2) um acrescento de recursos, sejam eles materiais (lembro as conhecidas carências dos serviços dos Centros de Recursos para a Inclusão) ou humanos (lembro a carência de assistentes operacionais e de professores de Educação Especial).
Comemora-se neste ano de 2018 o 70.º aniversário da Proclamação da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Tornar a Inclusão possível é um Direito Humano. O Presidente da República, Prof. Marcelo Rebelo de Sousa, afirmou “A Inclusão é o Direito dos Direitos” e o Prof. António Sampaio da Nóvoa, embaixador de Portugal na Unesco, acrescentou “A Inclusão é o Dever dos Deveres”.
Olhemos a inclusão como um conjunto de direitos, de deveres e de necessidades que nos levarão até ao desejo de uma escola justa e cidadã.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
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