Tenho acompanhado um grupo de professores do Brasil que estão de visita a escolas em Portugal. É sempre um privilégio contar com estes olhares “de fora” sobre as nossas realidades. Digo “de fora”, assim mesmo com aspas, porque esta expressão pode ser usada para desvalorizar o que alguém diz sobre uma determinada realidade “ele não sabe o que se passa aqui”, “devia passar aqui uma semana para ver realmente como é”. Não nego que a imersão num determinado contexto nos pode trazer mais informação e mais conhecimento sobre a forma (e as perplexidades) de uma dada organização. Mas, da mesma forma, é um risco (por vezes até salpicado de alguma arrogância) desprezar a opinião de quem vem de fora e que tem um olhar imediato, não macerado sobre uma determinada realidade. É a velha questão de que não é preciso ter dores de dentes para poder ser um bom dentista…
Mas regressando… estes professores depois de terem visitado escolas e falado com os seus colegas portugueses têm opiniões que nos levam a refletir sobre aspetos que, em muitas circunstâncias consideraríamos banais. Vou pegar em dois deles.
Um professor brasileiro, depois de visitar um “Centro de Apoio à Aprendizagem”, louvou o trabalho que lá era feito: o registo das intervenções, o cuidado e carinho pelas crianças que usavam o Centro, a retaguarda técnica que existia e ainda a preocupação em que as crianças frequentassem o maior número de aulas “regulares” possível. Depois, na conversa com os colegas que trabalhavam no CAP, foi-lhe dito que tudo estava numa grande confusão, que ninguém sabia dar orientações precisas e que não sabiam o que fazer. O colega brasileiro ficou bem confuso e até pensou que estes professores trabalhavam noutra escola. Perguntava ele: “Como é possível classificar o excelente trabalho que é feito nesta escola de “confusão”? Eu procurei explicar que temos uma lei nova que ainda está em fase de instalação e sobre a aplicação da qual persistem dúvidas. Mas não deixei de reparar no olhar irónico do professor perante a minha resposta.
Outra situação, foi recolhida numa reunião de avaliação em que foi notada o estado de grande desilusão e cansaço dos professores. Expliquei muitos dos argumentos que costumamos evocar: a elevada idade dos professores, o excesso de trabalho burocrático, a carência de recursos, etc. Os colegas brasileiros valorizaram o que foi explicado dizendo até que eram fatores comuns aos que se verificavam nas escolas públicas brasileiras. Mas houve uma observação que me impressionou por ser inusitada. Uma das professoras com mais anos de serviço disse “Certamente nenhum destes professores queria que os seus filhos tivessem aulas com um professor tão desmotivado quando ele está!”
Estes dois exemplos têm de contribuir para a nossa melhoria. Talvez seja mesmo importante para enfrentar o burnout, o cansaço, a desmotivação e a exaustão que tenham de ser procuradas e efetivadas formas diferentes de encarar a profissão. A cooperação, a utilização de estratégias diferentes, uma reflexão conjunta sobre o perfil dos alunos, sobre os objetivos, sobre as “aprendizagem essenciais”, etc. etc. etc. não são só trabalho, são talvez as formas que temos à mão para evitar que a nossa profissão seja triste e torne outros tristes. A nossa profissão lida com as pessoas na melhor fase da sua vida e temos que continuar a ser dignos das expectativas e esperanças que crianças e famílias põem em nós, na escola e na Educação.
David Rodrigues
Fonte: Editorial da newsletter nº 119, outubro de 2018 da Pró-Inclusão
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