Setenta e cinco por cento dos professores e educadores do Ensino Básico e Secundário dão aulas em exaustão emocional. Praticamente metade demonstra sinais preocupantes e 24% têm sinais críticos ou extremos de desgaste. Quarenta e dois e meio por cento não se sentem realizados profissionalmente. Quase 22 mil confessam que tomam medicação a mais e cerca de nove mil falam em consumo excessivo de drogas e álcool para enfrentar o ritmo de trabalho e fazer face às exigências do sistema. Cerca de 3% apresentam consumos combinados de álcool, droga e medicamentos. Oitenta e quatro por cento desejam reformar-se antecipadamente sem penalizações. O maior estudo realizado no nosso país sobre a vida e o trabalho dos professores portugueses mostra uma “classe doente”.
“O primeiro resultado completamente esmagador revela que estamos perante uma classe adoecida pela organização do trabalho”, refere (...) Raquel Varela, coordenadora do “Inquérito Nacional sobre as Condições de Vida e Trabalho na Educação em Portugal”, realizado pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa a pedido da Federação Nacional dos Professores (FENPROF). “A maioria dos docentes está a trabalhar doente”, avisa.
As imagens que sobressaem deste estudo são preocupantes. Uma parte significativa de quem ensina, e que tem uma enorme responsabilidade de transmitir conhecimentos às futuras gerações, está cansada, exausta, desmotivada, num desgaste contínuo. E uma classe doente empobrece um país. Por tudo isso, fala-se numa revisão do modelo de gestão das escolas. Raquel Varela, investigadora e historiadora da Universidade Nova de Lisboa, alerta para o perigo de uma alienação por parte de uma classe profissional e para um sentimento de não pertença a um lugar, neste caso, à escola.
O desgaste emocional é uma das áreas que mais salta à vista no estudo: 47,8% dos professores revelam sinais no mínimo preocupantes, dos quais 20,6% exibem sinais preocupantes, 15,6% sinais críticos e 11,6% demonstram sinais extremos de esgotamento. Os professores sentem-se operários numa linha de produção que não pára. Raquel Varela refere, a propósito, que os professores “sofrem um processo de proletarização”. Ou seja, os docentes sentem que não são parte interveniente e pensante no processo educativo, em que as suas ideias, a autonomia, e a criatividade não são tidas em consideração, “e passam a estar sujeitos a ordens externas”.
No entanto, o estudo mostra uma baixa taxa de despersonalização, que acontece quando alguém olha e trata as pessoas como objetos. Uma taxa de 7,6%. “O que significa que os professores ainda têm muito carinho pelos alunos. Adoeceram mas não explodiram nos alunos”, diz Raquel Varela. E este “adoecimento”, sustenta, não acontece “por um processo individual de culpa”. “É a organização do trabalho que os adoece”. Um trabalho amarrado a um modelo de gestão autoritário e a um sistema de ensino padronizado.
Indisciplina e burocracia
O trabalho burocrático, a indisciplina, a pouca autonomia, a falta de reconhecimento público, o salário, a desmotivação. A coordenadora do projeto toca nestes pontos que se cruzam no estudo, com quase 120 perguntas e perto de 16 mil inquéritos completos respondidos por professores de norte a sul do país, incluindo ilhas, do ensino público e privado. E alerta para a necessidade de se rever um modelo de ensino “nos meios e nos fins”. Isto porque, em sua perspetiva, a escola continua a ensinar para o mercado e não para o capital humano. Educa-se para as necessidades das empresas, em constantes mudanças, esquecendo-se o essencial. “Precisamos de um ensino universal que dê acesso a todo o conhecimento produzido pela humanidade”, defende.
Mais de 70% dos professores estão preocupados com a indisciplina e este é um ponto que se relaciona com esse “adoecimento”. E os problemas de indisciplina e de insucesso escolar aumentam e preocupam porque “não têm um tratamento coletivo”, ou seja, não se resolvem num trabalho e esforço conjuntos. “Os professores culpabilizam pais, pais culpabilizam professores, diretores culpabilizam professores. Entopem-se escolas de faltas disciplinares, processos burocráticos demorados e a questão da indisciplina tem-se revelado cada vez mais importante como fator de adoecimento dos docentes e de perturbação das escolas”, lê-se no estudo.
O estudo confirma que o excesso de trabalho burocrático também está relacionado com o estado de exaustão emocional. “Aumenta toda a gestão burocrática. Aumenta a quantidade e multiplicidade de tarefas que os professores não devem, não podem, e não sabem fazer. É urgente que as escolas contratem profissionais que façam esse trabalho”. Por outro lado, é urgente valorizar as carreiras de quem ensina, fundamental para quem passa os dias na escola, transmite conhecimentos, contribui para o desenvolvimento do país.
“A equipa de investigadores consegue provar que o problema é de organização do trabalho. O afastamento entre as expetativas dos docentes e a realidade do exercício da sua profissão é a principal causa dos problemas diagnosticados, bem refletidos nas conclusões que, nesta fase, é possível tirar, num estudo que, até pelo volume dos dados (cerca de dois milhões), não está e não podia estar terminado”, refere a FENPROF, em comunicado.
Fonte: Educare
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