Um pai de uma rapariga de cinco anos inscreve-a numa escola pública para ela entrar no primeiro ano. Melhor dizendo, inscreve-a em quatro escolas públicas, não vá o diabo tecê-las. Como vive em Lisboa, e os agrupamentos escolares estão colados uns aos outros, tenta dois deles, os mais próximos de casa, sem inventar moradas.
Quando as listas começam a sair, tenta ver nos sites e nada. Vai a uma escola e nada. Outra. E outra. Depois recebe um sms: a sua filha, como é condicional, não obteve vaga. Ficou-se no pré-escolar. Condicional é quem nasceu de 15 de setembro a 31 de dezembro. Lembrem-se disto: nunca fazer filhos para eles nascerem nessa altura.
Um pai decide, então, lutar pela filha. Vai ao primeiro agrupamento e dizem-lhe que não é possível reclamar ou tentar outra via. Mas sugerem que veja no outro agrupamento ou que tente a direção-geral (DG). O site da DG está em baixo, não funciona (são milhares a tentar o mesmo). No outro agrupamento dizem que tente no anterior, mas que sim, dá para reclamar. O pai volta lá. E de lá ligam para o outro. A reclamar, mas com eles (quem disse mandarem para lá o pai?!). “Mas há vaga em alguma escola, para ela não perder um ano?” E todos repetem os inquéritos das sondagens: não sei, não respondo.
O pai vai, então, à DG. Tira senha. Espera quatro horas. E lá consegue ser atendido (um dia perdido de trabalho). “E como é que eu posso fazer? Posso tentar inscrevê-la noutras escolas? Quais é que ainda têm vagas?” Respostas? Por ordem: “Não sei.” “Pode, mas a resposta não vai ser a que quer ouvir.” “Não lhe posso dizer.” E pergunta o pai, insistindo, desesperando: “Mas, se não me pode dizer, quem é que pode?” A resposta: ninguém. (Já vos disse que o site da DG está em baixo?)
O pai tenta, porque os pais tentam sempre tudo. Põe num papel, à mão, mais quatro escolas. “E quando é que me respondem? Quando é que posso saber alguma coisa?” A resposta: na DG vão ver, uma a uma, as reclamações e pedidos, ligando uma a uma às escolas para ver se alguma pode meter mais alguém. “Este é só o segundo dia, agosto vai ser muito pior”, diz a senhora. “É possível que só saiba alguma coisa depois de as aulas começarem”, avisa ela. “Mas não a inscreva no Filipa, nessa já sabe que é impossível.” Impossível não. É Kafka. As escolas públicas não têm vagas, mas o Governo já deu o pré-escolar aos quatro anos, já deu mais intervalos aos professores e mais lugares nos quadros também.
Passo por isto e lembro-me de ouvir António Costa dizer no fim-de-semana: “Os serviços públicos estão melhores.” Garanto-vos: só não digo ao primeiro-ministro que ele tem de tomar conta da minha filha em setembro, enquanto ninguém me diz nada, porque acho que ele ainda aceita. Era só o que mais me faltava.
David Dinis
Fonte: Editorial do Público
Nota:
Esta situação é caricata, injusta e hipócrita por parte do Ministério da Educação! Lamentavelmente, existem várias deste teor. Há aquelas em que o Ministério da Educação, numa aldeia do interior beirão, não aceita abrir uma segunda turma porque existem quatro alunos condicionais e, sem estes, não atinge os 18 previstos. No entanto, com esses 4 alunos passa a 19, incluindo três com necessidades educativas especiais. Na área de influência do agrupamento de escolas, existem 2 outros estabelecimentos de educação do 1.º ciclo do ensino básico com vaga, no entanto, são distantes, tornando-se impossível a deslocação dos alunos condicionais.
Certamente, não é desta forma que se valoriza e incentiva a fixação de pessoas no interior. Não basta aprovar um Programa Nacional para a Coesão Territorial (Resolução do Conselho de Ministros n.º 72/2016).
É preciso passar aos atos e cumprir o que se aprova, designadamente, as seguintes medidas:
Denominação - Perspetivar escolas com turmas mais pequenas.
Descrição da Medida - Realização de estudo prospetivo sobre o número de alunos por turma no sistema de ensino português (ao nível dos indicadores de abandono e insucesso escolar) tendo em vista flexibilizar o número de alunos por turma por forma a evitar a constituição de turmas compostas por vários anos letivos (1.º ciclo), e possibilitar, por concelho, a abertura de turmas por mais áreas curriculares e estimado o respetivo impacto orçamental.
Sem comentários:
Enviar um comentário