Exmo Senhor Ministro da educação
Ao longo da minha vida tenho lutado e continuarei a lutar para a inclusão das crianças com necessidades educativas especiais no ensino regular, porque acredito que o contacto diário com os pares facilita a aquisição de modelos de comportamento social apropriados, uma vez que estes se constituem como modelos de ação e de competências de interação.
A entrada em vigor do Decreto–Lei 3/2008, de 7 de Janeiro, destaca e valoriza o princípio de inclusão, no sentido de ser apresentada uma resposta à diversidade de características e necessidade de todos os alunos com necessidades educativas especiais, no pressuposto de uma individualização e personalização das estratégias educativas. A regulamentação destas medidas conduziu à obrigatoriedade da matrícula de todas as crianças nos estabelecimentos de ensino, com o direito de usufruir de um conjunto de apoios no âmbito da educação especial, dinamizados por recursos humanos com formação especializada, enquadrados num espaço devidamente organizado e estruturado, usufruindo de uma verdadeira inclusão, e sendo aceites e respeitados pelos seus pares
Hoje pedem-nos que vejamos as alterações a este projeto, com o titulo: -“Participação na discussão pública do Governo e o ME ao projeto de alteração ao DL 3/2008. “Assim apresento aspetos importantes, a considerar segundo a minha filosofia de intervenção. Sou professora de E.E. do quadro de escola, da EB23 de Valadares.
Tenho pós-graduação, mestrado, doutoramento e pós-doutoramento na área do autismo.
Segundo a minha opinião há um lapso muito grande quando se fala de escolas de referencia capitulo III, nos recursos específicos de apoio à aprendizagem e à inclusão, esqueceram-se de referenciar a problemática da síndrome do autismo
Nas escolas do ensino regular, só haverá sucesso na integração de crianças portadoras da síndroma autista, se as necessidades específicas destas crianças forem contempladas. Desta forma, os currículos, os programas e as formas de avaliação deverão ser devidamente adaptados às necessidades específicas de cada criança. Poderemos dizer que escolarização significa adaptações para o conforto e coerência das aprendizagens. A escola deverá procurar o equilíbrio para cada criança autista..
É conhecido que estas crianças necessitam de uma estrutura devidamente organizada de forma a compensar os seus défices ao nível da auto-organização e autonomia (proporcionando-lhes um ambiente previsível e indutor de conforto e segurança).
O grave problema é que todos confundem distúrbio do desenvolvimento, deficiência mental e autismo, estas problemáticas são independentes. É possível haver coincidências entre elas: algumas pessoas com deficiência mental podem exibir características autistas, mas em geral essas duas condições têm etiologias diferentes, requerem tratamento especializado e abordagem educacional especifica. Devem estar em unidades diferentes.
Presentemente, a realidade das unidades de autismo tem dificultado a intervenção de forma cientifica. A população destas unidades, estão lotadas com crianças com deficiência mental associado a características da síndrome de autismos, o que dificulta a intervenção, pois como referi estas problemáticas são diferentes.
Devido a este problema, os autistas muitas das vezes ficam sem o apoio devido e, como tal, podem agravar a sua problemática, porque uma criança com autismo, nasce autista, mas com a intervenção adequada pode evoluir e seguir os estudos, tornar-se num ser sociável e útil à sociedade.
Eu fui uma das mentoras das unidades de autismo e a filosofia que apresentei em 2000 ao Ministério da Educação da zona norte, antiga DREN, era bem diferente… As unidades foram criadas para dar resposta só a crianças com a síndrome do autismo (Kanner e Asperger)! Não era para dar resposta ao espectro do autismo…como sabem são casos, com síndromes com deficiência mental associada a características de autismo e não o contrário, autismo associado a deficiência mental. Hoje as unidades não passam de autênticas salas de apoio permanente e não um local de passagem, facilitador das aprendizagens, sociais e cognitivas.
Apresento algumas sugestões:
Deverá haver diferentes tipos de unidades, respeitando as suas etiologias e o perfil educacional dos alunos.
No que toca aos materiais, a minha sugestão vai no sentido de passá-los para formato multimédia onde o significado esteja associado ao significante e a palavra esteja sempre em simbiose com o objeto, fotografia real…, e nunca com símbolos, porque estes alunos inicialmente têm muita dificuldade na abstração.
No que toca à escola, a minha sugestão vai no sentido de se disponibilizarem mais recursos materiais e humanos para receber alunos autistas, promovendo a formação específica dos professores e disponibilizando professores de ensino especializado em autismo para integrar as turmas e auxiliar os professores a programar as aulas.
As unidades nunca devem ter mais de 6 crianças com “autismo”!
O espaço deverá ter no mínimo 2m2, por aluno.
O tempo, as disciplinas de inclusão, deverá respeitar o perfil do aluno, e cumprido! não pode ser quando dá jeito!
Considero ainda que os apoios específicos das disciplinas (antecipações e consolidações) deverão ser lecionados pelos professores das próprias disciplinas e que, na generalidade, é necessária uma atitude e expectativa mais positiva quanto à inclusão, por parte da comunidade educativa.
Com a comunicação e sucesso académico e emocional, as perspetivas para a vida futura das crianças com autismo alargam-se.
No artigo 21º, sobre o relatório técnico pedagógico no ponto 8 - acho impossível alguém apresentar um relatório no prazo de 20 dias, no caso da problemática do autismo, só alguém que não sabe o que é o autismo e que nunca trabalhou com estas crianças é que pode dizer tal barbaridade, estas crianças necessitam de tempo para demonstrarem o que sabem, necessitam de empatia com o avaliador, necessitam de confiança!
Em relação, ao artigo 32º, monitorização e avaliação no ponto 2 (…) cabe à Inspeção-Geral da Educação e Ciência…, não concordo, porque a maior parte dos colegas que fazem parte deste grupo, não lecionam há muitos anos, não têm consciência da realidade, só têm teoria …prática? Nenhuma!
Assim proponho que todas os docentes que integrem a Inspeção e que tenham que avaliar, deverão estar no terreno, deverão lecionar no grupo que irão avaliar.
Haverá mais aspetos positivos, creio que não necessito falar deles, sem dúvida! Mas infelizmente há alguns bem graves e negativos, como horários dos alunos, quantas horas estas crianças têm que estar na escola? O mesmo que os colegas ditos “normais”? ou têm que estar 8, 9 horas em salas, “unidade” …? Saindo de casa às 7h da manhã e chegando a casa ás 18h, 19h? O tempo da família, é só ao fim de semana?
O que se entende por inclusão sobre os direitos e deveres de cada ator no processo educativo? Porque é que não há especialização em autismo? Porque é que as especializações dos docentes, presentemente, são de 380, a 400 horas e muitas das vezes só pela Internet?
Muitas questões se nos colocam. Será que poderá ser atingida uma inclusão e normalização? Será que todas as pessoas com graves problemas de desenvolvimento podem estar na escola para todos? Será que os pais não têm o direito de decidir o que será melhor para os seus filhos? Será que não são eles que devem saber onde os devem educar? Será que o Estado não tem o direito de respeitar a opinião dos pais? Estas questões levam-nos a reflectir sobre esta problemática de inclusão, isto porque inclusão significa que as crianças e jovens com NEE estejam incluídas nas turmas, nas salas…não basta frequentar o mesmo espaço!
Concordo que as escolas não servem só para academizar, também servem para socializar, mas cabe aos pais decidirem!
A diferença deve de ser respeitada, todos temos o direito em estar no espaço, que nos dê a melhor resposta, em que acreditamos.
Enfim há tanta coisa a modificar, para que a inclusão não passe de uma simples utopia!
Atenciosamente
Noémia Coleta
Fonte: Texto retirado do Facebook (Zélia Marques)
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