O neurologista José Vale reconhece que é sempre “terrível e catastrófico” quando se confirma que uma pessoa tem a doença de Huntington. Ainda assim, o diretor de neurologia da Hospital Beatriz Ângelo (Loures) e especialista nesta patologia, defende que é fundamental um diagnóstico precoce. Apesar de não haver cura ou tratamento específico, saber que se tem a doença permite, por exemplo, poder optar por engravidar com o recurso a técnicas que permitem saber se o embrião tem ou não a mutação, para evitar passar a doença aos filhos.
Nesta segunda-feira dá entrada no Parlamento uma petição que tem como objectivo ver discutida em plenário a criação do 15 de Junho como o Dia da Doença de Huntington.
O que é a doença de Huntington?
É uma doença degenerativa com alterações motoras muito marcadas, mas também com alterações cognitivas importantes. Mas o que é mais disruptivo são as alterações psiquiátricas. Há alterações comportamentais brutais que tornam a doença mais dramática. São doentes difíceis de tratar, que antes se encontravam muitas vezes em hospitais psiquiátricos ou eram indigentes. A doença é hereditária e muito incapacitante e não há nenhum tratamento disponível até agora, a não ser para tratar sintomaticamente os movimentos involuntários que estes doentes têm. Estes doentes têm vários tipos de movimentos involuntários — coreia (uma espécie de dança), distonia (contrações involuntárias de segmentos corporais) e tiques (gestos mais complexos e repetitivos).
O tipo de mutação genética é um pouco particular porque não é por falta de nada num gene. O que há é uma repetição do gene que se multiplica e essa multiplicação é que faz com que a proteína produzida por esse gene, que foi baptizada como huntingtina por causa da doença, se agregue dentro das células e que cause a sua disfunção. A idade média de aparecimento é por volta dos 40 /50 anos e nas formas mais tardias não causa tantos transtornos. Mas se as pessoas viverem o suficiente vão sempre ter a doença.
Mas por haver muitos casos na mesma família não é mais fácil diagnosticar ou as pessoas procurarem saber?
A doença para estas pessoas tem um impacto enorme, porque estão em risco de vir a desenvolver uma doença que já viram no pai ou na mãe. É um trauma terrível e catastrófico. Depois, quando o próprio doente não sabe dizer que teve casos na família, há dificuldades de reconhecimento do ponto de vista clínico, porque a doença não se manifesta do mesmo modo. Às vezes as alterações psiquiátricas precedem as alterações motoras. Os doentes são muitas vezes rotulados como esquizofrénicos e psicóticos.
Do ponto de vista social era um ganho enorme se as pessoas tivessem a disponibilidade de fazer o teste genético. Do ponto de vista médico a forma mais fácil, não existindo um tratamento específico, seria fazer um registo das pessoas e reduzir o número de doentes através do diagnóstico preditivo nos embriões.
Há muitas pessoas a quererem confirmar se têm a doença antes de terem filhos para poderem seleccionar embriões e evitar a transmissão na gravidez?
Não, a maioria das pessoas continua a não procurar saber. Muitas só fazem o teste com a pressão da família. Do ponto de vista ético, a decisão do diagnóstico preditivo e pré-natal é complexa e, em última análise, desde que estejam informados, a vontade dos familiares em risco deve ser respeitada. Além que de os doentes muitas vezes só desenvolvem os sintomas em idades em que já tiveram filhos.
Os familiares dizem que estes doentes sofrem muito. Ao contrário de algumas demências, neste caso eles têm consciência do que está a acontecer?
Do ponto de vista cognitivo normalmente não estão muito deteriorados, têm é alterações do comportamento muito marcadas, até porque os comportamentos também são muito condicionados pela ansiedade e pelas limitações sociais que têm. Há uma questão inerente à própria doença e depois o estigma. A taxa de suicídios nestes doentes é enorme, até pela impulsividade que têm. Há um misto da própria doença e das reacções negativas em relação a ela.
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário