As últimas duas semanas foram de boas notícias para a escola portuguesa. Quer os resultados do TIMSS, quer os resultados do PISA revelaram uma melhoria global significativa dos desempenhos dos estudantes portugueses em leitura, matemática e ciências. Mais do que um dado pontual, aquilo que é crucial observar é a consistência da melhoria dos desempenhos, quando olhamos para os resultados desde 1995.
São 20 anos de melhoria progressiva, contínua e sólida. Este ano, o PISA causa um entusiasmo maior, dado que pela primeira vez Portugal se posiciona significativamente acima da média da OCDE. Não porque estejamos interessados num qualquer ranking de países, mas sobretudo por este ser um marcador interessante da robustez desta progressão. Esta evolução e a riqueza dos dados disponibilizados pelo PISA permitem-nos afirmar alguns pontos.
A visão negra sobre o sistema educativo português e as vozes que clamam que o ensino está cada vez pior, sem qualidade, não encontram respaldo nestes dados. Como muitos de nós há algum tempo dizem, a escola portuguesa tem melhor imagem externa do que interna, pelo que é preciso inverter o discurso de desvalorização da escola e dos seus atores.
Ao longo destes 20 anos de progressão, passamos muitos pelas equipas ministeriais, mas o corpo docente é essencialmente o mesmo. Quando a escola está de parabéns, os professores estão de parabéns. Também aqui há caminho a inverter. A sociedade portuguesa não reconhece devidamente o valor dos professores, o que é não apenas injusto, mas também não é suportado por estes dados agora revelados.
O PISA é, por natureza, multidimensional. Cruza dados das provas com variáveis contextuais, sociodemográficas, de relação com famílias, de práticas, de perceção sobre as escolas. Fá-lo bem. O insucesso escolar não tem causas únicas e, por isso, requer olhares sistémicos e convergência de políticas e decisões. Colocar o aluno no centro da promoção do sucesso obriga a que não se coloque toda a responsabilidade na própria escola, mas que haja responsabilidades partilhadas e convergentes entre escolas, comunidades e famílias. Cada um tem de saber onde o outro falha, para poder colmatar as falhas em vez de as constatar e lamentar. O insucesso é um problema complexo e, por isso, não tem nunca soluções simplistas.
A dissemelhança de resultados a ciências entre o TIMMS e o PISA (com descida nos resultados do 4.º ano e subida nos resultados dos alunos com 15 anos) mostra que é preciso analisar estes dados de forma complementar. PISA, TIMSS, avaliação interna, exames, provas de aferição são instrumentos de análise que se complementam. Os resultados contraditórios devem alimentar reflexão sobre se se estão a avaliar as mesmas dimensões e sobre a robustez dos diferentes instrumentos. Para referir apenas um exemplo, quando vemos que há uma progressão consistente dos resultados do PISA, mas os alunos portugueses não exibem o mesmo nível de progressão nos exames nacionais de 9.º e 12.º ano, devemos questionar as razões para esta assimetria e até avaliar os nossos próprios instrumentos de avaliação externa – um desafio para o Conselho Científico do IAVE.
O sistema sai enriquecido quando obtemos dados sobre mais disciplinas. A obtenção de dados sobre múltiplas literacias é crucial para o trabalho que se está a desenvolver, também no quadro da OCDE, sobre currículo, em particular no projeto Educação 2030. Percebe-se hoje que a falência dos sistemas educativos na promoção de atitudes e valores decorre de um estímulo a que os sistemas responderam nas últimas duas décadas. A educação servia apenas para gerar emprego e fortalecer a economia. Estes objetivos não podem ser abandonados, mas percebemos hoje que sem a mobilização de conhecimentos para uma cidadania ativa, não se dá uma resposta efetiva aos Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável aprovados pelas Nações Unidas, que não abandonam as metas económicas mas enriquecem-nas com compromissos de uma economia ao serviço da equidade, da igualdade e da sustentabilidade. Esta consciência obriga a que o olhar sobre o currículo seja mais abrangente e mais integrado, e por isso beneficiado pela obtenção de mais dados sobre outras áreas, tradicionalmente desvalorizadas.
O PISA é um modelo de avaliação por competências, de base marcadamente construtivista, na forma como os seus itens são construídos. Se reconhecemos o valor de provas que mobilizam conhecimentos desta forma, terá de haver coerência no discurso em torno dos pressupostos que subjazem à sua conceção. Não se pode um dia banir a palavra competência do sistema educativo e, no dia seguinte, enaltecer as provas que avaliam competências.
Estas provas internacionais são aplicadas a dezenas de países que se regem por documentos curriculares diferenciados. Esta constatação comprova a compatibilidade e complementaridade entre avaliação interna e externa e, sobretudo, a compatibilidade entre a existência de avaliação externa e flexibilidade curricular.
Quando resultados como estes são anunciados, é enorme a tentação de assacar responsabilidades pelos sucessos, esquecendo a responsabilização pelo insucesso ou atribuindo a responsabilidade pelo insucesso aos mesmos de sempre. Os governos estão na origem das políticas de sucesso, enquanto se atribui o insucesso a alunos, professores e famílias.
Além da afronta inerente, há alguma ingenuidade quando se acha que os sistemas educativos absorvem o impacto de políticas em dois ou três anos. Olhemos de novo para estes resultados: a melhoria é progressiva e consistente, resultado de políticas de muitos anos, de investimento direto e reforço em algumas áreas específicas do currículo, de planos de formação, de práticas locais constantemente melhoradas, de professores que investiram em si e nos seus alunos, de famílias mais motivadas para a educação face ao efeito transgeracional crescente e ao investimento na formação de adultos. Não há uma medida, há um compósito de contributos.
E, por isso mesmo, o sucesso escolar não tem dono. Não é deste ou daquele governo, não é desta ou daquela escola. Sempre que temos menos alunos retidos, sempre que a escola combate injustiças socias garantindo melhores aprendizagens para todos e em particular para aqueles que nascem em contextos em que tudo concorre para que a vida lhes corra mal, sempre que tal acontece, é o país que ganha. O sucesso escolar não tem dono, porque é um desígnio nacional e, por isso mesmo, é uma vitória para todo o país.
João Costa
Secretário de Estado da Educação
Fonte: Público
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