Uma das características da realidade portuguesa, evidenciada nos estudos do aQeduto, é a forte correlação entre o contexto económicos e social dos alunos e as suas perspetivas de sucesso escolar. Como podemos contrariar esta aparente fatalidade?
Um pouco por todo lado existe uma forte correlação entre a origem social dos alunos e o seu desempenho escolar. O problema que se põe com maior acuidade em Portugal traduz-se no facto de as desigualdades sociais serem muito mais acentuadas entre nós, comparando com a maioria dos nossos parceiros europeus. Mas não há nenhum determinismo incontornável. Um dos estudos desenvolvidos pela equipa aQeduto permite concluir que as melhorias registadas desde o primeiro teste [PISA, 2000] até ao último, cujos resultados são conhecidos [2012], se devem em grande parte ao contributo dos alunos que frequentam escolas inseridas em contextos socialmente desfavorecidos. São as escolas e os professores que podem fazer a diferença e atenuar os efeitos da origem social. Costumo dizer que as melhores escolas são aquelas que através do seu trabalho conseguem contrariar o aparente determinismo que a origem social dos alunos parece operar.
Parece já evidente que a retenção não beneficia o aluno e penaliza o sistema como um todo. Essa ideia foi interiorizada pela sociedade e, em particular, pelos docentes?
Apenas foram dados os primeiros passos na identificação do problema e na mobilização da sociedade portuguesa para a sua superação. Não se alteram as maneiras de pensar e agir, diria até as culturas, de um momento para o outro e muito menos por via administrativa. Será um longo caminho a percorrer. Quando se diz que "só passa quem souber", esquecemo-nos de perguntar porque é que não sabe, porque é que não aprendeu. Este é o foco de que não nos devemos desviar. Não basta ensinar, é necessário fazer aprender e ainda que reconheça que há alunos que por diferentes razões não aprendem ou não querem aprender, estamos muito longe desse núcleo residual de casos. Este é um desafio que leva anos até conseguirmos confinar o insucesso escolar a esse núcleo residual. Para isso precisamos dos professores, dos encarregados de educação, das escolas, das comunidades locais, das políticas e de convergência de propósitos de forma a assegurar a estabilidade desta opção estratégica.
A aposta no pré-escolar fará também a diferença a montante?
Faz alguma diferença, não faz a diferença. É com bons olhos que identifico a convergência de posições sobre a universalização do pré-escolar. Mas será bom lembrar que não há soluções mágicas. O alargamento da frequência do pré--escolar é indispensável, mas não é suficiente. Temos de atuar de forma sistémica em vários domínios, na formação pedagógica, na motivação dos professores, na responsabilização dos pais, no aperfeiçoamento do curriculum e, a mais curto prazo, nos normativos que regulam as transições de ano, enfatizando a lógica avaliativa de ciclo em detrimento da sua anualização.
A qualificação dos adultos, promovendo o interesse destes pela educação e, por analogia, pela educação dos seus filhos, é também um aspeto determinante?
É mais um contributo, mas não é determinante. Como lhe disse, a ação tem de ser sistémica e organizada sobre vários planos. Não podemos andar feitos baratas tontas à procura do fator determinante. Repare que um dos fatores com peso explicativo positivo é a escolaridade dos pais, com particular incidência a escolaridade das mães, e essa não se muda de um momento para o outro de forma voluntarista. As dinâmicas sociais que sustentam as desigualdades escolares mudam muito lentamente. Há que potenciá-las, sem dúvida, mas não chega. Mas se valorizarmos a educação e a escola sabemos que esse esforço se traduzirá, mais cedo ou mais tarde, numa diminuição das desigualdades sociais e estas refletir-se-ão sobre as novas gerações. A concretização do princípio da educação e formação ao longo da vida, de que a educação de adultos é uma via, ajudar-nos-á a ter melhores pais e, a partir daí, melhores alunos.
O corpo docente das escolas públicas portuguesas é bastante envelhecido, em particular no 1.º ciclo. Isto pode ser um obstáculo à implementação de políticas inovadoras?
O envelhecimento do corpo docente não pode ser considerado um estigma ou um fator de bloqueio à inovação pedagógica. A experiência é uma vantagem. O problema deve ser formulado de forma diferente: até que ponto um maior desequilíbrio etário entre professores poderá dificultar o processo de indução profissional e cultural das novas gerações de professores? O desgaste de um profissional ao fim de 30 ou 35 anos de carreira é uma realidade: maior cansaço e desmotivação, menor sensibilidade para lidar com situações de indisciplina, menor propensão para interiorizar as sucessivas vagas de inovações e mudanças escolares, etc. Então porque é que não se aproveita essa experiência para a supervisão e formação dos novos professores? Porque não são mais utilizados em tarefas de gestão e avaliação? Porque é que através de soluções colaborativas e de coadjuvação não se tenta mobilizar esses professores para qualificar as aprendizagens? O única receio que tenho em relação à desejável renovação da classe docente prende-se com a falta de critério na sua profissionalização. Terem acabado com a profissionalização em exercício foi um erro que se traduziu numa porta aberta à incompetência de alguns.
Fonte: DN
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