terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Pisa e a verdade das retenções

Na edição do jornal PÚBLICO de 6 de dezembro de 2016, um título chamou-me a atenção: “Ministro deu os parabéns aos alunos e professores pelos resultados no PISA”. Eu acrescentar-lhe-ia, “e teceu duras críticas ao sistema de retenção”, frase aliás já construída pela jornalista que escreveu o artigo “numa chamada de atenção ao próprio título”.

Os resultados no PISA poder-nos-ão deixar confrontados entre uma ou mais dicotomias: “Bons alunos vs. maus alunos”, “Alunos oriundos de grupos socioeconómicos mais favorecidos vs. provenientes de grupos socioeconómicos menos favorecidos”, “Mais inteligentes vs menos inteligentes”, enfim toda uma panóplia de interpretações que merecem ser examinadas. Num caso ou noutro, haverá que perceber os porquês.

No primeiro, os resultados muito positivos obtidos pelos alunos no PISA, embora fosse necessário proceder-se a um estudo dos fatores que levaram a tal desfecho, devem-se na maioria dos casos ao empenho dos professores (quanto a mim os “heróis” continuamente esquecidos neste país), ao esforço dos alunos e ao envolvimento das famílias.

No segundo, quanto à elevada taxa de retenções, o ministro Tiago Brandão Rodrigues foi direto ao assunto, atribuindo a responsabilidade “ao sistema” que parece não querer entender quais os fatores que lhe dão origem. No entanto, não seria assim tão difícil analisá-los, tendo em conta as características dos alunos alvo dessas mesmas retenções e as dos ambientes onde eles interagem. Caso o fizéssemos, chegaríamos com certeza à conclusão de que seriam os alunos com “necessidades especiais”[1] o alvo dessas reprovações. Basta dizer que, numa população escolar, em termos estatísticos, os estudos apontam para percentagens de 20 a 30% (alunos em situações de risco), 10 a 12% (alunos com necessidades educativas especiais) e 2 a 5% (alunos sobredotados).

Daí que, quando o ministro da Educação põe o dedo na ferida (o sistema) vá direitinho ao assunto. Mas, o dito “sistema” é, grosso modo, da sua responsabilidade e, assim sendo, devem ser as orientações emanadas do Ministério da Educação a fazer a diferença. Melhor dizendo, a prevenir as retenções. É que as retenções nunca foram a solução para o sucesso escolar. As retenções não são de todo uma prática saudável.

Um grande caudal de investigação diz-nos que elas só trazem consigo consequências negativas, lesivas dos interesses e direitos dos alunos. De entre uma vasta gama de consequências posso citar, por exemplo: o sentimento de insucesso, muitas vezes percecionado pelo aluno, como punição; o stress contínuo que o aluno experimenta ao ter de conviver com colegas mais novos, mais imaturos fisicamente, não entendendo porque não acompanhou os seus colegas que passaram para o ano seguinte; a repetição de muitas das mesmas tarefas académicas, colocando-o, tantas vezes, numa situação de letargia constante, de tédio permanente; a diminuição da sua autoestima.

Estas são algumas das conclusões que a investigação incessantemente refere, corroboradas por uma miríade de estudos cujos resultados não confirmam a hipótese, bem aceite por muitos professores e pais, de que ao reter-se um aluno ele virá a ter mais sucesso escolar. Pelo contrário, os estudos confirmam que os alunos retidos apresentam uma muito maior percentagem de abandono escolar (20 a 50% abandonam a escola), o que para muitos deles poderá significar toxicodependência, delinquência, desemprego e até prisão.

O ministro da Educação, no supracitado artigo do jornal PÚBLICO expressa bem o que atrás foi dito ao afirmar que as retenções têm “custos anímicos, simbólicos e sociais brutais”, para além dos “custos financeiros igualmente enormes – à volta de 250 milhões de euros por ano”. 

Sendo assim, que solução?

Como tenho vindo a afirmar há já vários anos, devemos, em primeiro lugar, ter em conta os problemas que o aluno está a experimentar, através de observações e avaliações cuidadas, quer do aluno, quer dos ambientes onde interage (escola, família, comunidade). Contudo, será na identificação precoce destes alunos (prevenção) e consequente elaboração de programações educativas eficazes, consentâneas com as suas capacidades e necessidades, que poderá residir a solução.

Caso contrário, como afirmou o ministro da Educação, “Um sistema orientado para a retenção, um sistema que a concebe como um castigo, com poucas hipóteses de redenção, será sempre um sistema iníquo”. Acrescentaria, será sempre um sistema que não respeita os direitos nem serve os interesses dos alunos, na maioria dos casos, com necessidades especiais.

[1] Aqui tidos como alunos cujos fatores de risco (ambientes socioeconómicos e socioemocionais desfavoráveis, negligência, abuso, gravidez na adolescência, entre outros) ou de ordem intelectual, emocional e física, podem afetar a sua capacidade em atingir o seu potencial máximo no que concerne a aprendizagem, académica e socioemocional, ou seja, alunos em situação de risco, alunos com necessidades educativas especiais e alunos sobredotados.

Luís de Miranda Correia

Professor emérito da Universidade do Minho

Fonte: Público

Nota: Destacado no texto da responsabilidade do autor do blog.

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