A capacidade de nos adaptarmos a uma realidade diferente, de construirmos a nossa história como seres únicos bem como de alargarmos as nossas raízes culturais está directamente ligada à aprendizagem e à memória.
Por exemplo, para aprender uma nova língua, um novo desporto ou uma nova forma de pensar os nossos neurónios estão a reorganizar-se. Estão a produzir mais, menos ou diferentes neurotransmissores (...) e a alterar ligações a outros neurónios.
Aprender implica a passagem de memórias de curto-prazo para longo-prazo, isto porque as memórias são instáveis! Cada vez que recordamos como se diz “olá” em mandarim (nǐ hǎo), forma-se uma memória diferente, há uma reconstrução.
Quando recordamos nǐ hǎo o cérebro divide a memória, atualiza-a, traz a memória à consciência e depois sintetiza novas proteínas para uma nova estrutura da memória à medida que esta regressa para longo-prazo, mais consolidada. Assim, a repetição ajuda a aprender.
Também o entusiasmo, a ingestão de hidratos de carbono, dormir 8 a 9 horas por dia e ainda a programação de aprendizagem inata (com a qual já nascemos) ajudam a aprender.
Na aprendizagem inata estão envolvidos os neurónios espelho (...) bem como a região temporal do córtex (um pouco acima das nossas orelhas) que nos permite reconhecer rostos familiares.
É fácil compreender que o entusiasmo ajuda a aprender pois temos tendência a recordar mais facilmente eventos que despoletaram uma resposta emocional. O cérebro aumenta o número de ligações “ON” de neurónios.
Quanto aos hidratos de carbono, são estes que fornecem glucose (energia) ao cérebro porque se transformam em glicoproteínas, moléculas que funcionam como uma “cola” entre as sinapses dos neurónios, facilitando as suas ligações, e claro, a aprendizagem.
Daí a extrema importância do pequeno almoço e de snacks ao longo do dia, principalmente em períodos de aprendizagem como as aulas. Está comprovado que dietas extremas dificultam a aprendizagem.
A importância de uma boa noite de sono, está diretamente relacionada com os tais períodos REM (movimento repetido dos olhos) e não-REM (...). Em período REM ou de sonhos, as ligações entre os neurónios que transportam a informação aprendida são fortalecidas.
Já no período não-REM, os canais de cálcio (proteínas envolvidas na “corrente elétrica” do neurónio) ficam mais ativos, ocorre mais atividade neuronal de reposição de informação, fortalecendo a memória de longo-prazo.
Para concluir, se olharmos para nós como seres feitos de moléculas e células bem pequeninas, talvez consigamos perceber que, a este nível, os processos de aprendizagem e memória que ocorrem em nós, humanos, são em quase tudo semelhantes aos de um molusco, como um polvo ou uma lula mas também uma amêijoa.
E muitas vezes, é por isto que outro tipo de seres vivos, que não só os humanos, são utilizados em laboratório para elucidar processos como este, da aprendizagem!
A elucidação destes processos vai contribuir para o tratamento de distúrbios de aprendizagem como dislexia (dificuldade de leitura, escrita e soletração), disgrafia (alteração da escrita), discalculia (dificuldade em compreender e manipular números), dispraxia (dificuldade em desempenhar movimentos correctamente - síndrome do desastrado) e défice de atenção com ou sem hiperactividade.
Estes distúrbios não implicam que o QI da pessoa seja baixo, muitas vezes acontece exactamente o contrário.
Ana Margarida Nunes
Licenciada em Biologia Microbiana e Genética pela Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e doutorada em Neurociências pelo King's College London em 2009.
In: Ciência Hoje
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