quarta-feira, 23 de maio de 2012

A dislexia das crianças e a dislexia dos que mandam. Crónica de Santana Castilho

O júri nacional de exames (JNE) recusou que a uma aluna de 14 anos fosse lido o enunciado do exame a que se submetia, obrigatoriamente. A aluna é disléxica. A leitura era prática seguida há anos. Aparentemente, a questão resume-se a saber se a um aluno disléxico devem ou não ser lidos os enunciados dos exames. O JNE diz que não. 

Os especialistas dizem que sim, pelo menos em casos determinados, dependendo da dificuldade do aluno. No caso em apreço, a escola da aluna recomendou a leitura. A terapeuta que a assiste também, aliás secundada pela respectiva direcção regional. Alega o JNE que os alunos disléxicos têm uma tolerância de 30 minutos relativamente ao tempo de duração das provas e são classificados segundo regras concebidas para que as suas limitações não se reflictam no resultado final. O JNE invoca uma generalização de abusos quanto a condições especiais, que se tornaram regra para alunos disléxicos. Da literatura disponível sobre a matéria inferem-se factos, a saber: a dislexia é uma limitação do foro neurológico, com diferentes graus de gravidade; uma dislexia moderada pode dispensar a leitura do enunciado dos exames, mas uma dislexia severa não; assim, alguns disléxicos podem cognitivamente dominar um saber e prová-lo se interrogados oralmente, embora não consigam entender ou sequer ler a pergunta, se esta for formulada por escrito. Num exame de Matemática, por exemplo, mede-se um conhecimento específico que um aluno pode deter em grau máximo, apesar da sua dislexia severa. Mas não o conseguirá provar se as questões estiverem escritas. Num exame de Português, o mesmo aluno pode ter uma fina capacidade de interpretar um texto complexo que lhe seja lido. Mas não entenderá coisa alguma se for obrigado a lê-lo. Pode o Estado certificar proficiência em leitura a um aluno com uma dislexia severa? Não. Mas não pode deixar que a limitação do aluno se reflicta noutras áreas do conhecimento, somando à respeitável penalização da natureza humana com que aquele aluno nasceu, outra penalização, desta feita nada respeitável. Porque entre o tempo em que se fechavam em galinheiros crianças deficientes e hoje houve um percurso, embora a tónica esteja agora posta em retrocessos a que chamam progressos. Não é redundante, por isso, recordar a alguns disléxicos que mandam que estão para breve mais exames a que se submeterão mais alunos disléxicos, com níveis de conhecimento que nunca poderão demonstrar se os econometristas da moda persistirem em confundir velocidade com toucinho, uma recorrente dislexia política dos tempos que correm.

Santana Castilho
Professor do ensino superior (s.castilho@netcabo.pt)
Parte da crónica publicada no jornal Público, mantendo a grafia anterior ao acordo ortográfico, retirada daqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

Sou um aluno de 12ºano a finalizar o curso de Ciências e Tecnologias na Escola Secundária de Nelas. Sou disléxico e no ano passado foi-me concedido o direito à leitura dos exames nacionais de fisico-quimica e biologia e geologia. Qual não é o meu espanto quando, hoje, sou informado de que este ano me é recusada a leitura dos exames nacionais de português e matemática. Ter dislexia não é uma opção minha. A disléxia é um um distúrbio genético e neurobiológico de funcionamento do cérebro para todo processamento linguístico relacionado à leitura e, como tal, é imprescindivel a leitura das provas que só por acaso vão decidir a minha vida académica. É frustrante e desconcertante o que o JNE fez comigo e com essa aluna do 9º ano. Será assim tão dificil entender que se eu ler a questão pouco ou nada entendo, mas se a questão me for lida eu entendo perfeitamente?

João Adelino Santos disse...

Caro "Anónimo"
Compreendo perfeitamente o seu desencanto e descontentamento. Penso que deveria manifestar a posição junto dos serviços centrais do ministério da educação, relatando a sua situação! Desta forma, talvez pudesse contribuir para alterar o panorama atual!
Boa sorte para os exames!
Abraço