O sonho de Christopher Reeve (1952-2004), que depois de ter protagonizado o regresso do Super-Homem aos ecrãs de cinema ficou tetraplégico devido a uma lesão da medula espinal, na sequência de uma queda de cavalo, poderá estar mais perto da concretização, a acreditar nos espectaculares resultados a publicar nesta sexta-feira na revista Science.
O cérebro e a medula espinal são capazes de uma certa recuperação após lesões de gravidade moderada — graças à “neuroplasticidade” do sistema nervoso, cujos circuitos são capazes de se adaptar e regenerar, restabelecendo as funções afetadas. Mas pensava-se até aqui que, em caso de lesões muito graves, em particular da medula espinal, essa recuperação era impossível. O trabalho que Grégoire Courtine e colegas, da Universidade de Zurique e do Instituto Federal de Tecnologia da Suíça, têm vindo a fazer nos últimos cinco anos está a alterar profundamente a compreensão das capacidades regenerativas do sistema nervoso central.
Os resultados agora obtidos — em ratos cuja medula espinal fora seccionada quase na totalidade, paralisando por completo as suas patas traseiras —, mostram que, em certas condições, é possível estimular a neuroplasticidade e a recuperação motora ao ponto de os animais voltarem a ser capazes de mexer voluntariamente as extremidades paralisadas. Para isso, afirmam os cientistas, é preciso “acordar” primeiro os neurónios da medula espinal, que ficaram “dormentes” ao serem desligados do cérebro devido à lesão.
Combinaram um tratamento de estimulação química e eléctrica com um treino num sistema robótico de reabilitação motora. Primeiro, injectaram nos ratos um cocktail de substâncias químicas que imitam a acção de neurotransmissores como a dopamina, a adrenalina ou a serotonina — ou seja, que imitam os efeitos dos sinais químicos que o cérebro envia normalmente à medula espinal. As substâncias excitaram os neurónios da medula que controlam os movimentos das patas, preparando-os para coordenar, nas fases seguintes da experiência, os movimentos voluntários da parte inferior do corpo.
Verdadeiros atletas
Cinco a dez minutos após a injeção, os cientistas estimulavam eletricamente a medula espinal dos animais via uma série de elétrodos implantados no espaço epidural (a camada mais exterior do canal espinal). Enviavam assim sinais eléctricos contínuos até aos neurónios previamente excitados pelo cocktail químico. “Restava agora iniciar o movimento”, explica Rubia van den Brand, co-autora, em comunicado.
Nesta terceira fase, graças a pequenos coletes, os cientistas “penduraram” os animais a um dispositivo robótico que os mantinha erguidos sobre uma plataforma, com o peso totalmente suportado pelas patas traseiras, e que só se ativava para os manter de pé se eles perdessem o equilíbrio. O sistema permitia ainda que os animais pudessem andar para frente de sua livre vontade. E de facto, quando os cientistas colocaram bocadinhos de chocolate na outra ponta da plataforma, os ratos começaram a querer andar — e a andar mesmo.
“Após umas semanas de neurorreabilitação com essa combinação de arreio robótico e estimulação electroquímica”, explica Grégoire Courtine, “os nossos ratos não só iniciavam voluntariamente a marcha, como depressa começaram a correr, a subir escadas e a evitar obstáculos”.
Quando os cientistas examinaram o que tinha acontecido ao nível microscópico no sistema nervoso dos animais, constataram “que as fibras nervosas na medula espinal e no cérebro tinham quadruplicado”, diz Janine Heutschi, outra co-autora. E mais: as novas fibras tinham contornado a lesão medular, permitindo que os sinais vindos do cérebro atingissem a zona da medula espinal onde estavam situados os neurónios previamente excitados. Para Courtine, este crescimento nervoso reproduz, de certa maneira, o que acontece na infância durante o desenvolvimento dos animais.
“Isto é um campeonato da reabilitação!”, exclama este cientista. “Os nossos ratos, que poucas semanas antes estavam completamente paralisados, tornaram-se atletas. E estou a falar em 100 % de recuperação do movimento voluntário.”
Há razões, afirmam, para acreditar que as pessoas paralisadas devido a lesões da medula espinal possam vir um dia a beneficiar destes resultados. Courtine estima que os ensaios clínicos de eficácia em seres humanos poderão começar dentro de um ou dois anos.
In: Público online