Eles não leem. Esta entidade na terceira pessoa do plural são os alunos, sobretudo adolescentes, e a afirmação constitui uma lamentação que ecoa pela sala de professores de dezenas de escolas do país. Se a educação implica, e muito, o exemplo, no contexto deste persistente desabafo que se repete em tantas escolas, talvez não seja descabido perguntar se o verbo ler se aplica com a devida frequência ao desejo leitor dos próprios professores. Eu sei: existe a falta de tempo, as pilhas de testes a corrigir, a burocracia que tantas vezes substitui a possibilidade de conhecer os alunos reais, as viagens entre a casa a escola com quilómetros a mais. Mas ainda assim, permitam-me a provocação: E os professores leem?
Os obstáculos acima mencionados são reais, é preciso reconhecê-lo. No entanto, no contexto educativo, o amor, o exemplo e o entusiasmo são meio caminho andado para se tocar na alma dos alunos. O entusiasmo como todas as emoções é contagiante e se eu tiver amor e entusiasmo pelos livros que leio e partilhar esse entusiasmo com os meus alunos poderei arrastá-los um pouco mais para a leitura. Transformar os grandes clássicos da literatura portuguesa em histórias antes de os analisar, assinalar os seus aspetos divertidos com genuíno interesse, trazer sempre um livro e falar dele com prazer são atitudes que talvez ajudem a criar leitores.
Formar professores leitores é a base para se formar jovens leitores
Eu sei! Existe o programa a cumprir e os exames que os alunos têm de passar. Mas a literatura que se ensina na escola não pode ser um instrumento de tortura pedagógica que afasta os jovens da literatura e o ensino da literatura não se pode reduzir à memorização das respostas certas às perguntas do professor sobre a obra a estudar, às perguntas dos testes, às perguntas dos exames. Cativar alunos para a leitura, criar leitores numa sociedade de informação rápida e cada vez menos refletida é fundamental para criar cidadãos. A literatura, segundo Chomsky, possibilita uma introspeção muito mais profunda às pessoas do que qualquer outra ciência o pode fazer. A literatura como se sabe não salva o mundo. Não foi por se ter escrito a Ilíada ou a Guerra e Paz que deixaram de existir guerras no mundo (basta ver as notícias!). Nem deixaram de existir grandes desigualdades sociais depois da escrita de Oliver Twist por Charles Dickens ou de Germinal por Emílio Zola. No entanto, a literatura, seja a ficção, seja a poesia, assenta num jogo interativo entre a razão e a emoção e, nessa medida, facilita a compreensão dos sentimentos e contradições humanas, ajudando assim a auto compreensão e o desenvolvimento da empatia pelo outro e pelo diferente.
Para a progressão na carreira os professores têm de frequentar cursos, cujo impacto nas práticas educativas raramente é avaliado. Por que não substituir alguns desses cursos por clubes de leitura com leitura e discussão de livros de ficção e de grandes mestres de pedagogia? É uma ideia que sei que nunca sairá das estreitas páginas desta crónica e, no entanto, talvez pudesse ajudar a formar professores leitores que são a base para a criação de jovens leitores.
Ana Cristina Silva
Fonte: DN
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