sábado, 20 de janeiro de 2024

Escola inclusiva? Tem dias… e agrupamentos

"Há crianças com diabetes, com necessidade de injeções de insulina, que são dadas por assistentes operacionais sem formação para o fazer.” Esta frase/alerta foi publicada no Diário de Notícias na passada quarta-feira, 17 de janeiro, e é da autoria de Rui Moreira presidente da Associação de Pais da Escola Secundária Sebastião da Gama e presidente do conselho fiscal da Federação Concelhia de Setúbal das Associações de Pais.

Rui Moreira comentava desta forma a denúncia por parte da Federação Nacional dos Professores (Fenprof) da falta de recursos nas escolas públicas para acolher de forma condigna os alunos com necessidades educativas especiais.

A Rui Moreira juntou-se Filinto Lima (presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas), também ele a garantir que a “Educação Inclusiva é o parente pobre da Educação” e que esta devia ser uma área em que os “Governos deviam investir”.

A denúncia da Fenprof nem sequer é nova e nem surpreende quem vai acompanhando o setor da Educação em Portugal. Infelizmente, o caso das crianças diabéticas não é único - conheço casos desde o Pré-escolar até jovens mais velhos - , há alunos com necessidades de acompanhamento específicas, por exemplo disléxicos, que são tratados como “mais um” na turma, quando deviam ter testes com modelos específicos, além de outras adaptações. Mas estas só alguns conseguem ter e depois de muitas reuniões com diretores de escola e documentos de psicólogos pagos pelos pais em consultórios privados.

A questão dos psicólogos é uma das mais críticas no sistema: há exemplos de agrupamentos escolares com mil alunos e um/dois psicólogos. Que, parece óbvio, não conseguem fazer nenhum acompanhamento digno desse nome.

Podemos, também, falar de alunos com necessidades mais profundas que obrigam a ter uma auxiliar só para os acompanhar. Recurso esse que, em muitas escolas, não existe, pois as câmaras municipais não dispõem de pessoal suficiente para colocar nesses estabelecimentos.

Há casos dramáticos e outros que até poderiam ter graça não fosse a tristeza da situação. Conto um: há uns anos, por questões familiares, soube de uma escola em Lisboa que tinha sido remodelada pela Parque Expo numa intervenção considerada tão boa, que até serviu de palco para uma série juvenil. Só que tanta beleza escondia um problema: a sala para as crianças com deficiências ficava no 1.º andar e aí se chegava pelas escadas ou pelo elevador. Na realidade, pela escada pois o orçamento para pagar a eletricidade não chegaria a meio do ano caso o elevador estivesse ligado.

Não sei quem decidiu colocar uma sala para acolher crianças de cadeira de rodas e com outras necessidades motoras num 1.º andar e menos sei quem decidiu o orçamento, mas se a primeira ainda se podia aceitar caso houvesse elevador, já a atribuição da verba sem atender a essas especificidades nem merece comentários.

Estes são alguns exemplos de que, apesar do esforço de educadores, professores e auxiliares, as nossas escolas públicas, na sua generalidade, ainda têm um longo caminho a percorrer na tal “inclusão”. Uma tarefa que depende praticamente a 100% ao setor público, pois nem todos os privados têm meios, e não só, para acolher estas crianças.

Quando vamos entrar em campanha eleitoral talvez fosse uma boa ideia ver nos programas dos partidos o que pensam para o setor da Educação - lembrem-se dos maus resultados do PISA (Programme for International Student Assessment, desenvolvido pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico em que, por exemplo, os resultados dos jovens de 15 anos na disciplina de Matemática caíram 20 pontos) e das Provas de Aferição que mostraram que, de facto, há muito a melhorar? E nem focamos os problemas da colocação dos professores, dos reajustamentos de carreira - em que quem ficou “congelado” está a ser ultrapassado por colegas que entraram mais tarde no sistema - e da pouca atratividade da profissão.

Regressando ao período de promessas, espero que este retrato do que se passa nas escolas nacionais - apesar do esforço de muitos profissionais - seja visto com muita atenção pelos partidos. É que dizer que em Portugal já se fazem testes com recurso ao computador quando há quem nem computador tenha, não mostra um país desenvolvido...

Carlos Ferro, Editor executivo do Diário de Notícias

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