Já escrevi sobre o modelo de recrutamento e qualificações, e o aumento dos salários dos professores. Neste texto quero olhar para a forma como os professores trabalham, introduzindo modelos de trabalho remoto e flexível.
A História parece jogar a nosso favor. Por um lado, as inovações tecnológicas recentes, em particular os avanços da inteligência artificial generativa (como o famoso ChatGPT), prometem revolucionar o sistema de ensino a médio e longo prazo. Se forem bem aproveitadas, essas inovações podem, já a breve trecho, genuinamente libertar os professores de muita papelada, e de tarefas burocráticas e repetitivas. Por outro, a pandemia obrigou-nos a mudar a relação com o local de trabalho, trazendo maior flexibilidade e dimensão remota a muitas profissões.
No nosso imaginário, a ideia de os professores trabalharem em casa é estranha. Quando pensamos em professores, pensamos em alguém sempre na escola, pois é lá que estão os alunos, as salas de aula e os quadros, sejam estes a giz, a caneta ou eletrónicos. No entanto, se olharmos com atenção, concluímos que uma parte muito significativa do dia de trabalho de um professor é passado numa secretária, a tratar dos mais variados assuntos. Porque não podem os professores ter flexibilidade, se assim a quiserem, para desempenhar essas tarefas de casa?
O primeiro passo é explicitar o que queremos dizer com «trabalho flexível». Pensamos em modelos como dar aulas de manhã e trabalhar de casa à tarde, ou acumular as horas letivas em quatro dias e trabalhar o quinto em casa. Outra possibilidade é fazer horas concentradas, ou seja, trabalhar uma hora a mais quatro dias por semana, e com isso não trabalhar na tarde do quinto dia — bem como usar certo número de dias por ano para tratar de assuntos pessoais ou familiares. Incluímos também, claro, sistemas mais simples, como o trabalho a tempo parcial (part-time) ou aposentações progressivas e faseadas. Apesar de evidente, é importante clarificar que, salvo o part-time, em que de facto se diminuem o número de horas trabalhadas, nenhum desses mecanismos reduz os rendimentos dos professores.
Um estudo recente, publicado pela reputada Education Endowment Foundation, analisou esta questão ao pormenor, precisamente com o intuito de perceber como pode o trabalho flexível contribuir para o recrutamento e retenção de professores. Teve por base 27 estudos recentes, publicados entre 2019 e 2023, a que juntou entrevistas, e a análise de 20 documentos com guias e melhores práticas de implementação desses modelos de trabalho.
Os investigadores realçam a perceção de que o trabalho flexível pode contribuir para o recrutamento, assim como para a retenção e bem-estar dos professores já no sistema de ensino, apesar de ainda não haver evidência robusta causal sobre o impacto destes modelos laborais nas escolas.
Contudo, a literatura aponta para quatro elementos positivos. O primeiro é o aumento do bem-estar e satisfação no trabalho. Em seguida, nota-se um efeito positivo na assiduidade, a produtividade e motivação dos docentes. Em terceiro, há maior disponibilidade de tempo e uma melhoria do desempenho dos professores. Por fim, contribui ainda para a progressão de carreira, diversifica o corpo docente e reduz as disparidades de rendimento entre géneros, fator importante tendo em conta o enorme impacto, em alguns países, da maternidade na carreira docente.
Naturalmente, apontam-se também algumas barreiras sentidas ao implementar o trabalho flexível. As mais presentes na literatura são problemas relacionados com a cultura da escola. Os diretores também se dizem preocupados com o facto de o trabalho flexível poder gerar inconsistências letivas que prejudiquem os alunos — e tornar a gestão de recursos humanos impossível, caso muitos professores adiram a esses modelos de trabalho. Por seu turno, os próprios professores, sobretudo mulheres, receiam que requerer trabalho flexível lhes possa prejudicar a carreira. Outras barreiras assinaladas são a dificuldade de articular os horários das aulas, os impedimentos financeiros (pode sair mais caro ter dois professores em tempo parcial que um só a tempo inteiro) e, claro, a falta de mão de obra.
A boa notícia é que o referido relatório aponta boas práticas e exemplos de casos em que o trabalho flexível foi bem-sucedido justamente por conseguir contrariar as barreiras assinaladas. São disso exemplos o apoio dos diretores, e casos em que a escola criou deliberadamente uma cultura que dá prioridade à valorização e bem-estar dos professores. Parece também benéfico este modelo ser implementado pela escola como um todo, de maneira sistemática, com regras e diretrizes estabelecidas e comunicadas de forma simples, clara e transparente.
Ser professor deve ser das profissões mais importantes e difíceis. Há, aliás, estudos a sugerir que a intensidade do trabalho dos professores é superior à dos advogados e profissionais de saúde, e que os níveis de stresse são semelhantes aos dos bombeiros e condutores de ambulâncias. O trabalho remoto e flexível parece ser uma excelente oportunidade de darmos melhores condições de trabalho aos nossos professores, e de garantirmos maior equilíbrio entre vida profissional e pessoal, numa altura em que tão pouca gente quer abraçar esta carreira. Seria uma boa estratégia para modernizar a classe docente e convencer mais jovens a juntarem-se à profissão que molda o futuro do nosso país.
* As opiniões expressas neste artigo são exclusivamente do autor e não refletem os princípios ou posições das organizações às quais está associado. O autor trabalha numa organização sem fins lucrativos em Inglaterra, especializada em desigualdades no sistema de ensino e acreditada para dar formação inicial e contínua a professores.
Miguel Herdade
Fonte: Iniciativa Educação
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