terça-feira, 5 de setembro de 2023

A Inteligência Artificial na Educação

Nos últimos meses aumentou a preocupação de que a IA (https://www.publico.pt/inteligencia-artificial) possa substituir os professores e torne o seu papel obsoleto. Apesar de ser compreensível, esta é uma visão redutora sobre o potencial das ferramentas que temos à nossa disposição. Os avanços na tecnologia trazem finalmente a oportunidade para que os professores e os alunos se possam focar naquilo em que realmente fazem a diferença: a aprendizagem com significado e o desenvolvimento de competências pessoais. Estas ferramentas não são um substituto, mas sim um complemento ao trabalho dos professores no processo complexo que é a educação. E são, potencialmente, um grande equalizador social: imagine-se que todos os alunos, independentemente da situação económica da família, tivessem acesso a um explicador pessoal, sempre disponível, gratuito e com toda a paciência do mundo.

O impacto do desenvolvimento e implementação destas ferramentas pode ser muito grande, apesar de ainda estarmos relativamente no início desta era. Mas não podemos perder tempo. Temos uma obrigação para com as gerações futuras de liderar esta mudança, o que requer coragem para inovar e correr riscos.

Já há algumas aplicações interessantes de IA na educação que nos podem servir de inspiração.

Na Universidade de Harvard, (https://www.publico.pt/2012/05/04/p3/noticia/mit-e-harvard-oferecem-cursos-gratis-online-1813287) o famoso curso CS50 (Computer Science), que conta com mais de 40.000 alunos online e centenas on-campus, planeia a utilização de IA para ensinar programação, corrigir trabalhos e dar feedback personalizado a cada aluno. Com o desenvolvimento deste assistente virtual, o objetivo é dar aos alunos um apoio mais personalizado e rápido e, ao mesmo tempo, libertar tempo dos assistentes para que possam fazer mais sessões individuais com os alunos.

Um outro exemplo que nos inspira é o Khanmigo, um tutor para os alunos e um assistente para os professores lançado pela Khan Academy. Para quem não conhece, a Khan Academy é uma organização sem fins lucrativos que tem como objetivo disponibilizar educação de qualidade para todos. O que é particularmente interessante é que este assistente virtual não foi criado com o objetivo de dar respostas mas sim de ajudar os alunos a pensar e colocá-los na direção certa para resolver os problemas. Um exemplo dado pelo fundador da Khan Academy (https://www.publico.pt/2023/04/10/impar/opiniao/videos-educativos-sera-funcionam-2045234), Salman Khan, durante uma TED Talk, mostra uma aluna a utilizar o Khanmigo para interagir diretamente com a personagem do livro The Great Gatsby e perguntar-lhe diretamente “porque é que continuas a olhar para a luz verde do outro lado do lago?”. Também é referido como um outro aluno é guiado na multiplicação de polinómios, sem que lhe seja dada a solução mas apenas pistas para corrigir os seus erros. Ou como outro aluno pode utilizar este assistente para co-criar uma história de terror, onde ambos vão desenvolvendo ideias e escrevendo o livro.

Na Miles in the Sky, uma startup que lançámos há dois anos, estamos também a utilizar IA para criação de conteúdos, análise do progresso e dificuldades dos nossos alunos e gestão das nossas comunidades. Estamos igualmente a desenvolver um chatbot assistido por IA que permite fornecer feedback personalizado ao aluno, facilitar a exploração de conceitos e registar as dificuldades para que o professor/tutor consiga agir sobre elas. O aluno pode pôr as suas questões diretamente ao chatbot, recebendo uma resposta acompanhada de um pequeno tutorial que o ajudará na compreensão e exploração do tema em que há em comum em todos estes exemplos é a preocupação em ajudar os alunos, através de uma experiência melhor e mais adaptada às suas necessidades individuais, permitindo aos participantes (professores, pais, gestores de comunidade, etc) mais tempo para se dedicarem a outras atividades com maior impacto.

“The big picture”

A nossa educação tem sido direcionada para aquilo que conseguimos medir, seja em testes ou em exames. O dia a dia dos alunos e dos professores é dedicado, em grande parte, à preparação para este tipo de exames. Ainda que isto possa não parecer um problema, podemos olhar para exemplos como o de Singapura, para perceber que a longo prazo é muito relevante. Em Singapura, durante vários anos, existiu um foco em que os alunos fossem os melhores em todo o tipo de exame.

De forma consistente, os alunos de Singapura ficam nos primeiros lugares dos exames internacionais (e.g PISA - Program for International Student Assessment; (https://www.publico.pt/2016/12/06/sociedade/noticia/o-que-e-o-pisa-1753796) TIMSS - Trends in International Mathematics and Science Study). O problema atual é que as diferentes áreas de negócio em Singapura estão a mover-se para trabalhos mais criativos e, ao fazê-lo, percebeu-se que os alunos não estão a conseguir adaptar-se. No livro “Lifelong Kindergarten”, um empresário explica ao autor, Mitchel Resnick, que os seus colaboradores conseguem executar de forma exemplar tarefas bem definidas, semelhante ao que aprenderam na escola. Porém, quando situações novas surgem, mesmo os alunos que tiveram excelentes resultados nestes exames internacionais têm muita dificuldade em adaptar-se a novas realidades e problemas. O Ministério da Educação de Singapura percebeu isto e fez um esforço para implementar medidas que pudessem mudar a situação.

As escolas estão agora a experimentar novas formas de ensino, num esforço para introduzir novos elementos no dia a dia destes alunos.

Algo que devemos ter em atenção: o que conseguimos medir nem sempre é o que deveríamos ensinar. A IA dá-nos a oportunidade de resolver este desencontro porque expande o que conseguimos medir. Podemos assim transformar a avaliação tradicional numa ferramenta de feedback positivo para que os alunos possam melhorar a sua experiência, em vez de ser um fim em si mesmo. Na Universidade de Wharton, um Professor de Empreendedorismo colocou o ChatGPT a dar feedback a “pitches” de negócio feitos pelos alunos. Podemos disponibilizar aos alunos tutores virtuais que estejam preparados para desafiá-los a nível de pensamento crítico, de auto-consciência ou mesmo da criatividade.

Sabemos que o meio sócio-económico dos alunos tem sido determinante no seu sucesso escolar. Ter pais com curso superior, poder pagar explicações ou ter acesso a uma escola privada cria uma vantagem enorme. A IA pode permitir que todos os alunos tenham acesso a uma educação personalizada de qualidade, independentemente do seu background familiar. Se considerarmos que estas ferramentas podem realmente ser disponibilizadas em larga escala, temos à nossa frente a capacidade de tornar alunos médios em alunos excelentes. O impacto social seria enorme. A educação poderia ser finalmente o elevador social com que tanto sonhamos.

O que devemos fazer agora

As possibilidades que temos para melhorar o nosso sistema de ensino são tantas que pode ter o efeito perverso de acabar por não mudar nada. Gostávamos de apresentar algumas ideias para os vários atores no sistema educativo. Para os professores, acreditamos que é importante preparar e abraçar uma mudança naquilo que são as suas responsabilidades. O papel de um professor é ainda mais importante nesta altura mas não da forma que tem sido tradicionalmente. Não é tanto serem os detentores da informação e conhecimento, mas sim serem catalisadores de motivação e curiosidade dos alunos. Ajudá-los a descobrir estas ferramentas e como utilizá-las melhor para as suas necessidades individuais. Cabe a cada um dos professores ser um elemento positivo, tomar riscos e experimentar abordagens novas enquanto ajudam as suas respectivas instituições de ensino a adotar estas novas metodologias. É desafiante mas será possível se, ao utilizarem IA para algumas das tarefas atuais, libertarem tempo para outras.

Para as instituições de ensino, o objetivo é bastante simples, ainda que não seja necessariamente fácil: ajudar os professores e os alunos a terem acesso a estas inovações. Isto implica uma grande mudança de atitude das escolas: procurar modelos alternativos e correr riscos.

Por fim, para os alunos e as suas famílias, importa perceber que a educação de amanhã vai ser radicalmente diferente. As necessidades e características de um profissional não são as mesmas que foram até hoje e, portanto, precisam de caminhar numa direção diferente. Precisam de aprender a aprender. Perceber que têm a responsabilidade de aprender e que isso não se resume aquilo que se passa na sala de aula. Existe imenso talento e capacidade de desenvolver soluções que nos podem colocar na liderança da educação a nível mundial.

Pedro Santa Clara e Ricardo Pereira

Fonte: Público

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