Rita reconhece que é importante saber lidar com as emoções. Parar para as compreender. Só depois agir. Mas a jovem de 14 anos é mais de “ir no calor do momento” e reagir instintivamente. Por isso, é com dificuldade que se vê a pôr em prática as técnicas de regulação das emoções transmitidas durante a sessão de promoção de bem-estar mental a que acabou de assistir.
O psicólogo Pedro Palrão, de microfone na mão e comando para o projector na outra, foi o maestro das emoções nesta manhã. Acompanhamos uma das sessões do programa Por Ti – um projecto para a promoção do bem-estar mental nas escolas, que vai envolver mais de 42 mil alunos entre os 12 e os 15 anos – que juntou duas turmas de 8.º ano da Escola Secundária Braamcamp Freire, na Pontinha, Lisboa, num auditório, para falar sobre saúde e bem-estar mental.
“Não vou ensinar nada de novo”, começa por dizer o psicólogo, que antes de integrar o projecto já trabalhou em contexto escolar e também em instituições de solidariedade social. Naquela sala, todas as opiniões são válidas. “Dizem respeito às vivências de cada um.”
A primeira dinâmica é a seguinte: levanta o braço quem concorda. E as frases vão surgindo no quadro.
“Bem-estar mental significa estar sempre feliz.”
Silêncio. Não há mãos no ar. O cenário é semelhante durante a maioria das afirmações seguintes. Todas dizem respeito a bem-estar mental e o seu significado. Com sorrisos envergonhados e meio afundados nas cadeiras, ainda tímidos, os jovens vão entrando na dinâmica pouco a pouco.
“É melhor não falar sobre os meus problemas e emoções, porque ninguém vai compreender.”
Eis que se levantam alguns braços em sinal de acordo. Para Matilde, “é melhor não falar porque as outras pessoas ou não vão realmente perceber, ou não se vão importar”.
Já Bruno prefere falar sobre os assuntos que o incomodam. “Há pessoas que compreendem as nossas ideias.” Há ainda quem acrescente que “é melhor falar para desabafar, arranjar soluções e compreender” e que existe “sempre alguém que vai querer ver as pessoas bem e importar-se com elas”.
“É fácil ter bem-estar mental na escola.”
Mais uma vez, ninguém concorda. “Às vezes, temos receio que as pessoas possam gozar-nos”, atira Matilde. “Não é fácil ter bem-estar mental na escola, porque temos pessoas que podem gozar connosco, dizer que é drama”, completa Leonor, sentada ao lado da colega.
“O panorama é quase sempre este”, explica Pedro Palrão já no final da sessão. “Acho que ficou claro com essa frase. São muito poucos os alunos que levantam o braço e isto é claramente indicador de que é uma faixa etária que precisa muito de falar destas questões, de estar sensibilizada para a importância de preservar o seu bem-estar mental e de ajudar no bem-estar dos outros.”
Para o demonstrar, Pedro Palrão usou um exemplo durante a sessão: se numa fruteira há uma peça de fruta que está a apodrecer e decidirmos ignorá-la, a tendência é que isso se alastre às outras. “Connosco passa-se o mesmo. Se, quando nos sentirmos tristes, decidirmos ignorar e não lidar com essa emoção, a tendência vai ser para que ela se alastre e fiquemos ainda mais tristes.”
“De vez em quando sinto-me triste e tento ignorar”
Carolina, que assistiu à sessão que se prolongou durante cerca de duas horas, destaca precisamente esse ponto, no final: “Acho que aquilo da tristeza está a acontecer muitas vezes comigo.”
“De vez em quando sinto-me triste e tento ignorar. Só que se vai espalhando e fico ainda mais triste.” A jovem, também de 14 anos, está à espera de vaga para conseguir uma primeira consulta de Psicologia. Rita também nunca teve nenhuma consulta da especialidade.
De acordo com um estudo do Ministério da Educação publicado há quase um ano, um terço dos alunos portugueses apresenta sinais de sofrimento psicológico e metade dos professores também. Quanto mais velhos são os estudantes, mais tristes, irritados ou nervosos se manifestam, concluiu essa investigação.
O programa Por Ti vai prolongar-se ao longo dos próximos quatro anos, segundo a entidade que financia o projecto, a Z Zurich Foundation, que, no terreno, vai trabalhar em parceria com a Unidade de Psicologia Clínica Cognitivo-Comportamental (UPC3) e a EPIS – Empresários pela Inclusão Social. A intenção é que chegue a cerca de 100 estabelecimentos escolares de Portugal continental, com a inclusão no programa não só de alunos, mas também de professores, não docentes e famílias.
Suzana Loureiro, professora e mediadora da EPIS naquele estabelecimento de ensino, dá conta disso. “Eles vieram diferentes [depois dos confinamentos a que a pandemia de covid-19 obrigou]. Como professora, sinto que querem tudo muito mais rápido, estão menos pacientes. Andam mais nervosos.”
Falar sobre saúde mental era importante
Também a directora da escola concorda com a urgência em falar sobre saúde e bem-estar mental nas escolas. “Acabamos de vir de uma pandemia, depois foi a guerra na Ucrânia e isso reflectiu-se em todos nós, mexe connosco, não só com os alunos, também com professores, pais, não docentes. Portanto, sentimos necessidade de haver este debate sobre o bem-estar mental. Era importante falarmos sobre isto”, defende Rosa Fernandes.
Pedro Palrão explica, por sua vez, que a adolescência é uma fase em que há “muitas oscilações nas emoções”. Importa saber lidar com elas. “Se normalizarmos estas oscilações emocionais, acaba por ser benéfico para promover a saúde e o bem-estar mental também”, acrescenta.
Linhas de apoio
SOS Voz Amiga
(entre as 16 e as 24h00)
213 544 545
912 802 669
963 524 660
Telefone da Amizade
228 323 535
Escutar - Voz de Apoio – Gaia
225 506 070
SOS Estudante
(20h00 à 1h00) 969 554 545
Actualmente o atendimento é via Zoom, com o ID: 864 9928 3163, das 22h à 1h
Vozes Amigas de Esperança
(20h00 às 23h00)
222 080 707
Centro Internet Segura
800 21 90 90
Conversa Amiga
808 237 327
210 027 159
Telefone da Esperança
222 030 707
Entramos, então, na segunda dinâmica da sessão: “Músicas que nos tocam.” O som começa. Que emoção te despertou? Que pistas no corpo? Em que situações é que te costumas sentir assim? Estas são as questões postas por Pedro Palrão aos alunos. O primeiro som que ouvem, de música clássica, é-lhes estranho. “Isto é uma música?”, pergunta um menino em jeito de piada.
“É quase como se tivessem de andar com uma máscara”
Parece-lhes que esta banda sonora terá alguma coisa que ver com “medo”, “raiva”, “perseguição” e há até quem diga que “parece que estão a partir coisas”. Entramos no campo das emoções primárias. E estamos a conhecê-las para as compreender. Medo, raiva, tristeza e alegria são as emoções destacadas. “O importante é controlarmos nós as emoções e não elas a nós”, diz o psicólogo à turma.
Se é certo que “ninguém tem um comando” para as desligar, há estratégias para que os alunos não deixem “o balão das emoções” perto de rebentar. Relativizar, observar, nomear e dar a mão às emoções, esperar antes de agir, receber e dar apoio, inspirar e expirar são alguns exemplos deixados aos adolescentes na sala por Pedro Palrão. E tentar ser mais empático, questionar: “O que era o pior que me podiam fazer ou dizer, se eu estivesse nesta situação?”
“Gosto de focar esta parte da empatia, que provavelmente até é a que ressoa mais neles. Tentamos promover a reflexão, que, pelo menos, se ouçam mais uns aos outros e perceber o que resultaria connosco”, refere o psicólogo. “Nestas idades, os jovens sentem uma mistura de tudo, mas focam muito a pressão do ponto de vista do desempenho, os testes e a quantidade de trabalho, e também a questão social, no sentido de terem de manter uma máscara. Eles dizem mesmo que é quase como se tivessem de andar com essa máscara na escola, todos os dias, porque, se a tirarem, correm o risco de ser criticados, julgados.”
Segundo os responsáveis, o programa Por Ti vai envolver mais de 100 estabelecimentos escolares em Portugal continental, 42 mil alunos do 3.º ciclo (12 aos 15 anos), o que equivale a cerca de 5% dos alunos neste ciclo de ensino, assim como aproximadamente 800 professores e 2105 famílias. Até ao momento, com as acções que se iniciaram em Janeiro, foram incluídas no projecto 267 famílias, 12.601 alunos e 1065 professores e auxiliares.
A iniciativa vai, ao longo do período definido, estar presente em escolas de todas as regiões de Portugal continental — que se inscreveram voluntariamente — com equipas multidisciplinares integradas, sobretudo, por psicólogos, mas também assistentes sociais, assistentes técnicos das escolas, entre outros. Isso vai traduzir-se numa coordenação com os psicólogos que já estão nas escolas, com a rede que a EPIS tem já montada, além de um recurso adicional a esses profissionais. De acordo com o que a organização anunciou à data da apresentação do projecto, “no total estarão envolvidos 15 psicólogos (sete da Universidade de Coimbra e oito da EPIS) no programa”.
Fonte: Público
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