sexta-feira, 7 de abril de 2023

Integrar a instrução de vocabulário no ensino do conhecimento ortográfico

Se questionarmos qual é o principal objectivo dos professores, certamente todos responderão: ensinar. No entanto, gerir o tempo de ensino não é uma tarefa simples, podendo tornar-se particularmente trabalhosa e cansativa. Num artigo publicado em 2022 na revista The Reading Teacher, Kathy Ganske e Mia Heller descrevem de que forma os professores podem ensinar vocabulário e conhecimento ortográfico em simultâneo. Este artigo pode ser uma ajuda muito importante para os professores aumentarem a aprendizagem dos alunos e alcançarem uma gestão mais eficaz do tempo de ensino.

Introdução

O domínio da leitura depende significativamente da capacidade de os leitores compreenderem aquilo que lêem. A compreensão da leitura depende, por sua vez, de diversos conhecimentos e competências, como, por exemplo, o conhecimento ortográfico, que consiste no domínio dos padrões de letras ou convenções do sistema de escrita, o conhecimento de vocabulário, e outras competências relacionadas com a compreensão da linguagem, como a gramática.

O conhecimento de vocabulário influencia o reconhecimento e a compreensão de palavras. O domínio do vocabulário facilita, por isso, a aprendizagem de novas palavras. Esta aprendizagem não se limita, no entanto, ao número de termos que um leitor conhece. Engloba a qualidade desse conhecimento, isto é, a compreensão do significado de diversas palavras e o conhecimento das respectivas características, como o som, a grafia, a morfologia e a sintaxe.

De acordo com a literatura, a promoção do conhecimento de vocabulário nos primeiros anos de vida, nomeadamente no jardim-de-infância, assume um papel fundamental na alfabetização. Porém, pouco tempo (em média, cinco minutos por dia) parece ser, no geral, dedicado a esta tarefa. Ganske e Heller (2022), considerando a relação entre a aprendizagem da leitura e da escrita e o desenvolvimento de vocabulário, referem que a inclusão da instrução de vocabulário no ensino do conhecimento ortográfico (uma abordagem por eles denominada «andar e mascar pastilha elástica ao mesmo tempo»; no original, «walk and chew gum at the same time») pode ser muito benéfica, quer para as crianças, quer para os professores.

Estrutura SAIL

De acordo com Ganske e Heller (2022), o objectivo da estrutura SAIL (Survey, Analyze, Interpret, Link), que em português significa «Pesquisa, Análise, Interpretação, Ligação», é muito simplesmente apoiar os professores no ensino simultâneo do vocabulário e do conhecimento ortográfico. Esta estrutura engloba o ensino inicial de uma palavra (vocabulário), por regra através de uma mini-aula, seguida da respectiva aplicação no decurso do ensino do conhecimento ortográfico. Além disso, enfatiza o diálogo e o envolvimento dos alunos.

Aplicação da estrutura

Ganske e Heller (2022) procuraram compreender melhor os benefícios da aplicação da estrutura SAIL à aprendizagem. Para isso, observaram a sua aplicação, por um professor, ao ensino de alunos com pouco conhecimento ortográfico.

O professor tinha 20 anos de experiência. Após uma sessão de formação acerca da abordagem SAIL, trabalhou duas vezes por semana, durante dois meses, com crianças do jardim-de-infância (n = 11) e do primeiro ano do ensino básico (n = 8). As crianças foram divididas em pequenos grupos, cada um constituído por cinco a oito alunos.

Durante cada sessão, o professor realizou uma mini-aula sobre oito palavras previamente seleccionadas. Os alunos dos diferentes grupos aprenderam a mesma palavra em cada semana. Por sua vez, o ensino do conhecimento ortográfico foi ajustado às necessidades de cada grupo.

Ganske e Heller (2022) reuniram informação acerca do conhecimento e desempenho dos alunos no conhecimento ortográfico, vocabulário e capacidade de codificação e de descodificação. Os alunos foram avaliados antes e após a aplicação da abordagem SAIL. Os investigadores recolheram, também, informação acerca das estratégias adoptadas pelo professor.

Resultados

Ganske e Heller (2022) verificaram, essencialmente, que:
  1. Após a aplicação da estrutura SAIL, o desempenho dos alunos no vocabulário e no conhecimento ortográfico aumentou significativamente. O ensino de vocabulário pode, por isso, ser introduzido no estudo dos padrões de letras ou convenções do sistema de escrita (conhecimento ortográfico).
  2. Durante as aulas, o professor adoptou cinco estratégias para apoiar a aprendizagem de vocabulário: i) revisão do vocabulário, para aumentar a exposição e o envolvimento dos alunos com as palavras; ii) exemplos, para explicar aos alunos o significado das palavras; iii) estruturação e elaboração das respostas dos alunos, para estimular o diálogo e a compreensão; iv) criação de oportunidades, para os alunos usarem ou aplicarem as palavras leccionadas; e v) síntese da aprendizagem. (Nas tabelas 1 e 2 da versão PDF deste artigo, encontram-se as estratégias adoptadas pelo professor, identificadas entre parênteses pelo número romano correspondente).
Principais ideias a reter

De acordo com a literatura, o êxito escolar requer mudanças em algumas práticas de ensino. Uma delas é o ensino do vocabulário. O conhecimento de vocabulário desempenha um papel fundamental na leitura e requer instrução explícita. Os resultados obtidos por Ganske e Heller (2022) destacam os seguintes aspectos:
  • O diálogo professor-aluno desempenha um papel fundamental no ensino e aprendizagem.
  • Embora a estrutura SAIL tenha sido aplicada no contexto da instrução do conhecimento ortográfico, a promoção do vocabulário pode ocorrer durante o ensino de outros conteúdos ou disciplinas, como a matemática e as ciências.
  • A aplicação da estrutura SAIL pode ser bastante benéfica para a aprendizagem de alunos com dificuldades de leitura ou que estão a iniciar a escolaridade.
Neste sentido, tal como os autores referem, podemos e devemos «andar e mascar pastilha elástica ao mesmo tempo».

Bibliografia

Ganske, K., & Heller, M. C. (2022). Word knowledge instruction: We can walk and chew gum at the same time. The Reading Teacher, 76(2), 112-121. https://doi.org/10.1002/trtr.2132

João Lopes e Soraia Araújo

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