Em três anos, a Escola Básica dos 2.º e 3.º ciclos do Caniço baixou a taxa de retenção de 20,8% para 4%. No Estreito de Câmara de Lobos, nos mesmos três anos, a EB 2/3 local viu a taxa de sucesso evoluir de 89% para 96,9% — e a de insucesso baixar de 11% para 3,1%.
O resultado dos projetos pedagógicos destas duas escolas da Madeira, que dividiram os alunos por turmas de acordo com o desempenho académico dos anos anteriores (separando os que têm mais dificuldades dos que se saem melhor), não é mensurável apenas nas estatísticas. O sucesso, extravasa os números. “Muitos encarregados de educação têm vindo à escola pedir para os filhos entrarem para o programa”, diz, de sorriso aberto, Armando Morgado, presidente do conselho executivo da EB 2/3 do Caniço, uma cidade dormitório, paredes meias com o Funchal.
No início do ano letivo de 2015/2016, quando os projetos “Caniço +” e “Estreito +” foram apresentados, as reações foram muitas, e todas desfavoráveis. Entre a desconfiança dos encarregados de educação e as críticas abertas do sindicato dos professores e dos partidos da oposição ao governo social-democrata de Miguel Albuquerque, os programas foram alvo de grande escrutínio. A principal falha que lhe apontavam era os riscos de os alunos se sentirem discriminados. Outros, acusavam mesmo o sistema de estar a desistir das crianças com menor aproveitamento escolar.
“Pelo contrário.” António Mendonça, diretor da EB 2/3 do Estreito de Câmara de Lobos, uma freguesia rural a Oeste do Funchal, repete (...) o que vem dizendo nos últimos três anos. “Se houve discriminação, foi pela positiva. As turmas de recuperação [onde os alunos com maiores dificuldades foram colocados], sempre tiveram mais meios pedagógicos do que as restantes.” Toda a comunidade educativa, continua António Mendonça, percebeu isso. “Depois da relutância inicial, temos agora pais a pedirem para os filhos entrarem.”
O “Estreito +” começou por atuar no início de cada ciclo escolar, em duas turmas do 5.º e duas turmas do 7.º ano. Com um máximo de 16 alunos em cada, foram formadas turmas de desenvolvimento (para os que apresentavam um bom histórico académico) e de recuperação (para os que denotavam mais dificuldades). Ambas tinham a mesma mancha gráfica horária e contavam com dois professores por disciplina.
“Os resultados foram bastante positivos, com os alunos a terem melhor desempenho e vontade de aprender mais”, explica António Mendonça, dizendo que o projeto foi sendo alargado.
No arranque deste ano letivo, a EB 2/3 do Estreito de Câmara de Lobos, tinha duas turmas “mais” no 5.º, duas no 6.º, seis no 7.º, e duas no 8.º e no 9.º. “Estamos a monitorizar os alunos que estiveram neste programa e entretanto saíram para outras escolas, para percebermos melhor o alcance a longo prazo deste programa”, acrescenta, dizendo que outras escolas da região têm procurado saber mais sobre o projeto.
A Secretaria Regional de Educação, que desafiou ambas as escolas a tentarem novas abordagens para reduzir o insucesso escolar, faz também um “balanço muito positivo” dos três anos do projeto. “Os dados disponíveis confirmam que é possível conceber e implementar com sucesso alternativas para manter a maioria dos alunos no ensino regular, como aconteceu no caso destas escolas”, diz (...) o gabinete de Jorge Carvalho, secretário regional de Educação.
No Estreito de Câmara de Lobos, desde que o programa chegou à escola, a taxa de retenção caiu de 11% para 3,1%. No Caniço, a taxa global de sucesso subiu de 79,2% (no final de 2014/2015) para os 96% do ano letivo passado. Em anos mais sensíveis, como o 7.º ano, a taxa de retenção tornou-se residual: 2,6%, quando antes era de 15,2%.
“É sabido que cada pessoa aprende de forma diferente. Não pode, portanto, a escola que se afirma democrática, ensinar de forma igual para todos”, argumenta a secretaria regional, sustentando que a escola “apenas se constituirá como lugar de realização de justiça”, se conseguir que todos os alunos sejam bem sucedidos. “Senão o fizer, a desigualdade social será perpetuada e naturalizada.”
Foi com essa ideia, e com a certeza de que aplicando a mesma receita dificilmente os resultados serão diferentes, que o Estreito de Câmara de Lobos e o Caniço desenharam as turmas mais. No Caniço, de um total de 35 turmas, 14 integram o programa. Um número reduzido de alunos, bolsas de explicação e dividir a turma nas aulas de dois blocos (alternadamente metade vai para Português, a outra para Matemática) tem significado bons resultados.
“Tirando um caso ou outro, todos os alunos completaram o 3.º ciclo em três anos”, diz Armando Morgado, acrescentando outro dado. No ano passado, a escola ficou em primeiro lugar na Madeira no exame final de 9.º ano, entre os estabelecimentos com mais de 50 provas.
Estes resultados, não se esgotam nas turmas “mais”. A escola do Estreito de Câmara de Lobos tem aproveitado a liberdade proporcionada pelo Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC) para mexer nos currículos e adaptar a carga horária. No Caniço, além do PAFC, não faltam outras estratégias. Desde a robótica aplicada à Matemática, ao xadrez (obrigatório no 5.º ano), à aposta no clube de cultura, que agrega teatro, dança, música e outras disciplinas.
“Queremos apostar na cultura, como já apostamos no desporto”, explica Armando Morgado, encostado ao fundo do ginásio, onde no palco improvisado os alunos vão dando corpo aos fantasmas do Natal passado de Mr. Scrooge (personagem de Charles Dickens). Mas no Caniço, como no Estreito de Câmara de Lobos, não é preciso Dickens para lembrar como eram os anos letivos passados. Nem ninguém quer regressar a eles.
Fonte: Público
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