Era uma vez uma menina que estava numa aula de desenho. Tinha seis anos e estava ao fundo da sala, a desenhar. A professora foi ter com ela e perguntou:
— “O que estás a desenhar?”
A menina respondeu:
— “Estou a desenhar o retrato de Deus.”
A professora replicou:
— “Mas ninguém sabe como é Deus.”
Ao que a menina, prontamente, respondeu:
— “Quando eu acabar vão passar a saber!”
Esta pequena história foi contada por Sir Ken Robinson numa TED Talk sobre a importância da criatividade na educação e é exatamente esse o nosso mote para a conversa de hoje.
Já dizia Picasso que “todas as crianças nascem artistas. O problema é mantermo-nos artistas enquanto crescemos.” Todos nós já fomos crianças e todos nós já tivemos o mundo na ponta de um lápis de cor, mesmo que o resultado final tenha sido uma parede riscada, uma mãe zangada e um valente castigo. Fomos? E já não somos? Como raio isso aconteceu?
Façamos um pequeno exercício de memória: quem não se lembra de, nos tempos de escola, sentir as pernas a tremer por ser chamado a ir ao quadro resolver um simples problema de uma qualquer disciplina? Eu lembro-me, e bem. Por muito seguro que estivesse, a segurança nem sempre chegava para superar o receio de responder de forma errada.
Entre a correção do professor e os risos dos colegas de turma, quando errávamos voltávamos para o nosso lugar com um aperto na barriga e com vontade de nunca mais pôr o dedo no ar. Este estigma criado em torno do erro leva a que, ao longo dos anos, uma criança vá ficando com medo de errar e perca a boa ingenuidade que a leva a arriscar, mesmo quando não faz a mais pequena ideia.
Em vez de estimularmos o nosso potencial criativo, somos levados a deixá-lo cada vez mais de parte à medida que avançamos no percurso escolar. As crianças são naturalmente curiosas, curiosidade essa que despoleta a aprendizagem, que leva ao conhecimento. Em média, uma criança de 4 anos faz cerca de 100 perguntas por dia. É a famosa “idade dos porquês”. Isto acontece porque querem alimentar a sua insaciável curiosidade.
Mas muito rapidamente passamos de fazer 100 perguntas por dia para termos de nos preocupar em acertar no mesmo número de respostas.
Resultado? Damos por nós e deixamos de ver uma jibóia que engoliu um elefante, para vermos um simples chapéu.
Mas porque é que isto acontece, se a escola existe para nos dar conhecimento e abrir horizontes?
O sistema de ensino vigente surgiu para satisfazer as necessidades da industrialização e assenta na ideia de capacidade académica. As disciplinas mais úteis para o trabalho qualificado aparecem no topo da hierarquia e as artes (área necessariamente ligada à criatividade) são condenadas ao último lugar do pódio.
Isto leva a que, por vezes, sejamos afastados de coisas que gostamos e, mais do que simplesmente gostar, coisas essas nas quais talvez fossemos realmente bons.
“Não estudes isso, nunca vais arranjar um emprego”
Devia ter cerca de 14 ou 15 anos quando fui fazer os afamados testes psicotécnicos. No fim, o diagnóstico foi algo como: “O Pedro revela elevada aptidão e interesse pela área musical. No entanto, deve seguir uma licenciatura em Direito.”
[Acontece que segui, mas também acontece que a abandonei pouco tempo mais tarde (e, curiosamente, grande parte do que faço a nível profissional está ligado à música).]
É um sistema bastante assente na memorização de conceitos e ideias que nos são postos à frente, não estimulando, muitas vezes, o pensamento crítico ou a criatividade. Além do referido, o sistema foi construído para as massas, não atendendo a cada aluno como indivíduo. Não foi desenhado para que cada criança descubra o seu potencial único.
Como qualquer solução padronizada, este modelo obriga à regra e descarta a excepção. Acontece que todas as crianças são necessariamente diferentes da que seu senta ao seu lado.A educação deveria servir para abrir horizontes, não para os fechar.Somos educados para um futuro que, apesar de todas as previsões, é incerto. Assim, a educação é agora, talvez mais que nunca, um desafio.
Pedro Líbano Monteiro
Fonte: Observador
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