Na cozinha da associação Aurora Social, em Ponta Delgada, Manuela Bulhão dedica-se há duas décadas "de corpo e alma" à confeção de doces, muitos dos quais já lhe valeram prémios, apesar de ser invisual desde os 21 anos.
Hoje com 58, Manuela Bulhão, invisual devido a um problema hereditário, trabalha na área da cozinha da Aurora Social, associação de promoção de emprego apoiado, em São Miguel (Açores), desde que a instituição abriu, há 21 anos.
"Sou da casa e das mais velhas. Sempre estive na área da cozinha", disse Manuela Bulhão, em declarações à Lusa, contando que foi perdendo a visão gradualmente e atualmente só vê sombras.
Porém, nunca baixou os braços.
"Sempre fui persistente, venho todos os dias da Lomba da Maia [concelho da Ribeira Grande] de transportes públicos e há muitas barreiras, mas nada é impossível. Primeiro há que ganhar a coragem", referiu.
Na cozinha da Aurora Social, instituição que confeciona refeições e doçaria para o exterior, Manuela Bulhão partilha o fogão com quatro colegas e faz de tudo um pouco.
"Se é preciso ir para o fogão, vou para o fogão. Se é preciso outras coisas, faço, e se é preciso arranjar peixe, também faço", descreveu, sublinhando que o facto de ser invisual não a impede de fazer nada, até porque conhece "os cantos à casa".
Raramente usa a sua bengala - apenas no trajeto entre a sua residência e a paragem do autocarro e no percurso para o trabalho.
Para Manuela, o principal obstáculo na cozinha "é quando há uma coisa fora dos lugares". Ainda assim, raramente pede ajuda aos colegas.
"Apenas para pesar os ingredientes é que tenho que pedir ajuda, porque em casa tenho uma balança falante. Mas, depois faço o bolo rápido e ligeiro", disse.
Das suas mãos já saíram doces premiados em concursos regionais, com receitas criadas pela própria.
"O primeiro prémio que ganhei foi com o pudim de feijão e depois o pudim de castanhas e ainda o de massa sovada", contou.
Além de pudins, confeciona bombons de nozes, rebuçados de ovos, nozes recheadas e toucinho-do-céu.
"Provo os meus doces, acabo por não os ver, mas é como se os visse sabendo que as pessoas vão gostar daquilo que confeciono. É como se os visse", confessou, explicando que a decoração fica a cargo de uma colega.
Por vezes, "os doces não saem muito bem, mas vou experimentando e é como todas as pessoas", disse, recordando que no caso do premiado pudim de castanhas experimentou "e deu certo".
A cozinheira, natural da Lomba da Maia, adiantou que já está a idealizar novas receitas para novos pudins e bolos, porque gosta de estar "sempre a inovar e a apreender". Os programas televisivos sobre culinária são os seus preferidos.
Por altura do Natal, Manuela Bulhão não tem mãos a medir para dar conta de tantas encomendas que chegam à instituição.
"Mas, eu gosto do que faço. Ainda há quem me pergunte porque vou de tão longe, sem ver, para Ponta Delgada trabalhar e que necessidade tenho de sair de casa. Eu nunca me acomodei em casa e enquanto eu puder saio para trabalhar, nem que seja para ser útil a mim mesma", salientou.
Fonte: JN
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