JL: Está prestes a completar um ano de mandato. Que “balanço” faz deste seu primeiro ano como ministro da Educação?
Tiago Brandão Rodrigues: Faço um balanço muito positivo, à imagem da serenidade e da positividade que pautou o início deste ano letivo. Este ano foi importante para recentrar as políticas educativas tendo em consideração: o sucesso dos alunos; o respeito pelos docentes; o envolvimento da comunidade educativa e a responsabilidade perante os cidadãos que, não esqueçamos, exigem que o Estado promova uma Educação que devolva com excelência o investimento que fazem.
São esses principais objetivos da legislatura?
Concluímos agora o primeiro quarto de uma legislatura que tem, na educação, um caderno de encargos conhecido: vencer as inaceitáveis taxas de retenção através de um verdadeiro plano de promoção do sucesso escolar; promover, desde o pré-escolar, este sucesso reforçando a equidade e, assim, superando a determinação socioeconómica ainda demasiado presente no fracasso ou sucesso dos nossos alunos; revalorizar a função docente, deixando de ver quem é essencial à Educação como seu inimigo; educar ao longo da vida todos aqueles que desejam e merecem ter a Educação como um serviço público de qualidade, independentemente da idade que tenham; e, finalmente mas jamais em último, ajudar a qualificar os portugueses para que todos encontrem, na economia e na sociedade portuguesas, o lugar em que podem ser mais úteis. Ou, dito de outra forma, em que podem ser mais felizes e assim contribuir para que a nossa economia seja mais competitiva e a nossa sociedade mais coesa.
Podemos dizer que foi um ano de inflexão de medidas tomadas pelo anterior ministro, Nuno Crato?
Não o vejo assim. Podemos dizer que foi um ano de regresso da paz ao setor da Educação e, sobretudo, às Escolas. Foi um ano de devolução de normalidade aos alunos, pais, famílias, docentes, funcionários e comunidade educativa em sentido lato. Um ano em que, tranquila mas decididamente, se voltou ao paradigma que Portugal seguia há quase duas décadas em termos de políticas educativas. Um regresso ao paradigma nacional e às boas práticas educativas europeias, o que implicou parar o experimentalismo nas ideias e o ataque aos recursos que a Educação havia sofrido durante o Governo anterior.
A que “experimentalismo” se refere?
Ao que levou Portugal a ser o único país europeu que segregava crianças enquanto ainda estavam no Ensino Básico para lhes dizer que apenas teriam acesso a um destino, quase cinicamente chamado vocacional, diferente e menor do que o destino de todos os outros alunos. Portanto, este só foi um ano de reversão para aqueles que consideravam o experimentalismo neoliberal o único paradigma da Educação a que Portugal tinha direito, ou seja, uma escassíssima e radicalizada minoria. Felizmente, a maioria considera que Portugal merece mais e melhor Educação.
Trouxe um novo modelo de avaliação, que pôs fim aos exames dos 4º e 6º anos (Português e Matemática); introduziu provas de aferição nos 2º, 5º e 8º anos (Português, Matemática e Estudo do Meio); e manteve os exames do 9º ano (Português e Matemática). Como “avalia” o novo modelo de avaliação no que diz respeito à sua receção e aplicação por parte das escolas?
Não é a mim que cabe avaliar. Quem o “avaliou” foi a maioria dos diretores, e das suas Escolas, que, apesar de este ser um ano de transição, decidiu já fazer estas provas em 2016. Avaliam-no também os alunos das escolas que realizaram as provas, fazendo estas provas em taxas semelhantes – e por vezes superiores – às dos alunos que obrigatoriamente se submetem a exames nos anos e disciplinas em que estes têm lugar. Quem o avalia, agora, são os professores e os encarregados de educação que têm acesso a uma ficha pessoal e pormenorizada que realmente afere a aprendizagem dos seus alunos e educandos. Quem o avaliará, de seguida, serão as escolas e professores que poderão, com base na aferição promovida - exatamente a meio de cada um dos três ciclos do Ensino Básico e a todos os saberes – conhecer o que e como cada um aprende o que lhe devemos ensinar, nomeadamente através do trabalho que os Relatórios Individuais e de Escola potenciam.
Manter-se-á este modelo de avaliação?
Sim. O regresso ao paradigma nacional de aferição universalizar-se-á, conforme previsto, neste ano letivo e continuará a, rotativamente, cobrir todas as áreas de ensino para que a melhoria nas aprendizagens seja tão global quanto é a Educação.
Outro exemplo da mudança foi a redução do financiamento aos colégios privados com contrato de associação, que gerou dois movimentos tão fortes quanto distintos: um em defesa dos colégios e da chamada “liberdade de escolha”; outro em defesa da Escola Pública. Como olha para este fenómeno?
Com a calma e a certeza de quem olha, e vê, e compreende o que dizem a Constituição e a Lei de Bases do Sistema Educativo, e com a ética de quem concebe o Estado como pessoa de bem. O Estado cumpre o que contratou para poder garantir a Educação onde, de outra forma, ainda não o consegue. Procuramos cumprir cada vez mais, e melhor, a Lei de Bases que prevê, e bem, a oferta aos cidadãos de uma educação pública de qualidade em todo o território nacional. Fazemo-lo de acordo com o quadro constitucional existente, que prevê: a progressiva gratuitidade; a cobertura, através de uma rede de estabelecimentos públicos, das necessidades de ensino da população por todo o nosso território; e, também importante, o reconhecimento do ensino particular e cooperativo, bem como a sua fiscalização.
Esta é, para si, uma questão ideológica?
É, antes de mais, uma questão de cumprimento da legalidade e de gestão criteriosa dos recursos públicos. De legalidade no que toca à Constituição, à lei-quadro e aos contratos vigentes. Questão ideológica só para aqueles que, ideologicamente, querem reabrir uma discussão sobre a plenitude da Lei de Bases. Não é o nosso caso. Para nós não é ‘ideologia’ cumprir a Constituição e a Lei de Bases. É um dever. E, já agora, um prazer.
Certo é que se trata de uma política que reflete uma perspetiva sobre a Educação e a Escola muito diferente da do Governo anterior. Está em causa um novo olhar sobre a Escola pública? Ou, para usar uma expressão sua, a defesa do Serviço Nacional de Educação?
Ser ministro da Educação em Portugal implica uma grande responsabilidade em todos os minutos da sua ação: conciliar o dever público com a decisão sobre como melhor alocar, fiscalizar e potenciar os recursos dos contribuintes, tendo em vista a finalidade para a qual estes nos confiam os seus impostos - o bem público na Educação. E importa-me fazê-lo tendo como horizonte o que melhor serve a aprendizagem com sucesso e equidade de todos os nossos alunos e tendo como prática o cumprimento estrito da legalidade.
Reduzir o financiamento do ensino privado e cooperativo foi então ‘cumprir a lei’?
Foi. Os contratos de associação surgiram há já 20 anos, não como uma solução de financiamento do Estado aos estabelecimentos particulares e cooperativos, mas porque o Ministério da Educação estava em falta com o país. Nessa exata medida, e não noutra, contratou privados, cuja qualidade foi validada, para assegurarem transitoriamente algo que o Estado sempre viu como a sua obrigação: ter uma rede escolar pública o mais alargada e coerente possível em termos financeiros e de sustentabilidade.
A rede de escolas públicas é hoje capaz de dar uma resposta mais abrangente e sólida do que há duas décadas?
Sem dúvida. Com o alargamento e a requalificação, em que o país tanto investiu, a rede escolar está agora natural e saudavelmente mais coerente e completa do que há 20 anos. Ainda assim, é preciso salientar que a rede continua a ser requalificada - aliás, acabámos de contratualizar com as autarquias mais de 200 intervenções para os próximos três anos. Sendo que este trabalho continua a ser feito, para que mais municípios se juntem a este esforço de modernização da nossa rede de escolas. Ainda bem que o Estado cumpre o seu dever. Ainda bem que fomos capazes de dar um salto significativo na realização do que sempre esteve previsto na Lei de Bases: o tal Serviço Nacional de Educação de que falo. Depois de ter usado esta expressão, já a vi ser usada por outros. Fico contente por isso! Este é um salto de que só nos pode orgulhar.
Depois deste primeiro ano em que procurou “corrigir” o que considerou serem “erros” do anterior ministro, em que se concentrará neste ano letivo 2016/17? O que está neste momento “em cima da mesa”?
Em 2017, vamos continuar o nosso trabalho “maratoniano” para cumprir o desígnio político principal que aparece, de forma marcada, no Programa do Governo: combater o insucesso escolar e garantir os 12 anos de escolaridade com equidade.
O que está a ser feito nesse sentido?
Sabendo como os primeiros anos são importantes na educação das crianças e um preditor determinante do sucesso escolar, foi lançado todo um trabalho de conceção de orientações pedagógicas do zero aos seis anos, em dois modelos: zero aos três e três aos seis. Deste modo, iniciámos já a universalização do pré-escolar aos três anos, com a concretização aos quatro no presente ano letivo, e com a conclusão sequencial deste objetivo até ao último ano da legislatura. Em 2017, cumpriremos melhor a escolaridade obrigatória de 12 anos, dotando-a de maior sentido ao propor a criação de um perfil que indique a quem ensina e a quem aprende que perfil de competências deve a escola assegurar a quem a frequenta. Este referencial, comum aos diferentes percursos do Ensino Secundário, será construído de forma participada ao longo deste ano letivo, com vista à sua concretização em 2017/18. Além disso, depois de termos resolvido os pagamentos em atraso no ensino artístico e profissional, definido um calendário e adotado procedimentos corretivos capazes de evitar novos atrasos no futuro, importa, em 2017, definir a rede de oferta de formação profissional para que seja mais bem articulada, mais racional e eficaz.
Os alunos do 1º ano do Ensino Básico tiveram este ano manuais escolares gratuitos. É uma medida que contribui para a “equidade” de que fala?
Precisamente. Iniciámos um exigente caminho de gratuidade dos manuais para que todos possam ir à escola durante os 12 anos. E já temos inscrito, para 2017/8, essa gratuidade para todo o 1º ciclo. É um passo muito importante. Além disso, nada é mais essencial ao efetivo cumprimento dos 12 anos de escolaridade obrigatória do que a promoção do sucesso escolar.
Já lá vamos. Ainda sobre os manuais escolares: que importância atribui à sua reutilização – como ocorre em países mais ricos do que Portugal e como já foi recomendada pelo Conselho Nacional da Educação?
Iniciado e em marcha este caminho de que estamos a falar, importa, desde já, consciencializar todos, desde logo os alunos, que este investimento do Estado na sua educação, com a proporcional devolução de rendimentos às suas famílias, merece que se esforcem ainda mais para ter sucesso e que tenham uma maior preocupação em cuidar dos meios que o Estado lhes confere. Daí a aposta no compromisso assumido por encarregados de educação e pelos alunos de reutilização dos manuais escolares sempre que tal seja possível, da mesma forma que se “reutilizam” e se renovam as escolas, os professores, os saberes. Seja nos recursos materiais seja nos valores imateriais, trata-se de quem beneficia desse investimento poder e saber cuidar dele o melhor possível. Temos consciência de que não será um caminho linear nem fácil. E por muito que a inação preserve mais quem decide das críticas, esta equipa está bem consciente que o caminho apenas se faz caminhando.
Falemos agora do (in)sucesso escolar. Anunciou recentemente o Programa Nacional de Promoção do Sucesso Escolar. Porquê?
Portugal não poderá ser uma economia competitiva e uma sociedade coesa enquanto um terço de nós conhecer da Escola apenas a Escola do insucesso. O país não se pode permitir o luxo e o desperdício de ter uma Escola do insucesso que, em vez de diminuir, aumenta, como mostram os últimos dados relativos aos 2º, 7º e 10º anos de escolaridade. O insucesso no 2º ano de escolaridade atinge os 10% de alunos retidos e, nos últimos dois anos, duplicou o insucesso nos anos de transição de ciclo, 7º e 10º. Enquanto este falhanço for, como os dados igualmente comprovam e ao contrário do que acontece em muitos países europeus, estatisticamente quase determinado em função do contexto económico, social e cultural do aluno, a Escola do Sucesso será uma miragem, minando o projeto de Portugal como país de sucesso. Porque a necessidade é grande, a resposta da nossa parte é ambiciosa.
Como é? Em que consiste?
O Programa age sobre tês eixos: a autonomia das escolas na definição de planos locais de intervenção; a formação contínua; e o envolvimento das comunidades e a gestão de projetos curriculares próprios. Foi implementado um programa de formação das lideranças intermédias das escolas para a definição de estratégias locais de intervenção. A par disso, estamos a capacitar os CFAE [Centros de Formação de Associação de Escolas] para que os docentes possam voltar a usufruir de formação contínua de forma gratuita, em resposta às necessidades identificadas nos seus diagnósticos. Destes planos de ação e de formação contínua resultaram várias centenas de medidas próprias, ajustadas aos contextos locais. Os planos irão articular-se com os projetos das Comunidades Intermunicipais e das Autarquias para promoção do sucesso escolar e combate ao abandono. Queremos que as aprendizagens melhorem e como consequência os níveis de retenção diminuam.
Para isso é preciso envolver toda a comunidade educativa.
É fulcral, para que as Escolas possam responder de forma atempada e eficaz às dificuldades dos alunos. Por isso o Plano envolve toda a comunidade educativa, a rede de instituições de ensino superior, as autarquias e a sociedade civil. Para que de cada aluno se conheçam as dificuldades e capacidades e para que a cada aluno possamos adequadamente responder com uma gestão flexível do seu currículo. Que é do aluno mais que da Escola e muito mais que do Ministério.
No entanto, junto de imensos alunos prevalece a ideia de que “a escola é uma seca”. Segundo a OCDE, há mesmo, hoje, menos alunos a gostarem da escola do que há uns anos. Têm sido apontadas causas como excesso de matéria, programas inadequados à idade, pressão dos exames, efeitos nefastos do insucesso e das retenções… Que fazer?
Temos em marcha um plano de trabalho para definição das aprendizagens essenciais, atacando o problema identificado de estarmos perante um currículo obeso, com tantos conteúdos que se torna inexequível. Esta concentração nas aprendizagens mais relevantes permitirá uma flexibilidade na gestão curricular que potencia a sua adequação a contextos específicos; o desenvolvimento de competências associadas aos trabalhos de projeto; o cumprimento da dimensão inclusiva da educação; o aprofundamento de alguns temas; e a promoção de trabalho interdisciplinar.
Em que ponto está a atribuição de 25% do currículo à gestão das escolas?
Está a ser preparada no quadro das alterações legislativas que enquadrarão a gestão flexível do currículo quer na dimensão disciplinar, quer no tempo da matriz deixado ao critério dos projetos educativos de escola e de turma. Pretende-se que estes 25% sejam, essencialmente, dedicados a projetos interdisciplinares, a trabalho experimental, de cidadania, temático.
Como reduzir a carga horária dos alunos do 1º ciclo ou reequilibrá-la melhor entre várias áreas e tipos de aprendizagem?
Há duas questões. Por um lado, ao reafirmarmos a monodocência como essencial no 1º ciclo, estamos a permitir que o principal instrumento de integração entre áreas curriculares seja efetivado. Por outro lado, no âmbito do trabalho em curso sobre o currículo e a sua gestão, uma das matérias em cima da mesa é a discussão sobre a carga horária semanal, de todos os ciclos, não só do 1º.
Anunciou também um novo regime de “tutorias”, que pretende ser uma alternativa ao ensino vocacional. De que forma? Como se processam estas “tutorias” na prática? Já estão a acontecer nas escolas? Em que medida podem combater o insucesso escolar?
As tutorias não devem ser vistas como uma alternativa ao ensino vocacional. A única coisa que têm em comum é serem abrangidos os mesmos alunos que poderiam ser encaminhados para cursos vocacionais, isto é, aqueles que acumulam duas ou mais retenções. As tutorias oferecidas pretendem ser uma medida de apoio aos alunos numa perspetiva socioemocional, de apoio à sua relação com a escola e com as aprendizagens, para que possam identificar o que os levou a ter percursos de insucesso e a encontrarem formas de inverter esse percurso. As tutorias já estão a acontecer e a ser acompanhadas por um programa de formação, promovido pela Direção-Geral da Educação. Estruturam-se em dinâmicas de grupo, para que cada aluno possa, junto do seu grupo, desenvolver as competências de autorregulação em conjunto com os seus pares.
São conhecidas as graves carências na educação de adultos. Como atender a diferentes necessidades e sobretudo ao direito de todos à Educação e ao autoaperfeiçoamento permanente?
O Programa Qualifica, lançado em agosto, visa recuperar o caminho interrompido na formação e qualificação de adultos. Os défices de qualificação da população ativa do país são um dos principais problemas estruturais de Portugal. Ao inscrever a qualificação dos adultos no Programa Nacional de Reformas, o Governo pretende reinvestir nos adultos, assegurando-lhes percursos de orientação, formação e certificação. Para isto, estamos já a expandir a rede de Centros Qualifica, a trabalhar na creditação e modularização de toda a formação de nível Secundário e a criar instrumentos para a orientação, como o Passaporte Qualifica. Obviamente que este programa implica a abertura de novos cursos EFA [Educação e Formação de Adultos] e a possibilidade de frequência de diferentes módulos de aprendizagem ao longo da vida.
Fonte: Visão por indicação de Livresco
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