A indisciplina na sala de aula não é um assunto fácil de abordar. Há casos que ultrapassaram os muros das escolas, tornados públicos e comentados até à exaustão. A comunidade escolar sabe que o tema é delicado. Há mais casos ou menos tolerância para a má educação dentro das escolas? Como lidar com o assunto? O que fazer para que as faltas de respeito não se tornem numa rotina? Os exemplos são importantes, as relações interpessoais devem merecer toda a atenção e o desenvolvimento de competências de autocontrolo e autorregulação na infância pode fazer toda a diferença.
Para Maria José Araújo, docente e investigadora da Escola Superior de Educação do Porto, é preciso alguma atenção a abordar ao tema da indisciplina em contexto escolar. "Temos de ter cuidado para não remeter a discussão desta problemática para o contexto da escola pública e, nesta, para o Ensino Básico, achando que a escola pública é o 'armazém' de todas as desgraças socais". Na sua opinião, os casos mais difíceis de resolução não se podem generalizar sob pena de se ser injusto com alunos e professores. "Frequentemente a dificuldade de discutir a questão da disciplina e/ou falta dela na escola é porque se misturam coisas de âmbitos muito diferentes. Misturam-se aspetos legais, sociais, morais, éticos, etc.", aponta.
A escola, pública ou privada, é o local onde crianças e jovens passam grande parte do seu tempo e é olhada como uma instituição que deve promover a participação e a justiça. E há uma pergunta que, segundo a investigadora, deve ser feita. "A questão que se coloca e como é que os estudantes podem participar ativamente nos processos que lhe dizem respeito?" "Se os alunos não se sentem parte da escola não a respeitam e compete aos professores mostrar o que é o respeito. "Que esforço temos nós, professores, de fazer para ajudar os estudantes a compreender que a escola é, também, deles? Esta é uma questão central."
A docente lembra que há estudos interessantes à volta do tema, que há resultados que nunca chegam a ser analisados nas escolas, quando a comunidade educativa deveria estar atenta para discutir questões que lhe dizem diretamente respeito. "Os assuntos de interesse para a escola têm de ser discutidos internamente com todos: professores, diretores, funcionários e estudantes." Por outro lado, Maria José Araújo defende que a intervenção dos pais é fundamental. "Não enquanto 'proprietários' dos filhos, mas enquanto cidadãos empenhados, a todos os níveis da vida social, que respeitam os direitos dos seus filhos que estão legitimamente inquietos com o seu presente e também com o futuro imprevisível que os espera." "É este o esforço que todos temos de fazer."
Criar cumplicidades
O esforço deve começar bem cedo. A psicóloga Paula Monteiro tem visitado vários infantários para conversas com pais sobre o processo de educação dos filhos. A realidade tem-lhe mostrado situações complexas. "Muitas vezes, os pais não estão preparados para lidar com os filhos quando chegam a casa." Falta de tempo, trabalho na cabeça, paciência esgotada, mil e uma coisas para tratar. Mas a disciplina começa em casa e na primeira infância.
"Há crianças que não têm competências desenvolvidas de autocontrolo, de autorregulação, de socialização, e isso só se consegue através da disciplina", afirma Paula Monteiro. "É necessário adotar algumas estratégias que permitam desenvolver as competências de autocontrolo", refere. Há pequenos gestos no dia a dia que ajudam nesse caminho. Nas conversas que vai mantendo nas palestras que dá nos infantários, a psicóloga tem vindo a chamar a atenção para a importância de desligar a televisão na hora das refeições e sentarem-se todos à mesa. Planificar atividades em conjunto, esperar pela sua vez para falar, estabelecer uma hora de ir para a cama, retirar a televisão dos quartos, preparar a mochila na véspera, escolher a roupa que se vai usar no dia seguinte, são alguns dos exemplos que costuma abordar. "É importante otimizar o tempo que se passa com os filhos, criando laços, criando cumplicidades", diz. E isso, assegura, aumenta o sentido de responsabilidade dos mais pequenos.
Margarida Gaspar de Matos, psicóloga e investigadora da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, aborda o assunto da indisciplina, em primeiro lugar, pelo lado das relações interpessoais. Os exemplos são muito importantes. "Quando os adultos estabelecem uma cultura onde o mais forte é o mais grosseiro e o mais rude, e onde o que grita mais alto é o que aparenta mais poder... enquanto modelos destes cenários abundarem em circuitos públicos, entre adultos, aí começa a ser difícil convencer os jovens a fazer de outro modo", observa.
Tentar copiar o que se vê é uma prática comum e, segundo a investigadora, as relações interpessoais estão a ser modeladas por "exemplos pouco corteses", como telenovelas, séries televisivas, videojogos, relações entre políticos. "E este modelo social é passado aos jovens que o adotam como um modo de relação." Uma realidade que poderia ser repensada. "Esta descortesia e desrespeito pela afabilidade nas relações interpessoais não é apanágio da juventude: os jovens espreitam-na em casa, entre professores, na televisão, na rua, nas lojas e apreendem o 'estilo', depois, muitas vezes, quando o usam não tomam a devida distância face aos contextos", acrescenta.
Segundo Margarida Gaspar de Matos, as pessoas estão mais exigentes nas situações de indisciplina e de bullying nas escolas, mas só ficam assustadas porque, na sua opinião, nem sempre o mediatismo dado aos casos tem sido a estratégia mais adequada para lidar com essas questões. Agressões a professores, indisciplina, má educação na sala de aula são fenómenos diferentes entre si e diferentes do bullying. "A indisciplina está muito associada, por um lado, ao insucesso escolar, ao desinteresse pela escola e à falta de expectativas de futuro e face ao papel da escola e da aprendizagem/escolaridade nesse futuro", refere. A "tremenda desvalorização do papel do professor" é também um aspeto a ter em conta.
A legislação existe, o problema tem sido a sua concretização. "Em várias questões educativas, as coisas são implementadas sem haver um estudo de necessidade e de viabilidade; as coisas mudam sem serem avaliadas e sem terem tido tempo de dar frutos, e professores e alunos andam confusos com tanta entropia." E a confusão desmotiva. "Uns professores desmotivam, outros adoecem, outros nem ligam, outros afligem-se de mais. E os alunos, uns lá se vão aguentando, mas muitos não desenvolvem as suas qualidades pessoais e académicas, outros entram em trajetórias alternativas, desviantes e antiescola ou, pelo menos, antiaulas". Em seu entender, faz falta uma cultura de coesão social e de equidade na diferença e uma competência de regulação das relações interpessoais com normas de cortesia. "Se os adultos fizerem isso, as crianças vão aprender mais depressa do que se forem violentamente admoestadas", comenta.
Manuela Sousa é professora do 1.º ciclo e, nos seus anos de serviço, não tem tido casos graves de indisciplina. "Mas há alunos com falta de regras básicas de educação que depois se refletem na aprendizagem", conta. O que se passa em casa tem muita influência, muito peso nesta matéria. E há casos em que os pais e encarregados de educação, quando são chamados às escolas, não aceitam o que lhes é dito. "Os encarregados de educação não aceitam que os filhos tenham dificuldades de aprendizagem. E, por vezes, os alunos têm comportamentos que sabem que serão protegidos pelos pais", revela.
O que fazer? Restabelecer a autoridade do professor é, na sua opinião, um passo importante para que os casos de indisciplina dentro da sala de aula não aumentem. "Não podemos castigar os alunos. Não podemos pôr um aluno fora da sala. É antipedagógico fazer a mesma coisa mais do que duas vezes", comenta. Além de relembrar que a figura do professor tem autoridade, Manuela Sousa sugere a realização de campanhas de sensibilização junto de pais e encarregados de educação, que envolvam professores e psicólogos, no sentido de explicar como se educa um filho.
Sara R. Oliveira
In: Educare
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