segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Um neurónio equivale a um minicomputador




A partir dos 30 anos, já é possível observar a perda gradual e irremediável de neurónios. A boa notícia é que uma única destas células do sistema nervoso "é capaz de distinguir diferentes sequências de informação, ou seja, tem a capacidade de assegurar funções de outros neurónios", segundo revelou ao jornal «Ciência Hoje», Tiago Branco, investigador português naUniversity College London (UCL), no Reino Unido.

Tiago Branco é pós-doutorado na UCL e foi recentemente distinguido com oPrémio Eppendorf e Ciência para a Neurobiologia 2011 (Eppendorf and Science Prize for Neurobiology), em Washington, pela publicação do trabalho «A linguagem dos dendritos» na «Science».

Nos últimos três anos, o cientista tem "tentado perceber como funciona um neurónio". Sabemos que o cérebro é constituído por milhares deles que processam a informação vinda do exterior, mas a grande questão é: Afinal, como é realizado o processamento desses dados?

Antes de conhecer como funcionam em conjunto, é importante perceber como um único neurónio age, sozinho. E foi nesse contexto que a equipa de trabalho do investigador luso chegou à conclusão que só uma destas células especializadas é capaz de distinguir diferentes sequências de informação.


“Nestes últimos três, quatro anos, temos medido as respostas de neurónios em cérebros de ratos e descobrimos que apresentam diversos níveis de informação, estimulando as sinapses [ligações entre neurónios, pontos de entrada de informação] com um laser – o que permite testar diversos padrões de sequências, de forma a perceber o é que faz com diferentes tipos de informação apresentada”, continuou.

A descoberta a realçar é que “um único neurónio é capaz de distinguir diferentes sequências de informação, independentemente do número de sinapses” – o que revela uma importante operação no cérebro, já que os dados que chegam estão em sequência. “E um neurónio só consegue fazer essa operação”, ou seja, “é capaz de funcionar como um minicomputador”, enfatizou.

Para o investigador da UCL, “um neurónio é uma entidade poderosa que opera situações mais complexas e, dependendo dos parâmetros de informação recebida, consegue tratá-la de diferentes formas, tal como uma máquina de calcular que tem a capacidade de multiplicar e dividir, entre outras”. E o passo que se segue é“demonstrar como é estas propriedades são exploradas pelo cérebro”.

Perda de neurónios

Vamos perdendo neurónios e as ligações entre eles entram em declínio, ou seja, com a idade as sinapses deixam de funcionar com a mesma intensidade e estes não dão lugar a novas células. Existe uma zona no hipocampo que promove a formação de neurónios na vida adulta, mas a quantidade que lá é formada não é suficiente para substituir aqueles que se vão perdendo.

Segundo Tiago Branco, treinar e aprender continuamente, promove o desempenho e a estimulação de novas sinapses e, até certo ponto, é capaz de combater essa perda, mas depois torna-se irreversível – aos 70 anos, o volume do cérebro é significativamente menor. “Ainda não estão claros quais os mecanismos em que se baseia a memória. Aliás ainda não sabemos em que zona do cérebro é que ela é guardada”, queixou-se.
O investigador assegura que a perda é natural e não necessariamente um processo patológico; defende mesmo que “existem vários exemplos de doentes que perderam quase metade do cérebro e funcionaram perfeitamente até ao resto da sua vida”. Uns neurónios “são capazes de tomar conta das funções de outros", assinalou também.


As células do sistema nervoso não são esféricas, assemelham-se a uma árvore, com ramificações e um só neurónio pode processar a mesma informação de forma completamente diferente dependendo por onde esta chega, por que ramificação é recebida.

Controlar a agressividade

Recorrendo à investigação em ciência básica com modelos animais, tentar responder a perguntas como “de que forma é que o cérebro processa a informação?”, foi o ponto de partido do trabalho de Tiago. Agora, o objectivo seguinte é saber quais os passos, no cérebro, que levam a determinados comportamentos, nomeadamente a agressividade.

“O que muda no cérebro para isso acontecer e por que acontece com algumas pessoas e outras não, qual a base neurológica?” Descobrir a resposta a esta questão poderia ajudar a controlar a agressividade em questões psiquiátricas, de forma mecanística. O grande problema na neurociência é “não se conhecer exactamente como é que o cérebro funciona e, quando conseguirmos, teremos poder de intervenção a vários níveis”, concluiu.

Este projecto move-o de tal forma que quando surgiu a oportunidade de integrar o programa na UCL, não pensou duas vezes e fez a transição em dois dias: “Estava no último ano da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (2002), e tive de decidir se ficava dois anos ‘em residência’ ou seguia para um doutoramento. Tendo em conta o meu interesse na investigação, o meu orientador aconselhou-me a concorrer a estes programas britânicos. Decidi candidatar-me à UCL. Foi tudo muito rápido: terminei medicina numa sexta feira e comecei na UCL na segunda feira seguinte (…)”, sublinhara Tiago Branco em entrevista à «Nature», uma escolha da revista em jeito de homenagem pelo trabalho realizado.

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