É precisamente sobre a dislexia que hoje pretendo tecer alguns comentários tendo por base um artigo muito recente publicado num periódico inglês.
Num artigo que escrevi para a revista Análise Psicológica, intitulado "Problematização das dificuldades de aprendizagem nas necessidades educativas especiais", afirmava que, em Portugal, "a legislação não contempla a categoria das dificuldades de aprendizagem específicas (DAE) e, por conseguinte, os alunos que apresentam esta problemática são totalmente ignorados e, na maioria dos casos, entregues a um insucesso escolar total que leva a níveis assustadores de absentismo e de abandono escolar". Afirmava, ainda, que:
"Na nossa óptica, torna-se importante dar um sentido conceptual ao termo DAE para, a partir daí, podermos identificar adequadamente e programar eficazmente para os alunos que verdadeiramente apresentem DAE."
Com esta afirmação queria chamar a atenção para o facto de que só ao darmos um sentido conceptual ao termo DAE poderemos operacionalizar o conceito e, consequentemente, chegar a um conjunto de respostas académicas e sociais eficazes para os indivíduos cujas necessidades se enquadrem nesta problemática. Diria, até, que é de certa forma ilógico falar acerca das necessidades especiais dos alunos com DAE sem as conceptualizar, a não ser que queiramos ignorar as características atípicas desses alunos.
Embora deixando para outra ocasião a conceitualização das DAE, gostaria aqui de recordar que os indivíduos com DAE possuem um quociente de inteligência na média ou acima dela e que as DAE dizem respeito a um conjunto de desordens vitalícias (condições permanentes, portanto) que englobam várias problemáticas (ex.: dislexia, disgrafia, discalculia, dispraxia, dificuldades de aprendizagem não-verbais) das quais a mais prevalente é a dislexia, constituindo cerca de 80% do número total de alunos com DAE. É precisamente sobre a dislexia que hoje pretendo tecer alguns comentários tendo por base um artigo muito recente publicado num periódico inglês.
Em primeiro lugar é preciso que percebamos que o Ministério da Educação (ME) continua a não considerar os alunos com DAE (onde se inserem os alunos com dislexia) como receptores de serviços de educação especial, atirando-os para um estado límbico em que, na maioria dos casos, serão os próprios professores dos alunos e, porventura, alguns "professores de apoio", a tentar responder às necessidades destes alunos sem, no entanto, possuírem uma preparação adequada para o fazerem.
Resultado: Para além do aumento do insucesso escolar, assiste-se ao comprometimento do futuro dos alunos com DAE, começando no seu abandono escolar e acabando, tantas vezes, na toxicodependência e na delinquência.
Haverá forma de evitar este descalabro, este desrespeito pelos direitos dos alunos com DAE e pelos de suas famílias? Claro que há, passando as respostas pelo reconhecimento desta categoria como uma condição permanente que deve ter direito a serviços de educação especial, quando necessário, pela implementação de um processo que leve a respostas educativas eficazes, pela precocidade da intervenção, pela formação especializada de professores nesta área e pela sua gradual colocação em todos os agrupamentos do país (relembro que a prevalência das DAE é cerca de metade da prevalência de alunos com necessidades educativas especiais), uma vez que, posso afirmá-lo com alguma certeza, não haverá nenhuma classe regular que não possua pelo menos um ou dois alunos com DAE.
Perante esta situação, que nos diz a experiência de outros países?
Como referi atrás, um artigo de Anthea Lipsett (Education Guardian, de 16 de Maio de 2008) diz que "O atraso do governo em providenciar serviços de educação especial para alunos com dislexia está a custar ao país, desnecessariamente, 1.8 mil milhões de libras (cerca de 2.27 mil milhões de euros)". Diz, ainda, que esses alunos poderiam ter sucesso escolar, desde que lhes fossem prestados serviços adequados e desde que cada escola tivesse pelo menos um especialista em DAE/dislexia capaz de identificar e apoiar crianças com dislexia. Pode ainda ler-se no artigo que "às crianças com dislexia está-lhes a ser negada a oportunidade de terem sucesso". Para além disso, o artigo refere que "a falta de apoio especializado para as crianças com dislexia está a repercutir-se num custo adicional para todos os cidadãos e, o que é ainda mais preocupante, está a depauperar o potencial de um quinto de todas as crianças inglesas". Contudo, de acordo com a mesma fonte, "O governo, por incrível que pareça, ainda não compreende a importância de agilizar meios especializados para as escolas. Em vez disso, está a despender desnecessariamente tempo e dinheiro em prolongadas experiências e inspecções (estão a acompanhar a implementação do nosso Decreto-Lei 3/2008, de 7 de Janeiro, e a imposição de se usar como referência a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde?), quando já existem respostas adequadas..." para os alunos com dislexia.
Voltando ao nosso país, nesta matéria só posso advogar o seguinte:
• Que os pais se organizem na defesa dos seus direitos e, muito especialmente, na defesa dos direitos dos seus filhos, sob pena de estarem a pactuar com um sistema que, hoje em dia, ao não reconhecer as DAE/dislexia como uma categoria das NEE, com direitos a serviços e apoios especializados, os coarcta constantemente.
• Que os pais lutem para que se construa um sistema que se baseie na existência de serviços que possam vir a responder às necessidades específicas dos seus filhos que apresentem DAE/dislexia, e às suas próprias necessidades, pois, se o não fizerem, poderão estar a contribuir para o agravamento dessas necessidades e consequente incremento de resultados negativos que, mais tarde, levarão os seus filhos ao completo insucesso e/ou abandono escolar e, quem sabe, a situações de delinquência, de toxicodependência e, até, de prisão.
Luís de Miranda Correia
1 comentário:
O que tenho vivenciado nos 10 anos de meu filho que é dislexo, é que a inclusão na escola pública é uma ilusão que reforça a boa propaganda política.
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