terça-feira, 27 de maio de 2008

A Intervenção Psicológica na Sobredotação

O aluno com características de sobredotação é visto, muitas vezes, como alguém que apresenta um desempenho excepcional em todas as áreas, que tem sempre boas notas nos testes escolares e que, por ter capacidades muito superiores à média, não apresenta dificuldades na escola ou noutros contextos. No outro extremo, outros vêem-no como um aluno problemático, a quem faltam skills no relacionamento interpessoal e qualidade no desenvolvimento socioafectivo. O que se verifica é que a criança/jovem com características de sobredotação não é um conjunto estático de estereótipos. Primeiro, é uma criança/jovem, e só em segundo lugar apresenta características de sobredotação. Poderá ser vista como uma criança “normal”, com uma capacidade acima da média, numa ou mais áreas, com características e necessidades próprias, diferentes das demais.
O sistema educativo parece perpetuar um pouco a ideia da diferença como algo negativo e da criança diferente como a criança problemática e desadaptada (Nogueira, 2002).
A intervenção do psicólogo no aluno com características de sobredotação começa na avaliação psicológica. A pluralidade do conceito impõe diferentes metodologias de avaliação psicológica. O direito de veto é atribuído ao quociente de inteligência (QI), contudo, esta medida é criticável como único critério, pelo que se recorre à entrevista e história de desenvolvimento da criança, a inventários de comportamento preenchidos por pais e professores, a testes de aptidões específicas de criatividade e de desempenho escolar, escalas de estilos cognitivos e de aprendizagem, de identidade e auto-conceito, entre outras. Há que atender também à multiplicidade de características que estas crianças/jovens podem apresentar, bem como à importância de diversas fontes de identifi cação no seu diagnóstico. No global, a avaliação destes alunos deverá ser multi-referencial, contemplar várias áreas e dimensões, utilizar diferentes instrumentos, meios e processos, atender aos diferentes contextos onde a criança opera e aos momentos/estádios de desenvolvimento em que se encontra, particularmente quando apresenta idades muito precoces (Almeida & Oliveira, 2000).
O bem-estar psicológico do aluno com características de sobredotação depende, fortemente, da organização dos ambientes e oportunidades socioeducativas que lhes forem proporcionadas (Campos, 2001). Em casa, pais exigentes, hiper-estimuladores, que fazem uma planifi cação exagerada das actividades do filho, deixando-lhes muito pouco tempo livre ou que o expõem como forma de “status” social podem “asfixiar” a criança, levando-a a situações de stress, com receio de não corresponder às altas expectativas destes. Na escola, atitudes de descrença relativamente ao seu diagnóstico, subestimação do potencial da criança, tarefas rotineiras, apoiadas na memória, na escrita e no pensamento convergente podem levar a um desinteresse e aborrecimento pelas actividades escolares.
Em ambas as situações, limitam-se oportunidades de desenvolvimento e crescimento harmonioso. Em ambas as situações poderá ser necessária a intervenção do psicólogo.
O psicólogo deve ter um papel fulcral ao nível da prevenção, no despiste precoce de situações de risco, pois ao detectá-las pode iniciar imediatamente, por intervenção directa ou indirecta, junto de pais e professores, um percurso de potenciamento de recursos da criança.
Segundo Pereira (2006), são vários os factores de risco que se colocam a esta população. Por funcionarem dentro de um esquema cognitivo diferente do habitual, marcado pelo pensamento divergente e tratamento não sequencial da informação, facilmente “chocam” com o ensino dito tradicional. Correm o risco de mais facilmente se deprimirem e de se isolarem socialmente, dados os interesses atípicos e as preocupações esotéricas que por vezes apresentam. Além disso, para cederem à fonte de pressão dos pares, poderão vir a funcionar em “falso-self”, no sentido da normalização e de se sentirem mais aceites. No contexto familiar poderão ser alvo de adultomorfização - “tu tens obrigação de compreender”, gerar sentimentos de incompetência paterna e desgaste psicológico.
A filosofia a adoptar com esta população deve ser profiláctica e proactiva.
A prevenção deverá ser o elemento estruturante de toda a actuação neste domínio.
Na prática socioeducativa, este princípio deve traduzir-se na implementação atempada de estratégias que deverão actuar como factores protectores de um desenvolvimento equilibrado.

Bibliografia
Almeida L. S., Oliveira E. P. & Melo A. S. (Orgs.). (2000). Alunos sobredotados: contributos para a sua identifi cação e apoio. Braga: ANEIS. pp.107-113.
Nogueira, S. (s/d). Será que existem crianças sobredotadas em Portugal? In A página da Educação. Acedido em: htt://www.apagina.pt/artigo.asp?id=55
O Portal da Educação. (2001). O sobredotado é um aluno normal. Acedido em: htt://www.educare.pt/
O Portal da Educação. (2001). Sobredotados. Acedido em: htt://www.educare.pt/
Pereira, M. (2006). Educação e desenvolvimento de alunos sobredotados: Factores de risco e de protecção. In Revista Portuguesa de Pedagogia. Ano 39, n.º 2. Coimbra: Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação.
Valentina Correia - Psicóloga da Direcção Regional de Educação Especial e Reabilitação - Madeira
in Revista Diversidades
Janeiro, Fevereiro e Março de 2008
Periodicidade Trimestral,
Ano 5 - N.º 19
ISSN 1646-1819

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