quarta-feira, 28 de maio de 2008

Integração Profissional de Pessoas com Deficiência

Ser diferente, mas tão bom ou melhor que os outros

O ano de 2007 foi designado como Ano Europeu para a Igualdade de Oportunidades para Todos.
Quase instintivamente, quando se fala de igualdade de oportunidades pensa-se nas mulheres e na necessidade de as proteger contra quaisquer atitudes que as coloquem em desvantagem em relação aos homens, nomeadamente no acesso e manutenção de uma carreira profissional. Esta é uma matéria importante e nunca são demais as iniciativas que visem alertar a sociedade para uma verdadeira igualdade em questões de carácter laboral, no que respeita a vínculos, remunerações, horários, etc. Mas também não podemos ignorar que, a esse nível, os progressos têm sido consideráveis e, permitam-me dizer, os casos que ainda possam persistir de desrespeito por esses princípios são diminutos ou mesmo residuais.
Mas, recordemos, o Ano Europeu relembrava a Igualdade de Oportunidades para Todos.
Para quem lida, no dia-a-dia, com a área do Emprego, e tem como principal preocupação a ajuda à inserção profissional dos que procuram o 1.º emprego ou que, já tendo exercido uma actividade profissional, perderam o seu posto de trabalho, depara-se com diversas situações que podem configurar alguma desigualdade de oportunidades. E se na questão homens-mulheres, conforme referi, não se notam grandes diferenças no que respeita ao acesso ao mercado de trabalho (actualmente, e ao contrário do que acontecia há bem poucos anos, os números do desemprego são muito equilibrados entre os dois sexos), o mesmo não pode dizer-se de outros grupos da população que encontram dificuldades acrescidas quando se trata de conseguir um emprego.
Desde já, os de mais idade e os de menos qualificações. Mas também, e sobretudo, os que por circunstâncias a que são, naturalmente, alheios, tiveram a infelicidade de nascer ou tornar-se diferentes. A inserção profissional de pessoas portadoras de deficiência é uma matéria a que todos devemos dar uma especial atenção e para a qual urge sensibilizar, sobretudo, as entidades empregadoras.
Ninguém duvida que o maior ou menor grau de empenhamento de um trabalhador está directamente relacionado com a sua motivação e com o valor que dá à manutenção do seu posto de trabalho. São exactamente os que têm mais dificuldades em (e necessidade de) obter um emprego que, ao consegui-lo, dão tudo por tudo para serem competentes e profissionais.
Alguma resistência por parte de empregadores, no sentido de darem uma oportunidade a uma pessoa portadora de algum tipo de deficiência, acaba normalmente por resultar numa enorme satisfação pela qualidade do trabalho desenvolvido e pelo empenhamento demonstrado. Conheço imensos casos. O problema está na identificação das tarefas que podem ser desenvolvidas por quem tenha alguma limitação e no encaminhamento para as profissões e actividades onde se sintam (e sejam) tão capazes (ou mais) que os outros.
Nos últimos anos, lidei directamente com 3 casos, todos diferentes e que, exactamente por isso, servem de exemplo no que respeita a esse ajustamento das faculdades de cada um às tarefas onde possam sentir-se úteis e, sobretudo, realizados. Dentro das circunstâncias, naturalmente.
O Ricardo tinha sido um jovem de uma intensa actividade e dinamismo até à altura em que, já adulto, a doença o atingiu, irreversivelmente. Não desistiu de lutar, mesmo quando perdeu a visão. Queria trabalhar. Queria ser útil. Falámos de várias hipóteses e disse-me que se achava capaz de ser telefonista. Confesso que fiquei, por uns momentos, um pouco confuso. Mas logo me disse que não teria problemas, desde que tivesse uma lista das extensões telefónicas em braille. Assim se fez, o Ricardo foi admitido na Inspecção das Actividades Económicas (na altura, sob tutela da “minha” Direcção Regional) e, enquanto teve forças (infelizmente, já nos deixou), foi um profissional exemplar e com um atendimento pleno de educação e de eficiência. Deixou saudades, como pessoa e como colega de trabalho.
Um segundo exemplo foi, para mim, marcante. A Leonor, apareceu-me um dia no serviço, com uma amiga – a Fernanda –, ambas em cadeiras de rodas. Queriam trabalhar. Tinham estudado, com bons resultados, e procuravam uma experiência profissional. Coloquei-as, através de um Programa de Emprego, na Conservatória do Registo Civil. Mais tarde, através domesmo Programa, foram colocadas na Câmara Municipal do Funchal (CMF). A Fernanda também já não está entre nós, mas a Leonor, resistente, combativa, lá se manteve, com elogios de todos quantos lidavam com ela – as suas funções eram exactamente o atendimento ao público – até que o Presidente da CMF não hesitou em admiti-la para os seus quadros. Todos a conhecem e todos lhe reconhecem uma capacidade extraordinária e uma competência sem mácula. E essa estabilidade profissional terá contribuído, em grande medida, para a felicidade na sua vida pessoal. Encontrou um jovem, apaixonaram-se, casaram e têm um filhote lindo.
O terceiro caso é também, para mim, uma experiência gratificante. A mãe do Nuno veio falar comigo, explicando-me que tinha um filho surdo, que tinha estudado até ao 10.º ano e que queria começar a trabalhar, fazendo referência à sua especial aptidão para os trabalhos manuais e para as artes. Veio para o Instituto Regional de Emprego através de um Programa Ocupacional e foram-lhe dadas tarefas junto do Gabinete de Promoção e Imagem. Mais tarde, concorreu e foi admitido. Está connosco há vários anos. Hoje, para além do aproveitamento da sua habilidade manual, é também um dos colaboradores com a missão de, todas as tardes, ir aos Correios levar as montanhas de correspondência expedidas diariamente, muitas com registos e avisos de recepção. As funcionárias da Estação do Mercado dizem que há poucas pessoas que lá cheguem com as coisas tão organizadas como o Nuno. Guardo com muito carinho um quadro que o Nuno me ofereceu, pintado por ele. A expressão da sua gratidão, a quem mais não fez que o seu dever de cidadão.
Quis relembrar estes três casos porque, sendo todos diferentes, acabam por ser, em tudo, semelhantes – pessoas que, em dado momento, se sentiram, de alguma forma, marginalizadas e com poucas expectativas de inserção no mercado de trabalho em igualdade com os outros. Foi lhes dada uma oportunidade e eles agarraram-na. E souberam ser tão bons ou melhores que os outros. A verdade é que há muitos outros casos. Alguns, admito, bem mais difíceis que estes. Mas atrevo-me a dizer que a maioria deles só precisa de uma oportunidade. Em igualdade com os outros. E não só neste, que é o Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades PARA TODOS. Sempre. Todos os dias.

Sidónio Fernandes - Presidente do Instituto Regional de Emprego - Madeira
in Diversidades
Outubro, Novembro e Dezembro de 2007
Periodicidade Trimestral
Ano 5 - N.º 18
ISSN 1646-1819

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