Introdução
A fluência de leitura, definida como a capacidade de ler com velocidade, precisão e prosódia (ou expressividade) adequadas, desempenha um papel fundamental na leitura. Porquê? Ler com fluência permite aos leitores concentrarem-se no significado do texto. Quando a leitura é lenta, laboriosa e com erros frequentes, torna-se uma tarefa cansativa e fragmentada, impossibilitando a compreensão do texto (Perfetti, 1985; Pikulski & Chard, 2005). No entanto, embora a fluência de leitura seja investigada há vários anos, duas questões carecem de atenção: Como se desenvolve a fluência de leitura ao longo do tempo? Que factores influenciam o desenvolvimento desta habilidade?
O desenvolvimento da fluência de leitura pode ser influenciado por três conjuntos de factores: (a) factores cognitivos, relacionados com as competências mentais que apoiam a aprendizagem da leitura; (b) factores motivacionais, relacionados com o interesse e atitude em relação à leitura; e (c) factores parentais, associados à influência do ambiente familiar na leitura (ver Figura 1).
Estudo de Khanolainen e colaboradores
O estudo de Khanolainen e colaboradores (2024) procurou responder às seguintes questões:
Questão 1. Quais são as trajectórias de fluência na leitura que os leitores apresentam entre os 8 e os 23 anos (desde o 2.º ano de escolaridade até à idade adulta)?
Questão 2. Que factores cognitivos e motivacionais influenciam as trajectórias da fluência na leitura?
Questão 3. Quais são os factores parentais, no jardim-de-infância e ensino básico, que influenciam as trajectórias de fluência na leitura?
Participaram no estudo 200 famílias cujas crianças nasceram entre 1993 e 1996. Metade das crianças foi identificada como um grupo de risco para dificuldades de leitura, por pelo menos um dos pais apresentar problemas neste domínio. A outra metade correspondia ao grupo sem risco, por ausência de histórico familiar de dificuldades de aprendizagem da leitura. Todas as famílias tinham o finlandês como primeira língua e todas as crianças frequentavam escolas públicas.
Figura 1. Factores preditores da fluência de leitura
As crianças foram avaliadas nos seguintes domínios:Fluência de leitura: A fluência foi avaliada na leitura de texto, palavras e pseudopalavras, em quatro momentos: no 2.º, 3.º e 8.º anos de escolaridade, e aos 23 anos.
Competências cognitivas: O desenvolvimento neurocognitivo foi avaliado em termos de consciência fonológica (aos três, quatro anos e meio, cinco, e cinco anos e meio), nomeação rápida (aos cinco, cinco anos e meio, seis, e seis anos e meio) e quociente de inteligência (aos oito anos, quando as crianças frequentavam o 2.º ano de escolaridade).
Conhecimento das letras: O conhecimento das letras do alfabeto foi avaliado aos cinco anos e aos cinco anos e meio.
Evitamento de tarefas: Com base na Escala de Avaliação de Estratégias Comportamentais (Eklund et al., 2013; Onatsu-Arvilommi et al., 2002), o evitamento de tarefas foi avaliado no 2.º ano de escolaridade pelas mães das crianças, a partir de cinco questões relacionadas com a atitude da criança perante tarefas desafiantes. Nos 7.º e 9.º anos, esta avaliação foi repetida através de auto-relato (as próprias crianças responderam ao questionário).
Motivação e frequência de leitura: A motivação para a leitura foi avaliada no 2.º e 3.º anos de escolaridade pelas mães das crianças, através de um questionário que abordava a frequência, a duração e o interesse pela leitura. Por sua vez, o interesse pela leitura foi avaliado no 7.º e 9.º anos, tanto pelas crianças, através de auto-relato, como pelas mães, a partir de questões relacionadas com a frequência de leitura durante o tempo livre.
Para além das crianças, os pais foram avaliados nos seguintes domínios.
Nível de educação parental: Antes do nascimento das crianças, os pais preencheram um questionário sobre a sua formação escolar, medida através de uma escala de sete pontos (entre 1 – escolaridade obrigatória e 7 – formação pós-licenciatura).
Rendimento parental: Quando as crianças frequentavam o 3.º ano, os pais foram questionados acerca do seu rendimento mensal individual através de uma escala de 14 pontos (desde 1 – menos de 300 euros a 14 – mais de 4800 euros).
Dificuldades de leitura parental: As dificuldades de leitura dos pais foram avaliadas através de entrevistas e avaliações cognitivas. Consideraram-se pais com dificuldades de leitura aqueles que obtiveram pontuações abaixo da média e identificaram problemas de leitura na família, sendo, posteriormente, divididos em dois grupos: (a) pais com dificuldades resolvidas (aqueles que, embora tenham relatado dificuldades de leitura na infância e apresentado competências cognitivas abaixo da média, obtiveram pontuações acima da média em testes de leitura e ortografia); (b) pais com dificuldades persistentes (aqueles que relataram dificuldades de leitura na infância, a par de pontuações abaixo da média na avaliação cognitiva e na leitura e ortografia).
Ambiente de alfabetização em casa: O contexto de alfabetização foi avaliado através de um questionário centrado em práticas de leitura partilhada e no ensino da leitura. Este questionário foi administrado quando as crianças estavam em idade pré-escolar (4-6 anos) e incluiu questões sobre a frequência com que os pais liam para a criança, a duração dessas sessões de leitura e o tempo total de leitura diária. Adicionalmente, foram incluídos quatro itens sobre o ensino em casa, quando as crianças tinham quatro anos e meio, que abordavam a frequência com que lhes ensinavam os nomes das letras e os fonemas, assim como a combinação entre letras e fonemas.
Principais resultados
1. Os resultados indicaram que a fluência de leitura progride até à idade adulta, embora a taxa de crescimento diminua ao longo do tempo. Vários estudos (e.g., Georgiou et al., 2021) têm mostrado que o desenvolvimento da fluência de leitura é mais pronunciado durante o primeiro ano de escolaridade.
2. As trajectórias da fluência de leitura apresentam variações significativas nas taxas de crescimento. Segundo Khanolainen e colaboradores (2024), este resultado sugere que o domínio da fluência de leitura não é estático, podendo, de facto, evoluir ao longo do tempo. Os investigadores verificaram, especificamente, que algumas crianças continuam a desenvolver as habilidades de leitura após a adolescência (a partir dos 14 anos), enquanto outras se mantêm no mesmo nível ou até apresentam retrocessos entre os 14 e os 23 anos.
3. A nomeação rápida e o conhecimento das letras estão significativamente associados a um desenvolvimento mais acelerado da leitura e a uma fluência robusta na idade adulta. Diversos estudos corroboram este resultado (e.g., Eklund et al., 2018; Lervåg & Hulme, 2009; Torppa et al., 2013). Eloranta e colaboradores (2019), por exemplo, verificaram que a capacidade de nomeação rápida, manifestada desde a infância, é o único factor que distingue adultos com dificuldades de leitura superadas daqueles com dificuldades persistentes.
4. A motivação para a leitura, observada no 2.º e 3.º anos de escolaridade, prediz a fluência até à idade adulta. No entanto, níveis elevados de motivação não correspondem a um progresso mais acentuado, o que sugere que a motivação não garante por si só um crescimento mais significativo da fluência.
5. Conforme observado em estudos anteriores, as dificuldades de leitura dos pais estão negativamente correlacionadas com a fluência dos filhos ao longo do tempo (e.g., Esmaeeli et al., 2019; Snowling & Melby-Lervåg, 2016; van Bergen et al., 2014). Ou seja, as dificuldades de leitura dos pais aumentam a probabilidade de menor fluência dos filhos. Além disso, os resultados indicam, especificamente, que a influência negativa das dificuldades dos pais se estende além da infância e adolescência, prolongando-se até à idade adulta. No entanto, na análise final dos resultados, quando considerada a influência de todos os factores preditores, as dificuldades de leitura dos pais deixaram de ter um impacto estatisticamente significativo, possivelmente devido à partilha de variância (isto é, da influência estatística) com a capacidade de nomeação rápida das crianças.
6. Por último, os resultados indicam que crianças com dificuldades cujos pais superaram os problemas de leitura tendem a seguir uma trajectória de resolução; enquanto aquelas cujos pais ainda enfrentam dificuldades são mais propensas a manifestar problemas persistentes neste domínio.
Fonte: Iniciativa Educação
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