Há uns meses conheci a Beatriz e o José, alunos do 12.º ano da Escola Profissional Cior - Cooperativa de Ensino, em Vila Nova de Famalicão. Ela é finalista do curso de Técnico Auxiliar de Farmácia e ele de Electrónica, Automação e Comando; ela quer terminar o secundário e ir trabalhar e ele ir para a universidade, licenciar-se em Engenharia Electrónica e tirar um mestrado em Aeroespacial.
São dois objectivos distintos, que têm, contudo, uma escolha comum: estes alunos optaram por tirar um curso profissional no secundário.
Os cursos profissionais representam hoje um terço dos alunos que frequentam o secundário. No entanto, o ensino profissional ainda vive numa espécie de contradição: é tido como “essencial para a qualificação da mão-de-obra portuguesa e para responder às necessidades das empresas e dos territórios” (palavras do ministro da Educação) e, ao mesmo tempo, é ainda visto por muitos como um “ensino de segunda”, uma espécie de via que acolhe os alunos com piores resultados académicos, que querem — ou precisam de — entrar rapidamente no mercado de trabalho.
É um “estigma” que persiste há décadas, do qual as escolas têm tido dificuldade em libertar-se. Para os directores, isso deve-se, em parte, ao facto de se pensar que o ensino profissional não permite o acesso ao ensino superior, da falta de informação que existe sobre esta oferta formativa e, sobretudo, de um sistema de orientação vocacional que realmente acompanhe os jovens e os ajude a fazer as suas escolhas.
É nestes cursos que muitos acabam por encontrar a motivação que lhes falta para a escola: “Quando um miúdo, com 14 ou 15 anos, tem de tomar uma decisão, ele e a família têm de estar esclarecidos. Tem de haver um processo a montante de orientação vocacional. Não pode ser uma sessão ou duas a meio do 9.º ano. Aqui, uns integram o curso de Mecatrónica Automóvel porque querem aprender a 'quitar' o carro; outros porque querem aprender mais umas coisas. Mas um aluno motivado é um aluno de sucesso. Não desiste, não desanima, vai tentar sempre atingir os objectivos”, disse-me o director desta escola de Famalicão, Amadeu Dinis, que é também presidente da Associação Nacional de Escolas Profissionais (Anespo).
Os jovens que seguem esta via de ensino acabam por ter alguma vantagem na entrada no mercado de trabalho em comparação com os colegas que optam por um curso científico-humanístico. Segundo o relatório Monitor da Educação 2024, os portugueses recém-diplomados do ensino profissional têm uma taxa de emprego que ronda os 77% — ainda assim inferior à média da UE, que foi de 81% em 2023.
Há ainda 22% dos alunos que prosseguem os estudos para o superior (há uma década eram 16%) e têm um contingente especial de acesso, mas que é pouco utilizado.
A meta fixada pelo país na Estratégia Portugal 2030 é ter, em 2030, 55% dos diplomados do ensino secundário pela via profissionalizante. Estamos, por isso, ainda longe do objectivo. Grande parte da oferta deste tipo de ensino está em escolas privadas, que dependem de financiamento público, nomeadamente de fundos comunitários — que chegam muitas vezes com longos atrasos, o que dificulta alguns investimentos.
O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) tem centenas de milhões de euros para criar 365 centros tecnológicos especializados, que permitirão reequipar as escolas profissionais com oferta nas áreas da indústria, da informática, do digital e das energias renováveis. Mas isso não bastará para cumprir a meta.
“O país necessita de um ensino artístico especializado e de um ensino profissional plenamente inseridos no sistema de educação e formação, e não como meras alternativas ao impropriamente chamado ensino regular”, alerta o Conselho Nacional de Educação. Só assim conseguirá atrair mais alunos, com perfis e objectivos mais diversos — e não ser relegado para um ensino que perpetua desigualdades.
Cristiana Faria Moreira
Fonte: Newsletter do Público recebida por email
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