Mão amiga, trouxe ao meu conhecimento o artigo “O Presente envenenado na Educação Inclusiva” publicado a 21/o2/2025. Muito se tem escrito sobre Educação Inclusiva – e ainda bem – mas este texto deve merecer uma réplica, não para convencer as autoras, mas para defender o trabalho que é feito nas escolas portuguesas.
Em 2018 foi publicado o Dec.-Lei 54/2018 designado “Ordenamento Jurídico da Educação Inclusiva”. E aqui começa: ao contrário do que é dito, este decreto não promete nada (as leis não prometem nada) mas institui uma forma de funcionamento inclusivo das escolas portuguesas através de um conjunto de princípios a seguir e da organização da escola para poder atender todos os alunos.
A importância desta legislação radica-se fundamentalmente num modelo educativo que considera que a inclusão é um valor transversal de toda a escola recusando que a educação dos alunos que apresentam dificuldades deva ser encaminhada para estruturas de Educação Especial.
Quem não entender esta mudança de paradigma andará sempre à procura da Educação Especial nas escolas inclusivas. Como diria Sérgio Godinho estarão à espera do comboio na paragem do autocarro. A Educação Especial que muitos e bons serviços prestou à educação organiza-se numa base psicopedagógica enquanto a Educação Inclusiva floresce numa base de interação e de aprendizagem social. Por este motivo toda a escola, todos os alunos são convidados a adequar e a adaptar as suas práticas: é isso que significam as medidas universais.
Afirmar que a falta de categorização afeta o apoio aos alunos é uma afirmação incorreta e ultrapassada. Atribuir e congregar numa categoria tipos de dificuldades que nos parecem similares não nos elucida sobre os meios que são precisos para lhes responder. Pelo contrário: a categorização é responsável por estandardização de entendimentos, estratégias e metodologias que se imagina são comuns às pessoas que foram colocadas dentro da categoria. Pensar que a categorização levaria a um melhor apoio educacional é um retrocesso e uma triste revisitação do modelo clínico que entendia que a educação precisa de receitas e de tratamentos. Juntar personalização com categorização é uma economia teórica que não se devia fazer.
Fala-se das escolas “à deriva” (?) e da inclusão como “uma farsa”. Cabe perguntar: à deriva e uma farsa para quem? Dizer que a inclusão está dependente da “boa vontade dos professores” é uma falta de respeito ao seu profissionalismo. Antes da boa vontade, todos os professores são profissionais, os quase 9000 professores de Educação Especial são profissionais e os psicólogos e os técnicos que apoiam as escolas são profissionais. O tempo da boa vontade é o tempo do assistencialismo e da caridade. Quem fala em “boa vontade” parou no tempo há muitos anos.
Considerar os esforços que se fazem todos os dias nos 811 agrupamentos para promover a inclusão de todos os alunos como “exclusão disfarçada” é uma afirmação gratuita, aliás como todo texto que fala em “os professores” “muitos” “frequentemente” sem apresentar qualquer dado que não seja o amargo estado de alma das autoras. A avaliação feita por peritos internacionais da OCDE ao sistema de Educação Inclusiva em Portugal fala em “avanços impressionantes” apesar de, obviamente, persistirem desafios para resolver.
Convocar os pais para legitimar as queixas do dueto das autoras é abusivo e uma falta à verdade. As organizações de pais em Portugal têm evidenciado (em sintonia com organizações internacionais como a UNESCO e a OCDE) uma postura de colaboração e de apoio às melhorias das políticas de educação inclusiva como tem sido prática por exemplo da Confederação Nacional das Associações de Pais (Confap).
Construir uma escola inclusiva é uma tarefa complexa e demorada. Mas é uma tarefa urgente e necessária: a Educação Inclusiva é considerada um direito nomeadamente pela Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência que, após a ratificação, é lei do Estado Português. Este direito não se concretiza criando categorias, reanimando a Educação Especial, desvalorizando o trabalho que dezenas de milhares de pessoas fazem todos os dias.
Usar uma linguagem violenta e sem fundamento poderia contribuir para atrasar e desacreditar este esforço. Dizemos “poderia” porque na verdade, não o consegue fazer. As práticas aí estão para desmentir a “farsa”, sabendo que é com os valores e conhecimento que temos que vamos mais à frente. Deslustrar este conhecimento presente em nome de lógicas ultrapassadas é uma desistência da Inclusão apesar de poder vir muito bem embrulhada numa retórica de boas intenções. Os presentes envenenados embrulham-se em papéis bonitos para disfarçar.
David Rodrigues
Fonte: Público