Acordar, lavar os dentes, lavar a cara… "Despacha-te! Estamos atrasados!". O pequeno-almoço, vestir, calçar… "Não te esqueças da lancheira!". E, até à noite, o Inglês, a Música, o Karaté, o Futebol e a Natação, dependendo dos dias, os TPC, o banho, rever a matéria do teste do dia seguinte, jantar… "Como é que já são 21:30?!"
Identifica-se com esta rotina? A descrição parece-se com as manhãs e os fins de dia lá de casa? Na verdade, é o cenário que se vive em muitas casas portuguesas em período de aulas. E depois há ainda a relação com a escola, as reuniões de pais e as notas… as notas deles que nem sempre correspondem ao trabalho desempenhado e muitas vezes ficam aquém das expectativas dos próprios e dos pais. É importante aprender e adaptar rotinas para que as famílias não se ressintam e as crianças sejam felizes na escola. Do primeiro período letivo é importante tirar lições, para melhorar o que está menos bem e encontrar o caminho certo para prosseguir no segundo período.
Este ano, a família Cardoso Sardinha teve uma adaptação mais drástica a fazer. Tomás, de 11 anos, está agora no 5.º ano e a escola é muito diferente da escola primária. Apesar de olhar para o primeiro trimestre do ano letivo e achar que, “contrariamente ao expectável, até correu bem”, Sónia Cardoso Sardinha reconhece que a rotina da família mudou muito e todos tiveram de se adaptar.
"Há uma exigência muito maior até de nós, pais. Ele é um menino covid, fez grande parte da escola primária em confinamento. Mas era uma criança muito autónoma. Agora, com a pré-adolescência, tornam-se mais preguiçosos. Tenho de o acompanhar nos trabalhos. Tenho de lhe ir ver os cadernos, coisa que não era necessária até aqui, que ele era muito responsável", conta à CNN Portugal.
"As classificações foram boas, mas muito por causa desse acompanhamento em casa. Está nos 'bons' e 'muito bons'. No final do semestre até acredito que vá subir a algumas disciplinas. Felizmente, tenho um filho com autoestima elevada, que acha que não precisa de estudar [risos]. Mas acho que eles nesta idade têm de ter uma rotina de estudo e não têm", reconhece.
"Imensos trabalhos de casa"
Patrícia Rafael é mãe solo de duas raparigas de 16 e nove anos. Idades bastante díspares que dificultam a rotina desta administrativa de 43 anos, que vive no Algarve. "Não é fácil ir buscar, ir levar… os transportes não são fáceis. Os horários de saída não são amigos dos pais que trabalham. A mais velha vai de autocarro para a escola ou com a madrinha. A mais nova depende de mim. Ela só começa as aulas às 09:00, mas tenho de a deixar às 08:30. No inverno é muito difícil. Já tive discussões com as funcionárias, porque não querem o pavilhão sujo, então deixam andar os miúdos lá fora ao frio", descreve.
Sozinha, tem dificuldade em acompanhar os estudos das duas. Teve de recorrer a explicações. "Por causa dos transportes e dos horários, tive de optar por explicações online, porque é complicado gerir tudo. A mais nova tem explicações duas vezes por semana, quando não tem explicações tem atividades", relata.
Mas a filha mais nova traz “imensos trabalhos de casa todos os dias” e, no meio da apertada rotina, o cansaço apodera-se dela e a vontade de trabalhar, depois de um dia intenso, a vontade de estudar já é pouca: "Na explicação, ela faz tudo e é super educada. Mas, em casa, não quer ter rotina de estudo. Tenho de a obrigar e é muito desgastante."
Para o segundo período escolar que agora arrancou, Patrícia não hesita nos desejos: "Gostava que não houvesse TPC ou pelo menos esta quantidade que a professora manda. É um absurdo! E gostava que os horários de trabalho fossem mais compatíveis com os da escola ou o contrário."
"A escola é um momento de interrupção daquilo que é prazeroso"
A motivação das crianças é um aspeto delicado da gestão das rotinas familiares. A psicóloga Tânia Correia e mentora do blogue 3 M’s Menina, Mulher, Mãe lembra que a escola devia ser "um processo leve e não aversivo". "A escola é um momento de interrupção daquilo que é prazeroso. O nosso cérebro está programado para nos afastarmos daquilo que é uma obrigação e aproximar-nos daquilo que é prazeroso. Nós, adultos, temos a outra parte do cérebro que nos diz que tem de ser. Mas eles não têm essa parte do cérebro ainda desenvolvida”, explica.
"Há crianças que estão exaustas. A quantidade de atividades extracurriculares que algumas crianças têm é equivalente à agenda do CEO de uma empresa", acrescenta.
Por isso, no momento de estudar em casa, é importante apostar no prazer que a criança possa tirar desses momentos. "Queremos forçar a criança a estar sentada a uma secretária a estudar. Eles já fazem isso a semana toda. Ao fim de semana, não há mal nenhum em deixá-los estudar onde eles quiserem. Há miúdos que gostam de estudar em pé, e dão saltos e fazem rodas… e isso não tem mal nenhum!", defende Tânia Correia.
Depois, é fundamental a escolha da pessoa que acompanha habitualmente a criança nos estudos. A psicóloga sublinha que é importante "perceber se essa pessoa é a que tem o melhor perfil para fazer esse apoio". "Uma pessoa que tem um gatilho mais reativo ao estudo não é a pessoa mais indicada para essa tarefa", exemplifica.
O tempo com os pais e a gestão das emoções
A psicóloga Tânia Correia defende que, acima de tudo, é fundamental não esquecer as emoções, de pais e filhos. E encontrar tempo para estarem uns com os outros. "Estar com os pais também precisa de ser encarado como uma atividade extracurricular. E até de enriquecimento curricular!", sublinha.
A psicóloga considera que as pausas letivas devem ser aproveitadas para "fazer um ponto de situação emocional da criança e nosso também" e ter em conta o excesso de estímulos. "É como a gestão da embraiagem e do acelerador. Se tivermos uma criança muito estimulada emocionalmente, temos uma criança com poucos recursos para a aprendizagem ou para traduzir as aprendizagens", alerta.
"É imprescindível que falemos das nossas emoções aos nossos filhos. Estou triste, estou zangada, tenho medo… Com isso, estou a pôr-me vulnerável. E isso é altamente benéfico para os nossos filhos. É um canal emocional que nos liga aos nossos filhos para sempre. Outras ligações vão-se perdendo, mas a ligação emocional não se perde nunca", sublinha.
“E temos de ser nós a abrir este canal emocional. Não podemos ser nós a esperar que eles se exponham. E temos de ter a consciência que 'cansada', 'stressada'… não são emoções. São guarda-chuva da tristeza, da zanga, do medo… Vamos sempre a tempo de trabalhar emoções com as crianças. Elas estão ávidas de partilhar emoções connosco. Tendem a escutar-nos muito nesses momentos", acrescenta.
E a psicóloga, que também é mãe de duas crianças, dá um exemplo da aplicação desta ligação emocional: "Pode ser usado no dia a dia, como estratégia. Dizer 'eu sei que não te apetece estudar, eu sei que estás zangado, quando tinha a tua idade também não me apetecia estudar'. É meio caminho andado para desbloquear."
A falta de tempo e o excesso de tecnologia
Em casa de Sónia Cardoso Sardinha há uma luta extra: o combate ao excesso de tecnologia. A comercial de 50 anos lamenta a dependência que os jovens têm dos ecrãs. Ela e o marido optaram por não deixar o filho levar telemóvel para a escola e houve mesmo um tempo em que o incentivaram a levar a bola de futebol. "Numa altura em que não teve professor, ele levava uma bola de futebol, mas não tinha com quem jogar porque os outros estavam todos ao telemóvel", lamenta.
"Já tive uma questãozinha com os professores que incentivavam o uso de telefone na sala de aula. A meu ver isso podia ser um complemento, mas não A ferramenta", defende.
Na análise do decurso do primeiro período, Patrícia Rafael encontra o cansaço e a falta de tempo como um entrave à tranquilidade familiar. "Tenho plena consciência de que mudei de emprego e o acompanhamento não é o mesmo. Estou mais cansada. Não tenho a mesma paciência… Acaba ela [a filha mais nova] a chorar e eu também… facilito muito mais. Não faço o acompanhamento que gostaria e que acho necessário", admite a administrativa.
Oito conselhos para um resto de ano letivo sem percalços
Tânia Correia lembra que cada família é uma família. As rotinas e os processos têm de ser adaptados. Ainda assim, é possível reunir alguns conselhos que podem ser úteis a qualquer família e ajudar a melhorar rotinas e, porque não, também resultados escolares dos mais novos.
Fazer uma avaliação emocional de cada criança e dos pais. "Enquanto mãe, posso parar para pensar: 'tenho falado sobre o que sinto?', 'a minha criança tem falado sobre o que sente?'. Não? É uma boa altura para começar. Eventualmente, procurar a ajuda de um profissional", diz a psicóloga.
Avaliar e ajustar expectativas. "O que é que eu espero em termos de sucesso desta criança? A maior parte das pessoas encara como sucesso ter 5 a tudo. E a maioria das vezes não é por aí que passa o sucesso escolar de uma criança", sublinha.
Avaliar as áreas de interesse da criança. "A criança é um ser humano e nenhum ser humano gosta de tudo. Cada criança tem o direito de gostar mais de uma matéria do que de outra e a ser melhor a uma disciplina do que a outra", observa.
Perceber qual é a via pela qual a criança aprende. "Há crianças mais visuais, que aprendem mais a partir de estímulos visuais, ilustrações, filmes… outras são mais auditivas. Ajustar estratégias de estudo com a criança à forma dela se conectar ao mundo. Se calhar, se inventarmos uma canção sobre a matéria, uma criança mais auditiva vai ter mais facilidade. As visuais não. As cinestésicas precisam de algo palpável, manuseável. Muitas vezes precisam de estar a fazer rabiscos no caderno. Não estão distraídas, estão a processar o conhecimento", explica.
O problema pode estar na escola. "Neste momento, há muitos estabelecimentos escolares que não estão a funcionar da melhor forma. Há muitos professores em burnout, os currículos estão muito desajustados àquilo que são as reais competências das crianças. Não é que não consigam acompanhar. Infelizmente, a maior parte vai fazê-lo, mas vai fazê-lo abdicando de um funcionamento saudável. Há muitas crianças a trazerem um excesso de trabalhos de casa, depois de já terem passado o dia inteiro concentradas. Há muitas crianças que não têm um dia a dia de criança", lamenta Tânia Correia.
Autoavaliação dos pais. "Se estivermos num ponto de desequilíbrio, não podemos esperar que a criança não esteja. Há muitos pais que também estão em situação de burnout, de depressão de ansiedade… e isto não é benéfico para os nossos filhos. Lembro-me sempre do conselho das assistentes de bordo para, em caso de despressurização, primeiro colocarmos a nossa máscara de oxigénio e só depois a das crianças. Se não estivermos bem, não as podemos ajudar", exemplifica.
Avaliar as rotinas familiares. "Como está a criança em termos de liberdade, de lazer… Como está a ser para estes pais, em termos de carga emocional... Quase sempre aquilo que está a incomodar as crianças, está a incomodar os pais. A maioria dos pais consegue identificar na gestão familiar aquilo que não está a resultar", garante.
Proteger sempre a essência da criança. "Não tornemos a criança nos seus resultados. A criança não é as suas notas e tem uma série de características que são dela e isso precisa de estar protegido, independentemente do que acontece na escola", finaliza a especialista.