O Conselho de Ministros fez publicar a resolução n.º 80-B/2023, de 18 de julho, que aprova o Plano 23-24 Escola+, que é suposto definir o plano geral de recuperação das aprendizagens perdidas pelos alunos, estabelecendo 7domínios e 28 ações. A Assembleia da República vai realizar uma conferência no dia 26 de setembro de 2023 sobre tão importante problemática. Enquanto interveniente convidado pela Comissão de Educação sinalizo alguns tópicos para suscitar a reflexão, o debate e a ação.
Como tese geral, sustento que ninguém sabe que aprendizagens foram perdidas, podendo ser ilusório prescrever medidas generalistas que produzam efeitos reais nos alunos que mais precisam. Mas, sabe-se, por outro lado, que as variáveis que mais impactam nas aprendizagens são a relação pedagógica dos professores com os alunos, as lideranças centradas nas aprendizagens, a organização da escola para atender à diversidade, o clima de segurança e bem-estar e os modos de trabalho docente e discentes.
i) Ninguém sabe ao certo que aprendizagens foram perdidas. Os resultados dos exames e das provas de aferição nada nos dizem de significativo. As médias dos exames não registaram alterações significativas. No caso das provas de aferição (do 2.º, 5.º e 8.ºanos), nas diferentes disciplinas, não se observa uma significativa alteração do padrão de resultados, comparando os resultados de 2019 com 2022. Havendo até casos de melhorias significativas.
ii) Os roteiros de aprendizagem disponibilizados pela Direção-Geral de Educação fornecem, em geral, excelentes sugestões de organização da ação pedagógica. Mas não basta esse excelente trabalho. É preciso que as lideranças (e os professores) nas escolas os conheçam, valorizem, adotem tendo em vista o incremento das aprendizagens.
iii) A valorização e o reconhecimento da ação das escolas e do trabalho dos professores. Se o efeito professor é uma variável-chave das aprendizagens, este é o investimento maior a fazer, para além de todos os planos. O Decreto-Lei n.º 74/2023 de 25 de agosto, que acelera os mecanismos de progressão na carreira docente, procura resolver o nó górdio da discórdia e valorizar a função social do professor. Mas não é certo que o consiga porque só parcialmente responde a uma das reivindicações maiores e justas de recuperar todo o tempo perdido.
iv) Mas “nem só de pão vive o homem”. A valorização e reconhecimento público do trabalho árduo dos professores e destacar assuas contribuições para a comunidade escolar e para a sociedade em geral é uma ação política imprescindível. Como dizia o pedagogo francês Philippe Meirieu, “os professores não têm futuro, eles são o futuro”. E por isso, é um engano fazer comparações com toda a função pública, pois a profissão de professor “é a mãe de todas as outras”.
v) Promoção de ambientes colaborativos. Muito por efeito de uma avaliação de desempenho individualista e que institui um regime de competição por bens escassos (as quotas de acesso aos escalões da carreira), as escolas reforçaram o estatuto decampo de batalha e de arena política onde reina a desconfiança. Ora, esta lógica é um suicídio profissional e um atentado à qualidade das aprendizagens. Precisamos de incentivar espaços, tempos e estruturas para a colaboração entre professores, permitindo a partilha de ideias, recursos e difusão e análise das melhores práticas. Isso pode revitalizar a comunidade escolar e criar um sentimento de pertença, reforço de identidade e alegria de ensinar.
vi) Cuidar do bem-estar: priorizar o bem-estar físico e emocional dos professores (e dos alunos). As lideranças nas escolas, apoiadas pela administração educativa, têm aqui um campo importante de criação de dispositivos internos de suporte à ação pedagógica por parte dos professores mais experientes.
vii) Fomento de relações positivas: criar uma cultura de respeito e confiança entre a administração escolar e os professores. O diálogo aberto e a resolução de conflitos construtiva podem melhorar o ambiente de trabalho e restaurar a confiança perdida.
Estas são, a meu ver, algumas das linhas essenciais para fazer acontecer a “recuperação” das aprendizagens, ativando as inteligências em ação nas escolas.
José Matias Alves
Fonte: Público
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