No passado mês de Abril, uma grande cadeia de supermercados em Espanha deu início a uma campanha de inclusão social que nos aproxima de uma sociedade mais justa. Todos os dias, entre as 15h e as 16h, reduzem a intensidade luminosa e sonora das suas lojas para que as pessoas com autismo e hipersensibilidade sensorial sejam autónomas nesta atividade da vida diária. Um grande passo a caminho da verdadeira inclusão social que se deve aplaudir e reproduzir em todos os espaços abertos ao público.
Marginalizar as pessoas com diversidade funcional já devia ser considerado tabu. É verdade que já não é um conceito completamente descabido quando nos deparamos com uma rampa à entrada de uma loja, um elevador de cadeira de rodas nas escadas da biblioteca pública ou as plataformas e cancelas adaptadas na estação de comboios da nossa localidade.
No entanto, ainda nos é um pouco incompreensível quando as adaptações necessárias para incluir alguém ultrapassam os limites da visão. Dá a impressão de que essas pessoas não têm tanto direito à inclusão como as pessoas com mobilidade reduzida.
Quando olhamos para uma pessoa que se desloca em cadeiras de rodas, rapidamente conseguimos fazer uma lista das adaptações que possa precisar. A partir do momento em que as dificuldades não são tão evidentes, parece que ficamos perdidos. Como é que podemos chamar à nossa sociedade inclusiva se nem sabemos quais são os erros que estamos a cometer?
Não querendo diminuir o esforço que esta cadeia de supermercados está a fazer a favor da inclusão social, vou usar a ida ao supermercado como um exemplo da maneira como estamos a excluir grande parte da população de um direito tão importante como é o de ser autónomo para fazer as suas próprias compras.
Entrar no supermercado como uma pessoa invisual é uma verdadeira odisseia. Começando pela impossibilidade de se orientar pela loja sem chocar contra um obstáculo nos corredores, passo para indagar como é que uma pessoa que não vê sabe em que corredor se encontra, uma vez que estes não têm qualquer sinalização em braile. Não esquecendo o jogo de roleta russa que têm de passar cada vez que tentam encontrar uma lata de tomate triturado entre muitas outras latas idênticas de fruta em calda, que, de novo, não têm qualquer tipo de identificação em braile. Da próxima vez que se encontre num supermercado a tentar encontrar o produto mais barato, pense em como uma pessoa cega faz a mesma tarefa. Isto são apenas quatro exemplos das dificuldades com que se encontram no dia a dia para fazer uma coisa tão subvalorizada como a de ser autónomo na vida diária.
A marginalização continua a existir no século XXI. É certo que nos últimos tempos tem havido um maior esforço de parte das empresas e do Governo para conseguir incluir a diferença. Cada vez existem mais instituições em Portugal que criam condições de trabalho adequadas, ao adaptar o espaço laboral para que se molde às capacidades de uma pessoa com diversidade funcional. Já desde 2018 que uma pessoa surda consegue pedir auxílio através do 112, de forma autónoma. Uma equipa do Ministério da Administração Interna, em parceria com a Associação Portuguesa de Surdos, teve a grande iniciativa de criar uma aplicação que permite a realização de uma videochamada entre o utente e um tradutor que se encontra ao serviço dos trabalhadores do 112.
Todos estes avanços na nossa sociedade permitem às crianças do futuro viverem de maneira harmónica no meio da diferença. É essencial estarmos expostos à diferença no dia a dia para que, quando nos depararmos com ela num contexto mais pessoal, saibamos como lidar. Ao excluir as pessoas das atividades da vida diária, seja por falta de rampas, seja pela ausência de identificação em braile nas latas, estamos a alimentar uma sociedade injusta.
A inclusão continua a ser um conceito confuso. Não passa só pela não-marginalização de um grupo de pessoas. É a diferença entre a adaptação da pessoa ao espaço e a adaptação do espaço à pessoa. É a diferença entre igualdade e equidade.
Carolina Dargent
Fonte: Público
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