Muitas vezes se confunde sermos diferentes com sermos desiguais. A diferença é uma fantástica vantagem que temos como espécie. Somos já diferentes no que respeita à nossa biologia e a cultura potencia ainda mais esta diferença. A diferença entre pessoas e culturas é uma fonte abundante de riqueza e até de proteção, dado que a nossa diferença não nos expõe da mesma forma a qualquer fator de risco. É, pois, uma grande vantagem sermos diferentes.
Muitas vezes se confunde sermos diferentes com sermos desiguais. A diferença é uma fantástica vantagem que temos como espécie. Somos já diferentes no que respeita à nossa biologia e a cultura potencia ainda mais esta diferença. A diferença entre pessoas e culturas é uma fonte abundante de riqueza e até de proteção, dado que a nossa diferença não nos expõe da mesma forma a qualquer fator de risco. É, pois, uma grande vantagem sermos diferentes.
A desigualdade é outra coisa. Apesar da Declaração Universal de Direitos Humanos afirmar no seu artigo primeiro que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos”, o certo, como sabemos, é que a vida nos vai tornando desiguais. Desiguais na medida em que o meio em que nascemos, o nosso género, a riqueza da nossa família, a nossa etnia, etc., nos causam vantagens ou desvantagens pelas quais não somos responsáveis. É muito frequente que sobretudo as pessoas que beneficiam destas vantagens não estejam muito conscientes delas. Por exemplo, há pessoas que atribuem a sua riqueza ao seu trabalho, como se as pessoas que não são ricas não trabalhassem ou trabalhassem pouco. Outras pessoas atribuem à sua inteligência o seu sucesso, como se as pessoas que não têm “aquele” sucesso fossem menos inteligentes. A desigualdade nasce, pois, destas vantagens ou desvantagens que uns têm e outros não. Daí que saibamos que a desigualdade é uma injustiça social porque premeia ou pune pessoas independentemente do seu mérito e só pelas condições das suas origens.
A criação da escola pública, gratuita e universal no séc. XIX, constituiu um avanço neste combate à desigualdade. Pela primeira vez na história todas as crianças têm acesso a uma estrutura que tem por missão dar gratuitamente a todos um conjunto de conhecimentos essenciais para a sua vida e compreensão do mundo. Não cabe no âmbito deste texto enumerar as enormes dificuldades que este desiderato tão nobre encontrou. Poderemos tão só dizer que esta escola pública foi durante muito tempo insuficiente, seletiva e mesmo excludente para os alunos que era suposto acolher e acarinhar.
O certo é que se localizou na escola um conjunto de dispositivos que procuravam combater a desigualdade. Ainda recentemente a escola pública era para muitas crianças um referencial de segurança, de cuidados de saúde, de alimentação e até de respeito pelos seus direitos. E quando, por força de uma pandemia, esta escola, este “locus de equidade”, é fechado, o que se passa? Penso que é inevitável concordar que, encerrado o lugar onde se sediavam estes programas de luta contra a desigualdade, esta aumenta naturalmente por “falta de comparência” da equidade.
Muito e bem se tem falado sobre o que esta pandemia revelou sobre as condições económicas e habitacionais de muitas crianças. Não era segredo, sabemos que em Portugal as crianças estão ainda mais expostas à pobreza do que os adultos. Ficou manifesto que muitas crianças e jovens não têm acesso a computadores, tablets, rede informática e até a televisão…
Há, no entanto, outras formas de desigualdade que esta crise desvendou. Citaria duas delas:
A primeira refere-se à criança ficar circunscrita à sua cultura familiar. A “escola republicana”, de que a nossa escola pública é herdeira, procurou dar às crianças uma base de conhecimento, digamos universalista, não confinada à cultura da sua família. Quando a criança fica impedida de ter acesso à escola e aos seus colegas, torna-se mais dependente (ou totalmente dependente) da cultura da sua família. Isto, mesmo em famílias com bom capital cultural, é um empobrecimento. Não é difícil imaginar a desigualdade que se verifica quando a cultura familiar está muito distante da cultura que a escola veicula.
Outro aspeto refere-se às competências que são exigidas para um ensino à distância eficaz. Sabemos há muito que estudar “à distância” exige uma organização, uma determinação e motivação de quem estuda bem maior do que o ensino presencial. Ora o facto de as crianças ficarem sem esta força motivadora da escola presencial agrava a desigualdade, dado que os alunos provenientes de meios mais favorecidos dispõem mais naturalmente de famílias mais presentes e organizadoras que mais as motivam para assumir responsabilidades e autonomia.
Assim, parece não haver muita dúvida que o encerramento da escola presencial implica um aumento da desigualdade. Sempre procuramos “trazer as famílias para a escola” e agora “levamos a escola para as famílias” e esta escola é menos rica e menos universal que a escola anterior.
Precisamos de fazer o melhor que possamos fazer para que, perante esta pandemia que nos atingiu e que nós não previmos e não pedimos, a desigualdade possa ser mitigada. Há pessoas que defendem que “se não há meios para todos, não deve haver para ninguém”. Seria interessante fazer a analogia de um carregamento de alimentos insuficiente para uma população faminta. O melhor é não distribuir qualquer alimento porque se sabe é insuficiente?
Não me parece. Não temos receitas ou procedimentos que nos permitam atuar como se o vírus não existisse, mas temos conhecimento, prudência e coragem para fazer o melhor que pode ser feito para que a escola volte a ser o lugar onde mais decididamente se combate a desigualdade.
David Rodrigues
Presidente da Pró-Inclusão – Associação Nacional de Docentes de Educação Especial; Conselheiro Nacional de Educação
Fonte: Público
Sem comentários:
Enviar um comentário