segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

"A falta coletiva"

É essencial compreender o ponto de partida para discutir o tema: o que (não) fazer para combater a indisciplina na sala de aula do ensino básico e secundário.

Entendamo-nos: a indisciplina é muito frequente e é causa de vários problemas, embora seja variável consoante o nível de ensino, a organização global da escola, a educação na família do aluno e, sobretudo, a relação entre o professor e cada um dos estudantes. É inegável, todavia, que é um problema sério: como tenho alertado, muitas aulas não são dadas, os gritos dos professores ouvem-se cá fora, as brincadeiras e provocações dos alunos, entre si e aos docentes, atingem por vezes dimensões insuportáveis.

As medidas disciplinares propostas pelo Ministério da Educação são cada vez mais ineficazes. As admoestações, as ameaças, a expulsão da sala de aula, a suspensão e mesmo a expulsão, nada têm contribuído para a melhoria do problema. No ensino privado, outrora tido como mais tranquilo, são agora também frequentes as interrupções por parte dos alunos e o controlo ineficaz por parte dos professores.

Em muitas aulas, os alunos conversam para o lado, gesticulam, gritam frases grosseiras, por vezes chegam a agredir-se. A desatenção é a regra: mensagens mandadas sem cessar em telemóveis escondidos, insultos sussurrados para o colega da frente, permanente desafio e provocação ao professor mais vulnerável. E os professores falam da matéria como se nada se passasse, sendo ouvidos apenas por alguns; ou gritam e expulsam, às vezes com pouco critério, os alunos tidos como causadores dos distúrbios.

Oriundos de famílias onde predominou a educação indulgente e permissiva e os filhos podem fazer o que querem, ou provenientes de agregados familiares onde a violência e o álcool são banais e o desemprego predomina, muitos jovens de hoje encontram na sala de aula o terreno propício à provocação e humilhação do colega, ou o local privilegiado para a exibição do desafio à autoridade, que faz subir o aluno, pela “coragem” demonstrada, na escala de valorização do grupo juvenil. Alguns tentam ser diferentes: um jovem do 8.º ano pediu à professora de Geografia para não gritar tanto e ensaiar conversar com a turma, a resposta foi: “Tenho de gritar, de outra forma não me ouvem, estão todos na brincadeira!”

Em desespero, muitos professores recorrem à chamada “falta coletiva”, em que a turma é pretensamente castigada, na esperança de que todos tomem consciência do erro e o comportamento possa ser diferente. Nunca vi medida mais errada e inútil. Errada porque pretende punir de forma indiscriminada: numa turma, há sempre forças contraditórias, umas no sentido da co-construção de um melhor clima da sala de aula, outras com o objetivo de desestabilizar: por que razão castigar todos por igual? Inútil porque os alunos não a valorizam, às vezes o prevaricador até sente alívio por escapar ao castigo porventura merecido. Depois da falta colectiva, ninguém é responsabilizado e tudo volta ao mesmo.

Não há outro caminho: conversar com os alunos, definir regras em conjunto, ser firme mas atento às dificuldades de muitos, sinalizar para as estruturas da saúde aqueles que, pelo seu comportamento disruptivo continuado, necessitam de um apoio especializado. Empenhemo-nos todos na resolução da indisciplina, porque, nesta questão, a “falta coletiva” deveria ser marcada a quem nada faz para a resolver.

Daniel Sampaio

1 comentário:

Judite Sequeira disse...

Boa tarde. Sou professora. Por acaso de matemática. Por acaso uma disciplina um tanto nada simpática para a grande maioria dos alunos.
Li o texto com atenção. Refleti.
De acordo com o que está escrito e defende, a falta coletiva devia então ser marcada ao Ministério da Educação.
Isso sim, seria de todo justo.