sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Testemunhos de professores obrigados a fazer de pais





São pagos para serem professores. Mas são muitas vezes psicólogos, assistentes sociais e principalmente pais das crianças a quem dão aulas. Compram-lhes comida, levam-nas ao médico quando estão doentes, ouvem-nas quando estão deprimidas e chegam a ir buscá-las a casa quando não aparecem na escola.
As histórias de professores que não deixam que o trabalho se limite à sala de aula são fáceis de encontrar em escolas de norte a sul do país. Mas muitos preferem falar sob anonimato ou desvalorizam as situações, explicando que «é normal» e que «há muitos a fazer o mesmo».
Ana (nome fictício) é um desses casos. Deu aulas numa escola em Midões, no concelho de Tábua, onde eram os professores que obrigavam alguns alunos a tomar banho nos balneários do ginásio. «Havia situações complicadas de desleixo. E como tínhamos uma máquina na escola, chegávamos a lavar-lhes a roupa». Numa das vezes, Ana usou dinheiro do seu bolso para ajudar uma criança que não tinha o que vestir.
Graça Pegado, professora de Educação Especial em Loures, diz até que «há colegas que chegam a mudar fraldas e a tirar o aparelho da boca» de crianças deficientes. Ela própria tem de dar de comer na boca a alunos com necessidades educativas especiais «porque não há funcionários suficientes no refeitório».
Ir com os alunos ao médico
Isabel Parente dá aulas a «meninos especiais» há 33 anos e já desvaloriza o que faz por eles, apesar de fazer muito. «Já levei alunos no meu carro ao hospital e até já pedi a médicos amigos que os atendessem sem cobrar nada».
Quase todas as semanas dá dinheiro aos miúdos para comerem no bar da Escola D. Carlos, em Sintra. E perdeu a conta às horas que gasta todos os dias a ouvir desabafos dos pais, que nem sempre estão relacionados com os problemas dos filhos. «Quase todos os anos, ajudo mães a fugir de pais violentos. Arranjo-lhes refúgio, emprego e subsídios da Segurança Social».
Manuela Costa está há 20 anos no Agrupamento de Escolas de Darque, em Viana do Castelo, e sabe bem o que é lidar de perto com situações de carência social. Vem-lhe à memória o caso de uma menina que aparecia nas aulas com os braços cortados. «Depois de insistir muito, percebi que o problema estava num pai alcoólico, que criava muito mau ambiente em casa». Para se sentir melhor, a criança mutilava os braços e arrancava o cabelo. A professora de Inglês acabou por ser a solução: «Contactei a técnica de assistência social e, depois de meses de insistência, consegui que o pai entrasse num programa de desintoxicação».
Noutro ano, foi a salvação de uma menina à beira de cair numa depressão profunda. «Já só se vestia de preto e não falava com ninguém», conta Manuela Costa, que resolveu criar um «diário partilhado» com a aluna. «Todos os dias escrevíamos sobre o que nos preocupava. Eu tentava dar-lhe respostas e ela acabou por recuperar».
Noutro caso, andou cinco horas à procura de uma mãe para a avisar de que o filho se tinha magoado. «Acabei por ser eu e outro professor a acompanhá-lo ao hospital».
In: Sol

Sem comentários: